O debate em torno do conceito de “género” tem conquistado cada vez mais destaque, captando a atenção de vários setores da sociedade. No entanto, muitas pessoas desconhecem o significado deste termo e como se diferencia do conceito de sexo. Sabendo que a raiz do preconceito e da discriminação muitas vezes reside na falta de informação ou no medo do desconhecido, é importante esclarecer o que é a identidade de género e por que nem sempre segue um caminho linear.

As expectativas em relação ao género começam a ser moldadas no momento da conceção. Perante a confirmação de uma gravidez, os futuros pais especulam se terão um “menino” ou uma “menina” e preparam-se de acordo com as suas expectativas. Compram roupas predominantemente azuis e brinquedos de carros e bonecos de super-heróis, para os “rapazes”. Se forem “raparigas” compram roupas cor-de-rosa e bonecas e roupinhas como brinquedos.

Com base nos órgãos genitais é atribuído um género à criança acabada de nascer – “Homem” se tiver um pénis; “Mulher” se tiver uma vulva. No entanto, existem diversas variações cromossómicas, hormonais ou anatómicas que podem dificultar esta atribuição ou torná-la incorreta, como no caso das pessoas intersexuais. Porém, não devemos confundir identidade de género e intersexualidade, pois são conceitos distintos, embora não sejam mutuamente exclusivos.

Após a “oficialização” do género da criança os pais atribuem-lhe um nome, como José, Pedro, Paulo ou Carlos, se tiver um pénis, ou Maria, Ana, Paula, Rita, se tiver vulva. Para além do nome, estas crianças tendem a ser “moldadas” de acordo com o seu género na convivência com os pais, educadores e pessoas próximas, através de brincadeiras, conversas e formas de educação. Em contrapartida, “espera-se” que desempenhem um papel correspondente ao seu género ao longo do seu desenvolvimento.

Aos homens é atribuído um papel mais racional, independente, agressivo e dominante, bem como o uso de certo tipo de roupas e interesses, como gostar de carros e futebol. Às mulheres é atribuído um papel mais sensível, emocional e empático, assim como determinadas roupas, maquilhagem e gostos, como as artes e desejo de serem mães. As pessoas que não se identificam com esta diferenciação cristalizada de género associada ao sexo atribuído à nascença são consideradas não-binárias e incluem uma variedade de identidades de género, como agénero, género fluido, entre outras.

Se este tema ainda lhe parece estranho, recorde-se que determinadas profissões já estiveram mais associadas a certos géneros. Por exemplo, a construção civil e as forças armadas ou de segurança estavam associadas a homens, enquanto a enfermagem e a educação de infância estavam associadas às mulheres. Felizmente, hoje vemos uma menor diferenciação profissional com base no género, embora ainda se verifiquem desigualdades na sua remuneração.

Outra confusão frequente em termos de conceitos está entre a identidade de género e a orientação sexual. Muitas pessoas confundem estes conceitos, mas uma pessoa não-binária pode sentir atração sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou por outras pessoas não binárias. Ou seja, uma coisa é o género com que uma pessoa se identifica (identidade de género), outra é o tipo de pessoas por quem sente atração erótica, emocional e/ou sexual (orientação sexual).

Embora o comming out de alguém com identidade de género não binária possa ser vivido como uma sensação libertadora e de empoderamento, muitas vezes é um verdadeiro desafio, devido ao estigma social e à discriminação que podem gerar problemas de ansiedade e depressão. A tudo isto acresce o medo de rejeição por parte de amigos e familiares. É um preço elevado para quem deseja apenas uma maior conexão consigo mesmas e com os outros!

Para promover uma sociedade mais justa e inclusiva, é fundamental educar e sensibilizar as pessoas sobre a diversidade de identidade de género e a importância do respeito e aceitação.

Devemos usar o termo “sexo” quando nos queremos referir a características biológicas, anatómicas e fisionómicas da própria pessoa. O termo “género” é muito mais vasto, pois engloba uma série de identidades, papeis sociais e expressões culturais associadas ao masculino e ao feminino hierarquizados numa determinada época e sociedade. Para facilitar a compreensão de alguns dos conceitos associados a esta temática, Coleman et al. (2012) apresentaram uma lista de conceitos e definições relacionados com o género e o sexo, que nos ajudam a ter uma maior noção das respetivas diferenças.

SEXO – definido pelas características cromossómicas, hormonais e anatómicas que levam à atribuição de sexo masculino ou feminino a um determinado individuo.

GÉNERO – conjunto de características e condutas que, numa determinada sociedade, são atribuídas de modo distinto a homens e a mulheres.

IDENTIDADE DE GÉNERO – perceção intrínseca de uma pessoa ser homem, mulher ou ter alguma identidade alternativa ou combinação de várias (transgénero, queer, etc.). A identidade de género de uma pessoa pode ou não corresponder ao sexo atribuído à nascença.

EXPRESSÃO DE GÉNERO – qualquer forma de expressão pela qual cada pessoa manifesta a sua pertença de género, através da aparência física, dos comportamentos de interação com os outros e da linguagem.

PAPEL DE GÉNERO – comportamentos, papéis, atividades e outros atributos que são socialmente construídos numa determinada sociedade, entendidos como femininos e masculinos.

DISFORIA DE GÉNERO – refere-se ao sofrimento que pode acompanhar a incongruência entre género expresso e o género atribuído à nascença.

NÃO CONFORMIDADE DE GÉNERO/VARIABILIDADE DE GÉNERO – não enquadramento face às normas culturais atribuídas a um determinado género, naquilo que diz respeito à identidade, aos papeis ou à expressão pessoal de género.

TRANSEXUAL – pessoa que deseja mudar ou já mudou as suas características sexuais primárias e/ou secundárias através de intervenções médicas (terapia hormonal e/ou cirurgia) de feminização ou masculinização.

TRANSGÉNERO – adjetivo aplicado a um grupo diversificado de indivíduos que transitam ou transcendem as categorias de género culturalmente definidas. A identidade de género das pessoas transgénero difere em vários graus do género atribuído à nascença.

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