A cacofonia de ridicularia desde que o novo governo entrou em funções talvez sirva o propósito de distrair o povo dos factos que revelam como o anterior executivo deixou o país preso por frágeis fios, que começam a rebentar, deixando a nu as artes de prestidigitação que durante quase uma década foram ocultadas pelo barulho das luzes da propaganda feita à volta de medidas que só existem no papel, como as creches gratuitas, os médicos de família para todos os portugueses ou as casas para 26 mil famílias carenciadas até 2024.

Mas há que ver que, em apenas um mês, passámos do elogio do excedente de Medina à certeza do regresso ao défice, os "lucros históricos" na TAP voltaram a ser prejuízos (e como estarão as contas da CP, que ainda não divulgou resultados de 2023?), a Águas de Portugal veio pedir de volta os 100 milhões que entregara em dividendos ao Estado.

Sublinho: estamos a falar de um mês. Um mês! É impossível colar isto — e os muito mais casos que têm sido revelados, do buraco que deixou a Santa Casa em apuros e sem plano de emergência ao fim de um ano de nova Provedora à saída do diretor da PSP — à governação da AD.

Vamos por partes. Se o Estado passou de um excedente de 785 milhões de euros em fevereiro para um défice orçamental de 259 milhões em março, antes até de Montenegro tomar posse, quem tem responsabilidade pelas contas afinal não tão certas? São truques, senhores, são truques. É que, entre o final do ano e as eleições, foi preciso abrir os cordões à bolsa e usar todos os cêntimos disponíveis para agradar aos eleitores - passasse isso por concretizar os aumentos negados meses antes aos pensionistas ou por melhorar os salários aos quase 750 mil funcionários públicos. Por outro lado, os últimos anos beneficiaram do (esperemos que irrepetível) efeito mágico da inflação elevada, que rendeu ao Estado uma receita extraordinária. Que também ajudou, e muito, a deixar a dívida abaixo dos 100% pela primeira vez em muitas décadas, representando 81% dessa redução. Não é coisa pouca...

Os resultados conseguidos pelo anterior governo, vê-se agora, não eram sustentáveis, nunca o foram. Porque não se baseavam na concretização de investimento, em melhorias de produtividade e em crescimento, mas antes num circunstancial encontro de inflação descontrolada, apoios europeus a rodos e retenção de fundos necessários a reformas urgentes. Apenas dois exemplos: a saúde recebeu apenas 43% daquilo que o governo socialista orçamentou para essa área, a educação ainda menos, 28%.

Quanto à companhia aérea portuguesa cujos "brilhantes" resultados o atual secretário-geral do PS e antigo ministro da pasta se arrogava serem responsabilidade dele, só pode estar a sentir-se perdida sem o seu guru. A verdade é que a TAP fechou 2023 com lucros nunca vistos, de 177 milhões de euros, mas já vinha em perda e agravou-a para um prejuízo de 72 milhões entre janeiro e março, pior do que os -57 milhões de março de 2023 e muito pior do que os -26 milhões que já tivera nos últimos três meses do ano.

Como? São truques, senhores, são truques. É que os anos de bons resultados da companhia vieram à boleia não apenas dos 3 mil milhões de euros ali metidos pelos contribuintes para a reestruturação da empresa que António Costa e Pedro Nuno Santos renacionalizaram em 2016 para decidir reprivatizar em 2023, mas também dos cortes salariais aos trabalhadores que não despediram no processo. De 2022 para 2023, os custos com pessoal na TAP subiram quase para o dobro (de 416,7 milhões para 722,6 milhões de euros) e nos primeiros três meses deste ano somaram mais 70,5 milhões, entre a reposição de salários e a negociação de um novo acordo empresa.

E depois há a anedota da Águas de Portugal, que a 29 de dezembro decidiu dar aos acionistas — leia-se o Estado (81%) e a CGD (19%) — 100 milhões de euros em dividendos extraordinários para os pedir de volta a 14 de fevereiro, num aumento de capital travado à última hora já por Montenegro. Porquê? Mesmo não sendo significativo no bolo, todas as migalhas contaram para mostrar o resultado guloso das contas socialistas.

São truques, senhores, são truques. Luzes e cores que ainda parecem conseguir distrair o povo dos últimos nove anos de desgoverno.

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... E o futuro de Costa filho

Foram 3.500 votos certos, mais 25 papelinhos na urna do que os conseguidos pela candidata da coligação liderada pelo PSD, que valeram a vitória a Pedro Costa. O filho do ex-primeiro-ministro, que conduzia a freguesia de Campo de Ourique desde que Pedro Cegonho lha deixara em herança a meio do último mandato possível — tradição de família, talvez, se recordarmos como o pai Costa pôs Lisboa nas mãos do então delfim Medina —, tinha já experiência política e autárquica.

Militante no PS desde tão jovem quanto possível, estreou-se no executivo da junta de São Domingos de Benfica, em 2013, mudou-se para o de Campo de Ourique em 2017 e chegou a presidente da Junta três anos mais tarde, mas já tinha 30 anos feitos quando foi a votos pela primeira e única vez. E se essa experiência de ser incumbente mas não alcançar mais de 25 votos de diferença lhe terá custado, mais difícil ainda foi se revelou o que estava por vir. "Cheguei ao meu limite", escreveu na emotiva carta de despedida que deixou aos seus fregueses, em que apontou culpas a Carlos Moedas por deitar a toalha ao chão.

Felizmente, só levou dez dias a encontrar novo emprego — e uma boa posição, como diretor-geral de uma agência de estratégia de marca. Ainda bem, que a vida não está fácil para ninguém, muito menos para quem tem cadastro político.

Diretora editorial