Diz a lei que a atividade de "propaganda político-partidária, tenha ou não cariz eleitoral, é livre e pode ser feita até fora de períodos de campanha". Os partidos podem, sempre que o queiram, pôr na rua a sua propaganda. Estão-lhes porém vedados os suportes de publicidade comercial, como outdoors pagos por marcas e entidades para fazer publicidade a produtos ou serviços. A delegação socialista portuguesa no Parlamento Europeu (PE), no entanto, optou por fazer tábua rasa e, depois de várias tentativas recusadas por razões de legalidade, conseguiu encontrar quem aceitasse colocar num outdoor digital publicitário, em plena rotunda do Estoril, junto ao Clube de Ténis, a sua propaganda política.
Ao SAPO, fonte oficial da delegação portuguesa dos socialistas garante que não houve recusas, mas antes "uma normal consulta de mercado, feita a três empresas a atuar em Portugal" e que todas apresentaram propostas, "tendo sido escolhida uma, conforme aconteceu nos restantes Estados-membros", no âmbito da campanha de propaganda do grupo socialista europeu (S&D) que pretende "realçar as maiores conquistas" dos últimos anos.
Ao SAPO, o PS esclareceu que "este cartaz não é do PS". "Trata-se de uma campanha de informação pan-europeia sobre os valores e políticas defendidas pelo S&D que, seguindo as próprias regras do PE, só pode ser colocada em redes comerciais e até ao início da campanha eleitoral", acrescenta fonte oficial do partido em Lisboa. E remete qualquer explicação para a delegação socialista portuguesa em Estrasburgo.
Se a origem do contrato não está em Lisboa, certo é que várias empresas de exploração de publicidade em mobiliário urbano receberam o pedido de colocação da propaganda nos espaços que gerem e recusaram o contrato, por razões legais. Em parecer jurídico, o jurista explica que a Lei da Publicidade separa claramente as águas no que aos partidos diz respeito, não permitindo que empresas de outdoor e espaços vocacionados para publicidade sejam usados em propaganda política.
"Por terem propósitos diferentes, os anunciantes não podem utilizar os direitos de liberdade de expressão para fazer publicidade, assim como as licenças de publicidade não podem ser utilizadas para efeitos de propaganda política", confirmam juristas. "Tendo sido concedidas para o propósito de publicidade, estão a defraudar a razão determinante da sua outorga", conclui-se em parecer consultado pelo SAPO.
Com efeito, a propaganda partidária é sempre montada pelos próprios partidos, em locais para tal concebidos e sem recurso a empresas que trabalham os espaços de publicidade — como de resto acontece com o cartaz da AD visível ao lado do espaço contratado pela delegação socialista portuguesa no PE à Dreammedia. A razão é simples: esses outdoors publicitários, nomeadamente as modernas soluções digitais que até incorporam vídeo, como é o caso, estão-lhes vedados. "Se pudéssemos fazer campanhas políticas, estávamos sempre a fazê-lo", diz ao SAPO fonte do setor, reconhecendo que seria uma fonte de receita certa.
Contactada pelo SAPO, a empresa que aceitou a colocação do outdoor não respondeu às perguntas que lhe foram dirigidas, até ao momento.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de outubro, que aprova o Código da Publicidade, considera-se publicidade "qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo direto ou indireto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços". E no n.º 3 especifica-se que "para efeitos do presente diploma, não se considera publicidade a propaganda política", deixando claramente de fora a possibilidade de os partidos recorrerem a estes formatos.
Há ainda outro ponto enfatizado no parecer jurídico: sendo a publicidade em outdoors/mupis/abrigos paga pelo interessado na divulgação, ao contrário do que sucede com a propaganda política, essa utilização contrária ao que diz a lei "coloca questões de potenciais conflitos de interesses dos operadores que vendam o seu espaço para efeitos de propaganda".
"A questão é bastante complexa", concorda, em declarações ao SAPO, outra fonte do setor, explicando que há uma "questão ética" que também aqui tem de ser pesada: se uma empresa de exploração de publicidade em mobiliário urbano pudesse ser contratada para a campanha política de um partido, isso poderia ter implicações, por exemplo, na posterior atribuição de contratos de exploração das autarquias lideradas por essa mesma força partidária. Para o bem e para o mal.
Há ainda o tema das regras municipais e muitas vezes as autarquias fazem depender a afixação ou inscrição de "mensagens publicitárias em bens ou espaços afetados ao domínio público, ou que sejam deles visíveis", de licenciamento prévio.
Petições por cidades mais limpas e sustentáveis multiplicam-se
Numa altura em que a mobilização popular contra a poluição feita pela propaganda partidária ganha força, o tema toma contornos mais sérios. Apesar de ser legal e nem sequer haver um prazo para os cartazes políticos serem retirados da via pública — assim o dita a lei, que determina que a liberdade de propaganda política é livre e não está sujeita a períodos especiais, tão pouco é obrigatória a remoção de cartazes, mesmo que desatualizados, do espaço público, conforme tem esclarecido a Comissão Nacional de Eleições (CNE) —, há cada vez mais cidadãos incomodados com a sua presença nas ruas.
"Quem entra em Lisboa, pela Segunda Circular, pelo Viaduto Duarte Pacheco ou por outra via, é impactado por um carnaval de propaganda", lamentam os lisboetas. O que já levou, por exemplo, a Junta de Freguesia da Estrela, por iniciativa do vogal independente Pedro Castro, a conseguir fazer aprovar uma moção para remoção dos cartazes políticos permanentes nos locais emblemáticos da freguesia, levando agora a pretensão de alargar essa iniciativa a todo o país. Também Tim Vieira tem a decorrer uma petição online para levar o tema a debate na Assembleia, de forma a que se consiga alterar a lei que impede que se toque nos cartazes políticos, por muito danificados que estejam ou mesmo que provoquem poluição, não apenas visual.
"São inúmeros os painéis de propaganda que permanecem abandonados nos espaços públicos depois dos períodos eleitorais e/ou que são colocados durante períodos não-eleitorais em zonas icónicas das cidades", lembra-se no texto da petição, que pretende que seja desenhado um prazo de cinco dias úteis seguintes à data das eleições para que, pelo menos os painéis de propaganda política afixados em períodos eleitorais, sejam removidos. E pede-se que, em períodos não-eleitorais, passe a ser "proibida a colocação de painéis políticos no espaço público".
Para já, porém, a remoção de cartazes só foi conseguida pela câmara de Lisboa na zona do Marquês de Pombal e para isso, recorde-se, foi preciso que Carlos Moedas avançasse com a classificação da praça para impedir a "ocupação selvagem" do espaço por outdoors.
@carlosmoedas ❗️A remoção dos cartazes do Marquês de Pombal não afetou a nossa democracia. Vamos alargar esta medida a outras zonas da cidade para proteger a nossa história e salvaguardar o nosso património. Obrigado aos partidos que respeitaram esta decisão. #outdoors #marquêsdepombal #outdoorsmarquês #lisboa #política #foryoupage #fyp #foryou ♬ som original - Carlos Moedas
Notícia atualizada às 23.20 com esclarecimento do PS português e dos socialistas europeus.