Na véspera da Revolução de Abril, o nosso país apresentava uma configuração económica substancialmente diferente da atual. Por essa altura, o setor primário e a indústria eram responsáveis por 38,5% do valor acrescentado bruto do país. O nosso Produto Interno Bruto (PIB) per capita, medido a preços constantes, ascendia a 9.483,3 euros e o salário mínimo, instituído em maio de 1974 era de 3.300 escudos (qualquer coisa como 16 euros), definindo a remuneração de 1,5 milhões de trabalhadores industriais. Nesse ano, 20% da despesa do Orçamento do Estado estava alocada ao esforço de guerra, sendo que o comércio internacional dependia, em grande medida, das trocas com Angola, Guiné-Bissau e Moçambique que, conjuntamente, representavam 15% das exportações e 10% das importações. Cinco décadas volvidas, o panorama é bem diferente. O PIB per capita passou para os 18.949,5 euros (i.e., duplicou), o setor terciário passou a ser responsável por três quartos dos empregos disponíveis e o salário mínimo fixou-se nos 820 euros. Portugal está hoje completamente aberto ao comércio externo, com as exportações a valerem 50% do nosso PIB e afirmando-se como um dos pilares do nosso desenvolvimento económico.
A transformação da economia foi acompanhada por dois fenómenos relevantes na esfera do nosso mercado de trabalho. O primeiro é a democratização do acesso ao ensino. Em 1970, um em cada quatro portugueses não sabia ler nem escrever. Os dados do Censo de 2021 mostram que esta mancha negra está resolvida, já que a taxa de analfabetismo é agora quase nula. Por outro lado, assistiu-se a um dramático aumento da população no ensino superior, que passou dos 38,4 mil em 1970 para os 384,8 mil em 2020. O segundo aspeto que merece destaque é a notável integração das mulheres na dinâmica produtiva do País. Atualmente, estas representam 50% da nossa força de trabalho, valor que compara com os 39% verificados à data da Revolução. Some-se, ainda, o facto de as mulheres poderem agora competir por qualquer lugar que esteja disponível, algo que é marcadamente diferente do que acontecia antes de 25 de Abril de 1974 já que, por exemplo, estas não podiam ser magistradas ou diplomatas.
Portugal não trilhou este caminho sozinho. O período pós-revolução foi marcado pela instabilidade política, económica e social, a qual se agravou após o choque petrolífero de 1979. Este provocou uma forte desaceleração do crescimento económico, levando a que a primeira metade da década dos anos 80 do século passado esteja marcada por níveis elevados de inflação e taxas de desemprego de dois dígitos. Tal obrigou o País a recorrer à ajuda do Fundo Monetário Internacional em 1983, o que permitiu introduzir políticas de estabilização que conduziram à nossa entrada na Comunidade Económica Europeia no dia 1 de Janeiro de 1986. O País abriu-se então ao exterior, o que permitiu a importação de tecnologia e de práticas de gestão mais avançadas, enquanto ganhámos acesso facilitado aos mercados europeus. Este novo ciclo económico, que se prolongaria até 1993, levou à liberalização das trocas comerciais dentro do espaço comunitário, à captação de investimento externo e à entrada massiva de fundos estruturais destinados à convergência. O ano de 1992 é outro marco fundamental na nossa caminhada económica recente pois é nesse momento que assinámos o Tratado de Maastricht, o qual dá origem à União Europeia e à criação do euro. Portugal adere ao restrito clube da moeda única em 2002, perdendo nessa altura a possibilidade de recorrer à taxa de câmbio como factor de competitividade obrigando-se, cumulativamente, a cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, as quais limitavam o défice orçamental a 3 por cento do PIB e fixavam um rácio máximo para o valor da dívida pública face ao PIB de 60%.
Infelizmente, a experiência portuguesa no seio do clube do euro não está a correr bem, com o País a ser cronicamente incapaz de ser competitivo em termos internacionais. Para tal muito contribui o facto de a produtividade por trabalhador em Portugal ser 28% inferior à média dos países da Zona Euro. Curiosamente, ou não, este não é um problema novo: há uma década que estamos na cauda da produtividade dentro do espaço da moeda única, tendo inclusivamente sido recentemente ultrapassados pela Estónia, Letónia e Lituânia e, no contexto mais amplo da União Europeia, pela Croácia, Roménia e Polónia. Não estranha, por isso, que o nosso PIB per capita continue 17% abaixo da média comunitária. O problema da produtividade, que é decisivo, tem várias explicações, sendo de destacar o subinvestimento em tecnologia e inovação e o facto de a nossa economia estar cada vez mais ancorada em sectores de baixa remuneração e valor acrescentado. Ao mesmo tempo, o País apresenta um nível de desemprego estrutural preocupante quando o tema são os jovens e os desempregados de longa duração, o que é um sinal evidente do grave desajuste que existe entre as competências e conhecimentos da força de trabalho e as necessidades da economia. O tema é paradoxal já que outro aspeto crítico da nossa existência coletiva se prende com o desafio demográfico. O País tem níveis de envelhecimento da sua população absolutamente alarmantes, os quais são exponenciados por vagas consecutivas de emigração jovem. A combinação destes efeitos coloca pressão no serviço nacional de saúde e põe em causa a sustentabilidade da segurança social. A forte imigração que tem bafejado o país ajuda a esconder estas debilidades. No entanto, penso que é justo reconhecer que existem bastantes dúvidas sobre a forma como estamos a integrar estas comunidades na nossa sociedade algo que, a prazo, será um factor de forte instabilidade. Será ainda de referir que Portugal é fortemente dependente do financiamento externo, algo que nos torna vulneráveis às oscilações dos mercados financeiros globais, o que ficou provado à saciedade durante a crise da dívida europeia. Será difícil alterar o cenário atendendo a que outro problema da nossa economia se prende com a baixa taxa de poupança. Em 2021 esta atingiu os 9,7%, valor que compara com os 26,2% de 1975. Finalmente, apesar dos últimos anos terem sido bastante interessantes do ponto de vista das contas públicas, a verdade é que Portugal tem apresentado elevados níveis de dívida em relação ao PIB e déficits orçamentais recorrentes. Não sendo este um tema crítico neste momento, é crucial cuidar das políticas orçamentais (e económicas) por forma a não somar mais um problema grave a todos os que ainda subsistem.
Termino com uma reflexão final. Cinco décadas após a revolução, Portugal continua a ser um País adiado. Apesar das muitas melhorias que aconteceram nestes cinquenta anos, não melhorámos a nossa situação económica face aos países com os quais temos de nos comparar. Continuamos pobres e cada vez mais frágeis em termos institucionais, não sendo Portugal capaz de responder às razoáveis expectativas de um povo que pertence e quer pertencer a uma Europa Ocidental desenvolvida. Será que ainda vamos a tempo de mudar este nosso fado? O tempo – e a nossa vontade coletiva – o dirá.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.