Há quase 3 mil portugueses com mais de 100 anos. E isto podia ser uma boa notícia, não fosse traduzir não apenas o envelhecimento rápido da sociedade portuguesa como um envelhecimento com pouca saúde, pouca independência e pouca qualidade de vida. O país está entre os piores no que respeita a qualidade de vida após os 60 – sete anos, contra os mais de dez da média europeia. E está na linha da frente de uma já grisalha Europa — nasceram aqui 85 mil bebés em 2023, numa proporção de 8,5 nascimentos por cada mil portugueses — com o grupo de pessoas com menos de 16 anos já a metade do que junta os maiores de 65.
"Portugal é das sociedades mais envelhecidas do mundo. Durante quase uma década perdemos população pelas duas vias possíveis: a natural e a migratória", explica, em declarações ao SAPO, Gonçalo Saraiva Matias. "Em cada 100 residentes em Portugal, 13 são crianças, 64 estão em idade ativa e 24 têm 65 ou mais anos", concretiza o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que será keynote speaker da conferência Marketeer, de que o SAPO é parceiro, e que se debruça sobre a forma como as marcas olham para a população mais velha , na terça-feira, dia 14, no Sagres Campo Pequeno.
A verdade é que a sociedade portuguesa tem envelhecido, mas tendemos a ignorar essa fatia de quase metade das pessoas. Como é que podemos incluí-los — nomeadamente enquanto membros ativos, ainda que sem obrigá-los a trabalhar horários completos, mas passando a sua experiência e know how a gerações mais novas, e também enquanto consumidores de características especiais, já que têm uma maior capacidade financeira mas também um perfil de necessidades distinto?
Gonçalo Saraiva Matias é claro: "O envelhecimento da população traz sem dúvida novos desafios e novas necessidades de consumo", diz, apontando nomeadamente a "necessidade de serviços de saúde". Mas há muitas outras que podem mesmo ser vistas como oportunidades que faz sentido as empresas endereçarem e que podem trazer os menos jovens para o centro da equação.
"A fatia populacional acima dos 85 anos é a que está a crescer mais depressa no mundo – seguida dos centenários e dos que têm mais de 65 anos –, enquanto os jovens dos 16 aos 24 estão a encolher brutalmente", explica o especialista em ageism (idadismo, na expressão portuguesa) Bradley Schurman. "Esta tendência vai manter-se, pelo que faz sentido que empresários e marketeers olhem para esse fenómeno e criem novas estratégias", diz ainda o americano, concretizando: "Quem chegar primeiro a respostas que satisfaçam esses consumidores, vai ganhar. Bem como aqueles que entendam quem vive e faz compras nos locais onde tem negócio."
Para Gonçalo Saraiva Matias, a equação passa também pela questão do envelhecimento ativo – inclusivamente pelas vantagens comprovadas da convivência intergeracional no trabalho, da experiência dos mais velhos interligada à inovação dos mais jovens e pelos efeitos muito positivos desse convívio e do prolongamento da atividade na saúde física e mental da população. "Não é apenas o envelhecimento ativo, é também a planificação da saída faseada do mercado de trabalho que está em causa, numa altura em que a tendência que temos à frente conduzirá a um rácio totalmente desequilibrado entre cidadãos ativos e inativos", explica ainda o presidente da FFMS.
"Desde 2019 que o número de imigrantes é três vezes maior do que o de emigrantes, contribuindo para os saldos migratórios positivos. Uma vez que o saldo natural tem sido negativo desde 2009, o crescimento da população observado a partir de 2019 tem-se devido apenas à entrada de imigrantes em Portugal", alerta ainda, ao SAPO.
É imperativo, por tudo isto, olhar com atenção os desafios e as necessidades dos mais velhos. E que podem mesmo constituir uma oportunidade muito relevante. Conforme defendia há dias na Marketeer Maria João Vieira Pinto (aqui), "os velhos de hoje não são os de ontem. Não só têm poder de compra como o querem usar. São a golden generation que se mantém ativa, que viaja e experiencia, que faz desporto e já não trata o sofá por tu, durante horas". Saber valorizar esta mancha da sociedade é uma arte capaz de dar muitos frutos.