Desafiada a esclarecer se admite trabalhar na legislatura saída das europeias de junho com o ECR -- grupo que pode ter a quarta maior bancada no próximo Parlamento Europeu, e que integra partidos como os espanhóis do Vox, os polacos do PiS, os Irmãos de Itália e os franceses da Reconquista -, Von der Leyen, candidata do Partido Popular Europeu (PPE), que respondera com "um definitivo não" à possibilidade de trabalhar com o Alternativa para a Alemanha (AfD), do grupo Identidade e Democracia (ID), não excluiu colaborar com o ECR, suscitando a "estupefação" do seu comissário e "candidato principal" ('spitzenkandidaten') dos Socialistas Europeus, Nicolas Schmit.

Num debate em Maastricht, Países Baixos, coorganizado pelo Studio Europa Maastricht, um centro de especialização para o debate e a investigação relacionados com a Europa, e o jornal Politico, que envolveu os oito 'spitzenkandidaten' dos partidos políticos europeus às eleições de junho, o único momento de desacordo entre os dois candidatos das maiores famílias - Von der Leyen e o 'seu' comissário para o Emprego e Assuntos Sociais, Schmit - surgiu quando o candidato dos Verdes, Bas Eickhout, fez notar à presidente em exercício da Comissão que esta atacava sempre a extrema-direita apontando para o grupo ID, desafiando-a então a dizer se aceitava cooperar com a outra bancada de direita radical, o ECR, ausente do debate por ter decidido não apresentar candidato principal.

"Depende muito da composição do Parlamento e de quem está em cada grupo", limitou-se a responder a candidata do PPE, suscitando a surpresa, audível, quer de Eickhout, quer de Schmit, que até então estivera sempre 'alinhado' com Von der Leyen nas respostas aos três grandes temas do debate: o combate às alterações climáticas, a política externa e segurança e a democracia na UE.

"Fiquei um pouco estupefacto com a sua resposta de que depende da composição do Parlamento. Isso é algo um pouco estranho, porque valores e direitos não podem ser divididos de acordo com certos 'arranjos' políticos. Ou é capaz de lidar com a extrema-direita, porque precisa deles, ou diz claramente que não há acordo possível, pois eles não respeitam os direitos fundamentais pelos quais a nossa Comissão lutou [...] Isso deve ser clarificado", declarou então Schmit, não tendo Von der Leyen regressado a esta questão.

A eventual colaboração entre o PPE e o ECR, como sucede já nalguns casos nacionais ou regionais - nomeadamente ao nível local em Espanha, entre o PP e o Vox -, 'ameaça' assim tornar-se um dos temas quentes da campanha até às eleições europeias agendadas para o período entre 06 e 09 de junho, que, de acordo com a generalidade das sondagens, deverão ditar uma subida vincada da extrema-direita e o seu 'peso' no futuro Parlamento Europeu.

Hoje presente em representação da extrema-direita no debate de Maastricht esteve o 'spitzenkandidaten' do ID, Anders Vistisen, que suscitou as trocas de palavras mais 'acesas', tendo acusado Bruxelas de ser "um pântano" cheio de "elites", que querem trazer mais migrantes para a União Europeia (UE), que usa a guerra na Ucrânia para aprofundar a integração europeia e abolir a regra da unanimidade na política externa, e que é corrupta, apontando o caso da compra de vacinas à Pfizer por Von der Leyen e o escândalo 'Qatargate' que atingiu a bancada socialista no Parlamento.

Em resposta, Von der Leyen assinalou que os líderes do AfD, uma das principais forças do ID, "estão sob investigação por estarem no bolso de [Vladimir] Putin" e o programa eleitoral deste partido de extrema-direita alemão "ecoa as mentiras e a propaganda do Kremlin": "Por isso, limpem a vossa casa antes de nos criticarem", afirmou, dirigindo-se ao político dinamarquês.

"Putin usa a desinformação e a polarização para tentar destruir a UE por dentro, e vemos aqui, esta noite, um exemplo", disse, apontando para o responsável do ID, ao qual se dirigiu: "Quero ser muito clara: não vamos permitir que destruam a UE. Somos mais fortes do que vocês e vamos combater as vossas interferências com todos os meios", disse.

Durante o debate, Von der Leyen, considerada a grande favorita à sua própria sucessão, recebeu diversas críticas dos vários candidatos, sendo acusada pelos Verdes de ir deixando 'cair' elementos-chave do Pacto Ecológico ('green deal') por pressão do PPE e acusada pelo grupo da Esquerda de sancionar a Rússia pela sua agressão à Ucrânia, mas não Israel pela catástrofe humanitária em Gaza.

Relativamente ao Pacto Ecológico, Von der Leyen sustentou que já "está tudo no papel" e que agora é uma questão de implementação, tendo Eickhout lamentado que a presidente da Comissão tenha anunciado em 2019 "o seu projeto de pôr um homem na lua" e, quatro anos volvidos, ainda esteja no papel. "Imaginem que John Fitzgerald Kennedy, após quatro anos dissesse 'bem, se calhar meio caminho até à lua também não está mal'", gracejou.

No debate participaram Ursula von der Leyen (Partido Popular Europeu, PPE, centro-direita), Nicolas Schmit (Partido Socialista Europeu, PES, centro-esquerda), Walter Baier (Esquerda Europeia), Bas Eickhout (Verdes europeus, centro-esquerda), Anders Vistisen (Identidade e Democracia, ID, extrema-direita), Maylis Rossberg (Aliança Livre Europeia, esquerda), Marie-Agnes Strack-Zimmermann (Renovar Europa, liberais, centro) e Valeriu Ghile?chi (Movimento Político Cristão Europeu).

Esta foi a terceira edição do "Debate de Maastricht", realizado desde que foi inaugurado, nas eleições europeias de 2014, o modelo 'Spitzenkandidat', que prevê que o "candidato principal" da família política mais votada nas eleições europeias seja eleito presidente da Comissão.

Tal sucedeu no ano de estreia do sistema de 'Spitzenkandidaten', com o luxemburguês Jean-Claude Juncker a suceder na presidência do executivo comunitário a José Manuel Durão Barroso, em virtude de o PPE ter vencido o sufrágio, mas em 2019, apesar de as famílias políticas também terem apresentado os seus candidatos, o modelo acabaria por não ser respeitado.

Durante longas maratonas negociais que se seguiram às eleições, novamente ganhas pelo PPE, os conservadores e os socialistas europeus rejeitaram reciprocamente a designação dos candidatos de cada uma das duas maiores famílias europeias -- Manfred Weber pelo PPE e Frans Timmermans pelos Socialistas -, e o Conselho acabaria por decidir toda a distribuição dos altos cargos 'à porta fechada', escolhendo para a Comissão uma 'outsider', a até então ministra da Defesa alemã Ursula von der Leyen.

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