No último ano, o Estado cobrou em impostos mais 4,7 mil milhões do que esperava, num total de 58,3 mil milhões de euros recolhidos junto de pessoas e empresas. A receita fiscal subiu 9,2% em relação ao recorde de 2022, que contribuiu largamente para o excedente orçamental de 4,3 mil milhões conseguido por Fernando Medina, então ministro das Finanças.

Mas como funcionam os impostos? Como são cobrados? A quem? E para que servem os muitos milhares de milhões de euros que chegam aos cofres públicos?

Para responder a estas perguntas, o SAPO, em parceria com a EY, publica uma série de consultórios que aqui se inicia pelo IRC, o imposto que pesa sobre as empresas e que em 2023 rendeu mais de 8,6 mil milhões de euros, mais 1,4 mil milhões do que o orçamentado por Medina.

Luís Marques, partner da EY na área de Tax Services, explica o IRC em 7 respostas.

1. Desde quando existe IRC?
O IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) foi criado em 1989 no âmbito do processo de Reforma Fiscal levada a cabo pelo governo então liderado pelo Prof. Dr. Aníbal Cavaco Silva, e que tinha como objetivo criar um sistema de imposto único sobre o rendimento vis a vis um sistema cedular que existia até esse momento.

2. Quem paga IRC?
No essencial, o IRC visa tributar o lucro das empresas com sede ou direção efetiva em Portugal, que exerçam uma atividade comercial, industrial ou agrícola. Para as empresas que estão sediadas noutro país (i.e. as entidades não residentes), o IRC incide apenas sobre a proporção dos rendimentos obtidos em território português.

Neste contexto, é relevante observar que a generalidade das empresas que auferem rendimentos em território português estão sujeitas a IRC. De salientar que, em algumas circunstâncias, este imposto pode também incidir sobre empresas que, durante um determinado período de tributação, tenham registado um prejuízo, uma vez que o IRC também incide sobre algumas despesas, sobre as quais o legislador entende que têm subjacente um caracter de utilização pessoal e não apenas empresarial (por exemplo despesas com viaturas ligeiras de passageiros, ajudas de custo, despesas de representação, entre outras). Estas despesas estão sujeitas a uma tributação especial em sede de IRC, vulgarmente designada por “tributação autónoma”, havendo taxas específicas consoante a natureza (e no caso das viaturas de passageiros, o respetivo quantitativo do custo de aquisição das viaturas) da despesa.

Dito de outro modo, o IRC incide assim sobre os lucros das empresas, bem como sobre certas categorias de despesas que sejam incorridas pelos sujeitos passivos deste imposto.

3. Com o tem sido alterado o IRC?
O Código do IRC tem sido sujeito a várias alterações ao longo dos anos, por um lado para dar resposta às necessidades orçamentais do Estado (para 2024, e de acordo com dados do OE 2024, estima-se que as receitas do IRC possam vir a ascender a um valor ligeiramente acima de 8 mil milhões de euros, sendo o terceiro tributo mais importante no que toca a receitas fiscais cobradas pelo Estado), por outro para dar resposta à normal evolução da economia e também para dar respaldo a várias normas de direito fiscal emanadas da União Europeia.

4. Qual é afinal a taxa de IRC que as empresas pagam em Portugal?
Atualmente, a taxa normal do IRC fixa-se em 21% para Portugal continental, sendo que o atual Executivo, através do respetivo Programa de Governo apresentado recentemente, prevê uma redução desta taxa (em 2 pontos percentuais por ano, até que se atinja o limiar mínimo de tributação previsto nas regras internacionais ao nível da OCDE/UE, de 15%), assim como uma redução dos escalões da derrama estadual e também da derrama municipal (explicação abaixo). Por outro lado, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores a taxa é de 14,7%, correspondente a uma redução de 30% face à taxa que é praticada em Portugal continental.

5. A taxa real de IRC é então de 21%?
Recentemente, desde a crise financeira que o país atravessou no início da segunda década do século XXI (i.e. desde 2010 e que posteriormente originou um plano de assistência financeira para Portugal no âmbito da troika), que o IRC tem vindo a assumir um carácter de progressividade, uma vez que a sua taxa pode aumentar em função do valor do lucro tributável.

Nestes termos, e conforme estabelecido na lei, quando o lucro tributável ultrapassa o valor de 1.500.000 euros, incide uma taxa adicional (i.e. a título de derrama estadual) de 3% sobre o montante excedente, e quando superior a 7.500.000 euros, uma taxa adicional de 5%, sendo aplicável uma taxa adicional de 9% quando os lucros que ultrapassem a fasquia de 35.000.000 euros.

A natureza progressiva que o IRC passou a ter desde essa altura tem vindo a ser alvo de um debate técnico, na medida que a Constituição da República Portuguesa apenas prevê, de forma expressa, uma natureza progressiva para o IRS e não para o IRC, pelo que a manutenção desta situação pode, potencialmente, enfermar de uma desconformidade com a lei fundamental. A isto ainda acresce uma derrama municipal que pode ascender a um máximo de 1,5%.  Tudo somado, a taxa “global” de IRC e derramas pode ascender a 31,5%.

6. O IRC penaliza os lucros?
O IRC incide sobre o resultado contabilístico apurado nos termos das regras de normalização contabilística em vigor, sendo devidamente ajustado conforme os preceitos estabelecidos no Código do IRC. Desta forma, determinados rendimentos ou gastos que são contabilisticamente relevantes podem não ser relevantes em termos fiscais, o que implicará que o valor do imposto devido em termos finais incida sobre um resultado (tributável) que é muitas vezes distinto do resultado apurado em termos contabilísticos, sendo este facto algo que contribui para uma distinção entre a taxa nominal (i.e. 21%) e a taxa efetiva de imposto (que resulta da divisão entre o montante de IRC devido e o resultado contabilístico).

Poderá ainda contribuir para esta diferença o facto de muitas empresas poderem beneficiar da utilização de benefícios fiscais, o que pode contribuir para a diminuição do valor do IRC a pagar e com isso contribuir igualmente para uma diminuição da taxa efetiva de tributação.

7. E para que serve o imposto?
O IRC desempenha um papel crucial no conjunto das receitas fiscais obtidas pelo Estado português, mediante uma tributação dos lucros das empresas em Portugal, garantido a contribuição justa das empresas para o financiamento público e moldando as suas estratégias de investimento. A sua (atual) natureza progressiva, aliada à interação entre as normas contabilísticas e fiscais, reflete a procura de uma tributação justa e sustentável, para promover o crescimento económico e a estabilidade financeira do país, enquanto incentiva a transparência nas práticas empresariais, ainda que a referida progressividade possa ser uma questão que provavelmente ainda possa vir a ser dirimida nos tribunais.

Respostas dadas ao SAPO pela EY, elaboradas pelo partner na área de Tax Services, Luís Marques.