Nasci em 1983, e para um jovem português, o 25 de Abril de 1974 é uma data crucial na forma como vivo a liberdade que foi conquistada neste país, não podemos esquecer que a liberdade exige mais responsabilidade/deveres de todos nós que direitos. Este foi o marco histórico em que ocorreu a famosa Revolução dos Cravos, onde foi derrubado o regime ditatorial do Estado Novo, liderado pelo António de Oliveira Salazar e, posteriormente Marcelo Caetano.
Para alguém nascido em 1983, estes momentos históricos da nossa nação podem ser vistos como o marco que permitiu a Portugal transitar das “trevas” para uma democracia e declarar o fim de décadas de repressão politica, censura e a falta das liberdades individuais, este dia sem dúvida além de ter um simbolismo enorme em Portugal, podemos afirmar que a celebração da conquista do Dia da Liberdade, recorda uma conquista onde não existiu sangue nas ruas e sim uma cadeia de união entre os militares, povo e alguns agentes políticos no derrube de um ditador. Mas deixo a questão no ar a nível de valores morais e ética, seremos nós o produto de um modelo democrático assolado pela corrupção, que por vezes deixa o país ingovernável, é que o enorme risco de não combater efetivamente a corrupção pode ser nefasta para as reformas necessárias para rejuvenescer efetivamente Portugal a nível económico e social.
No entanto, este processo que se iniciou no 25 de Abril de 1974 para o modelo democrático, foi tudo menos linear, e teremos sempre de citar e enaltecer uma data tão ou mais importante que manteve até hoje sermos o país da liberdade e das igualdades. O 25 de Novembro de 1975, também mencionado em diversas literaturas como o “golpe de Novembro”, foi significativo na história pós-revolucionária de Portugal. Enalteço este dia, porque ocorreu uma tentativa de golpe onde de um lado estava a esquerda militar e no outro lado os conservadores moderados apoiados por forças á direita do PCP como o PS e PPD-PSD de Mário Soares e Francisco Sá Carneiro, diversos acontecimentos históricos serviram então para as forças armadas (enaltecer o papel crucial das Forças Armadas Portuguesas e também da figura Salgueiro Maia, incontornável neste enredo histórico e um dos símbolos da revolução), que estavam apreensivas com o rumo político de Portugal, que estava sendo influenciado por forças de esquerda, atuarem e avançarem ( porventura a data mais simbólica para hoje sermos um país democrático). Desta forma, o 25 de Novembro de 1975 foi crucial para consolidar a luta pela liberdade e democracia em Portugal, mas prevalecendo os valores democráticos de igualdade, liberdade e fraternidade de uma nação ostracizada. Mas os impactos do fim da ditadura, como se diz em linguagem mais corriqueira foi tudo menos “pera doce”, os impactos económicos do fim da ditadura de Salazar, para a transição de um modelo económico de base democrática trouxe enormes desafios quanto oportunidades para este país à beira-mar plantado. Por um lado, a abertura política conquistada pelos homens e mulheres corajosos/as que se sacrificaram, permitiu o fim do isolamento internacional de Portugal e uma maior integração com os parceiros europeus, permitindo a adesão à então CEE (atual EU) em 1986, o que permitiu enormes e profundos benefícios económicos, como investimentos e acesso a fundos de desenvolvimento (década do milagre económico dos anos 80 ou não, depende da perspetiva, onde o peso de entrar na CEE modificou o paradigma), mas trouxe também enormes desafios que até aos dias de hoje lutamos por contrariar e dinamizar onde as reformas estruturais para diminuir dívida publica e reduzir o desemprego tem sido um enorme desafio para uma economia com crescimentos em décadas quase nulos, mas no geral, é razoável dizer que o fim da ditadura em Portugal, permitiu crescimento em diversos quadrantes e garantir os valores democráticos que são fundamentais para a nossa evolução enquanto nação de bons costumes e tradições.
No que toca à economia de Portugal, obviamente existiram melhorias de qualidade de vida, mas a que custo? Segundo os dados do Banco de Portugal (2022), o peso das receitas e despesas das administrações públicas no PIB aumentou de forma acentuada (preocupante e já tivemos o país intervencionando três vezes pelo FMI), as receitas passaram de 20,8%, em 1974, para 44,4% em 2022, enquanto as despesas subiram de 20,4% para 44,8%. Os défices orçamentais sucessivos contribuíram para o aumento da dívida pública, que subiu de 17,4% do PIB em 1974 para 113,9% em 2022, seguramente muitos portugueses questionam-se sobre o caminho de Portugal, estrangulado pela baixa natalidade e falta de reformas estruturais, é esta a revolução pela liberdade individual? Espero e ambiciono ver o milagre económico português numa base de mudanças drásticas e reformas a pensar Portugal a 10 e 20 anos, sem depender das mudanças governativas, acredito que este foi um dos desígnios da revolução.
É uma realidade que existiu uma evolução positiva na expansão das exportações e importações desde 1974 (%PIB), demonstrando que Portugal tem vindo a internacionalizar-se, mas ainda não o suficiente face a países da EU, as exportações de bens e serviços aumentaram de 20,4% em 1974 para 50,2% em 2022, enquanto as importações subiram de 31,9% para 52,2%, sendo que os ativos financeiros das instituições financeiras mais que triplicaram de 1974 até 2022, é necessário investir num modelo de cluster industrial de valor acrescentado, caso contrário pela falta de escala Portugal, pode necessitar não de uma revolução mas de um milagre.
Mas regressando à figura central deste enredo, Salazar (não esquecendo o jurista Marcelo Caetano), de fato não se autodeclarava como um fascista, algo que até eu próprio não o considero, mas sim um conservador autoritário.
António de Oliveira Salazar, ainda para muitos da geração mais sénior tem uma certa nostalgia e aura, mas a verdade é que no modelo autoritário e corporativista que criou e fomentou poderíamos até afirmar que existia nuances dos regimes do fascismo do italiano Mussolini e o nacional-socialismo do alemão Hitler, mas não o podemos dizer porque existiram importantes e distintas diferenças. Este governou Portugal onde defendia um estado forte e com as finanças sob enorme escrutínio, centralizado e autoritário, com um controlo de uma rigidez enorme sobre a economia, política e a sociedade. A censura e a repressão política, falta de liberdades individuais, podem ser associados a regimes fascistas. No entanto, o Estado Novo possuía especificidades e diferenças entre os regimes fascistas italianos e alemães, o modelo era um movimento expansionista e militar que cometeu atrocidades bíblicas, o estado novo tentou equilibrar a sua postura, evitando os conflitos externos e mantendo uma postura de neutralidade que permitiu a Portugal evitar a entrada na guerra mundial, posso reconhecer esta estratégia mas nunca concordar e abominar a perseguição que o Estado Novo fez a todas as individualidades portuguesas mais ou menos reconhecidas na esfera social.
Quando falo com as gerações mais velhas, argumentam que no tempo de Salazar, este tinha um controlo enorme sobre a área fiscal portuguesa, mas esta análise é complexa e depende da perspetiva, durante o período da sua governação autoritária, Salazar promoveu a estabilidade económica de Portugal, muitas vezes através de medidas de enorme austeridade o que permitiu alguma eficácia em manter a estabilidade financeira do estado e evitar “default financeiro” das contas públicas para evitar crises na sua governação evitando déficit orçamental. Esta abordagem teve enormes consequências negativas na economia de Portugal, porque contribuiu para altos níveis de pobreza e subdesenvolvimento e esta orientação limitou a modernização do país a nível de infraestruturas, saúde e educação, deixando Portugal numa situação de inferioridade competitiva face aos seus pares europeus e com um modelo industrial antiquado, fomentando a desigualdade social e económica nesse período negro da nossa historia visto que Salazar protegia as elites económicas para manter a sua influencia em detrimento da classe trabalhadora. Portanto, para um português nascido em 1983 que nasceu num período de liberdade só posso agradecer a todos os que lutaram para hoje ter acesso a algo tao básico como a liberdade, mas que em anterior a 1974 era tudo menos um direito básico, o meu OBRIGADO pela vossa luta por hoje ter escolhas e dizer o que penso em liberdade ser ultrapassar a barreira do bom-senso.
Neste enquadramento político revolucionário é necessário enaltecer dois grandes nomes e figuras que envolveram-se na resistência politica para promover os ideais democráticos, Francisco Sá Carneiro ( o liberal ) e Mário Soares ( o Socialista), estes dois nomes incontornáveis e proeminentes da história de Portugal, desempenharam quer alguns gostem ou não um papel crucial na transição democrática de Portugal, sendo um fundador do PPD-PSD e outro do PS, diria mesmo os verdadeiros “monstros” políticos que permitiram criar uma aura política reformista apesar das suas diferenças e caminhos, bem-haja por terem lutado por termos mais e melhores condições de vida e oportunidades.
Não vou alongar muito o papel de dois grandes organismos vivos da nossa sociedade, mas a Maçonaria e Igreja Católica, foram importantes para a transição democrática, sendo um tema delicado e que pode criar enormes divergências e discussão, mas o papel de ambos no fim da ditadura de 1974, foram importantes e até pode levar a diferentes interpretações e complexidades em seu redor, isto porque no PREC a Igreja Católica desempenhou um papel na minha modesta opinião relevante, porque assumiu após a revolução um papel mais progressista e apoiou os ideais democráticos e os direitos humanos defendendo a reconciliação nacional e popular e de mediador político, enquanto a Maçonaria pela sua influência em diversos setores de atividade desempenhou um papel significativo na oposição à ditadura do Estado Novo, e até no próprio PREC onde alguns maçons mais progressistas e reconhecidos da sociedade lutaram pela liberdade e valores democráticos tendo um papel indireto/direto no apoio à democratização de Portugal. Tanto a Igreja Católica quanto a Maçonaria, cada uma à sua maneira, contribuíram para a consolidação da democracia e dos direitos humanos durante este período crucial da história portuguesa, sem esquecer o elemento crucial que foram as forças armadas no golpe militar de 1974, que permitiu por fim à ditadura do Estado Novo e tornar Portugal um sistema democrático pluralista.
Estamos hoje a viver um presente muito mais risonho ( apesar da complexidade do século XXI), porque o papel desempenhado por diversas forças e individualidades permitiu a unificação das forcas democráticas em torno dos valores da liberdade, justiça social e direitos humanos, sem dúvida estamos melhor hoje que em 1974 mas o nosso caminho pela melhoria tem que ser continuo e acreditar que a luta não foi em vão, porque estes esforços de homens e mulheres foram fundamentais para a “Revolução dos Cravos”, em estabelecer o sistema democrático em Portugal. Gostaria assim de terminar dizendo: “Viva a Abril de 1974 e Novembro 1975” e citar dois exemplos de liberdade, Francisco Sá Carneiro dizia: “(...) O valor essencial da liberdade sem a igualdade, torna-se aristocrático privilégio de uns quantos.”, e Mário Soares: “(...) antes de ser socialista, sou democrata. Antes ainda sou, português.”, viva a Portugal e ao poema do Zeca Afonso. Está nas nossas mãos continuar a lutar por mais e melhores condições de vida, mas sem a coragem destas pessoas possivelmente hoje estaríamos a escrever se nos deixassem, sobre uma outra história.
Obrigado a todos/as pela coragem ao lutar pela liberdade.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.