Gérald Bloncourt nasceu no Haiti em 1926, mas foi expulso no final da década de 1940 por razões políticas e passou a residir em Paris onde iniciou uma carreira de fotojornalista.
Foi ao colaborar com jornais de esquerda como "L'Humanité" e "La Vie Ouvrière", entre outros, que Bloncourt descobriu os bairros de lata portugueses nos subúrbios da capital francesa: "Era uma forma de escravatura moderna. Havia lama no inverno, era frio. Eram barracas feitas com tábuas, bocados de chapa, Era uma vida difícil, muito rude. Os homens iam trabalhar para as obras, as mulheres ficavam com as crianças", lembrou o fotógrafo à Lusa.
O primeiro "bidonville" que o repórter fotografou foi o de Champigny-sur-Marne, nos arredores de Paris, mas a abordagem não foi fácil: "Quatro portugueses viram-me e apanharam-me. Pensavam que eu era um polícia. Prenderam-me e meteram-me lá num edifício feito de tábuas. Havia lama por fora, mas lá dentro era asseado e tínhamos que tirar os sapatos."
Enquanto o fotógrafo aguardava, descalço, os portugueses "foram buscar o chefe": "Quando o chefe chegou, disse-me "Que estás aqui a fazer?" Eu conhecia-o. Era um militante sindicalista da Renault que era o chefe do bairro de lata. Abraçámo-nos, bebemos uma garrafa de Porto e depois pude voltar!", recordou.
As histórias ficaram nas fotografias, mas houve pelo menos um rosto que saiu dos arquivos 47 anos depois de Bloncourt ter apontado a máquina fotográfica a uma menina no bairro de lata de Saint-Denis. Na sequência da exposição "Por uma vida melhor" no Museu Berardo, em 2008, o repórter foi contactado por uma mulher com os traços da criança que ilustrava a capa da exposição.
"Ela disse-me: "Talvez seja eu..." Fizemos uma investigação e era mesmo ela! Desde então, faz parte da família. Ela estudou na universidade de Coimbra, é uma mulher magnífica. Ela está a escrever um livro agora, pediu-me para fazer o prefácio, onde conta toda a sua aventura", descreveu emocionado.
Os relatos que ouvia nos bairros de lata, levaram Gérald Bloncourt a querer descobrir Portugal e a fotografar as rotas clandestinas dos que tentavam fugir à ditadura, num percurso que ficou conhecido como "O Salto".
"Conheci resistentes contra Salazar e - como eu próprio fui resistente contra a ditadura do meu país - quis lá ir. Fui a Portugal na época de Salazar, fiz toda a rota da emigração, de Lisboa passando pelo Porto, Chaves e aquela região. Fui mesmo detido pela PIDE uma vez. Eu tinha metido rolos para eles na mala e eles encontraram-nos. Mas eu tinha colado nas costas um par de meias com os rolos de fotografias importantes que consegui salvar e que estão hoje publicadas e expostas", contou.
Anos depois, o fotógrafo regressou a Portugal, onde aterrou nas vésperas do 1.º de maio de 1974 para "tentar fazer algumas fotos" perante "mais de um milhão de pessoas com cravos e um povo em júbilo".
"Como estava em contacto com eles [os emigrantes portugueses], avisaram-me da Revolução dos Cravos. Fui logo a Portugal de avião, encontrei um lugar e estava no mesmo avião que Cunhal. Os camaradas dele cantavam e batiam com os pés e a hospedeira foi-lhes pedir para parar. Vivi a revolução dos cravos. Foi uma coisa incrível", descreveu.
As imagens do fotógrafo de 88 anos já integraram várias exposições em Portugal e França, fazendo parte do arquivo da Cité nationale de l'histoire de l'immigration, em Paris, e do Museu das Migrações e das Comunidades de Fafe.
Hoje o fotógrafo encontra-se no Fundão, para a inauguração da exposição "Por uma Vida Melhor" e estará em Lisboa no dia 25 de abril, para a exposição "O olhar comprometido de Gérald Bloncourt", na Casa da Achada - Centro Mário Dionísio.
Além de fotógrafo, Gérald Bloncourt é pintor e poeta, tendo participado na criação do Centro de Arte Haitiana (1944) e tendo publicado vários livros, com destaque para "Le Paris de Gérald Bloncourt" (2010).
CAYB // EL
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