Maria Semedo, 54 anos, e outras duas irmãs, terminaram a 4.ª classe ao mesmo tempo, mas os pais só conseguiram continuar a custear os estudos da mais nova.
Um contexto de vulnerabilidade em que nascem sacrifícios: Maria teve de começar a vender peixe ao lado da mãe, de tina à cabeça, na Ribeira Grande de Santiago, rotina que simboliza a abnegação pelas famílias e por uma atividade económica que o Governo quis homenagear ao instituir, este ano, o Dia das Peixeiras.
O segredo de Maria Semedo foi guardar sempre 100 escudos de cada vez que podia.
Tanto amealhou até que se casou, construiu casa e mudou-se para a capital, Praia.
Com a hipoteca da casa, a família comprou a primeira embarcação, num negócio que foi crescendo até ter quatro barcos que fazem de Tufuca uma das principais armadoras do país, dando emprego a quase 90 pessoas e, entretanto, ajudando dois de três filhos a terminar a formação superior, quebrando a esfera de vulnerabilidade que, enquanto jovem, a tinha envolvido.
"Estou confiante que, com este trabalho, posso conseguir todos os sonhos que pedi a Deus", disse à Lusa.
Um deles é criar uma empresa de transformação de pescado, mas, para já, pede mais apoios aos armadores de pesca, espaço para armazenamento do pescado, mais gelo e um mercado só para venda de peixe, separado da atividade de descarga.
Tufuca é uma entre centenas de peixeiras - as mulheres dominam a atividade - que frequentam diariamente o cais de pesca do porto da Praia, concessionado desde 2019 à empresa Cabo Verde Ocean.
Ao lado, Ingina Moniz Correia, 65 anos, começou a vender peixe aos 18 anos.
É uma das mais antigas no espaço e das mais bem preparadas para fazer um resumo do que se passa atualmente no setor: o peixe está mais caro e as quantidades diminuem nos mares de Cabo Verde.
Ou seja, a profissão obriga a fazer contas todos os dias, mas Ingina diz que vai ser peixeira "até à morte", lamentando outro sacrifício, o de nunca se ter inscrito na previdência social para beneficiar de apoios quando "o corpo não aguenta".
A falta de apoio social é um dos retratos da informalidade que prevalece nesta atividade.
Cerca de metade da população empregada em Cabo Verde trabalha em regime informal e a profissão de peixeira é uma daquelas em que a modalidade predomina.
No meio de tantas mulheres está Paulo da Veiga, 47 anos, com uma banca há mais de 20 anos, onde vende "peixe grande", como atum, serra ou esmoregal.
Sacrifícios? Há sim, diz, sem esconder o desconforto de quem acorda todos os dias às 05:00 da madrugada, mas ciente de que isso lhe vale um rendimento precioso.
O Governo de Cabo Verde instituiu o dia 17 de maio como Dia Nacional das Peixeiras, em reconhecimento pela promoção "da cadeia de valor da pesca e segurança alimentar do país".
Ao mesmo tempo, homenageia "todo o sacrifício" que lhes é exigido, ao serem, em muitos casos, "chefes de famílias monoparentais, responsáveis por criar e educar os filhos".
A data segue o exemplo do que já acontece "com o pescador nacional, que é celebrado num dia próprio", a 05 de fevereiro.
Segundo o Censo da Pesca, em 2021, o arquipélago conta com cerca de 1.881 vendedores de pescado.
*** Serviço áudio e vídeo disponíveis em www.lusa.pt ***
*** Ricardino Pedro (texto e vídeo) e Elton Monteiro (foto), agência Lusa ***
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