Díli, 22 nov (Lusa) - As duas páginas datilografadas em inglês, assinadas por seis líderes de quatro partidos timorenses e conhecidas como a "Declaração de Balibó", que pedia a integração na Indonésia, continuam hoje, 40 anos depois, a ser alvo de controvérsia.
Redigida em Jacarta, assinada em Bali e transmitida por um potente emissor de rádio em Balibó, a declaração, datada de 30 de novembro de 1974, é fortemente contestada por vários líderes timorenses, incluindo os signatários que dizem terem sido coagidos.
O polémico texto acusava a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) de impedir uma solução pacífica para o conflito e o direito do povo timorense à autodeterminação, declarando que "a totalidade da antiga colónia portuguesa de Timor Português" seria integrada na Indonésia e que esta integração era o "mais forte reconhecimento dos sentimentos do povo do Timor Português".
"De acordo com o conteúdo da presente Proclamação de Integração, pede-se ao Governo da Indonésia e ao povo da Indonésia que tomem as medidas necessárias para proteger a vida das pessoas que agora se consideram parte do povo indonésio mas que vivem sujeitas às práticas terroristas e fascistas da Fretilin, com a aquiescência do Governo de Portugal", conclui o polémico texto.
"Oficialmente" a declaração foi assinada na vila timorense de Balibó, a 30 de novembro de 1975 - dois dias depois da proclamação unilateral da independência, por seis elementos de quatro partidos timorenses. Participantes nas "negociações" do texto garantem que foi assinado em Bali e que alguns dos signatários foram coagidos.
Guilherme Maria Gonçalves (que seria o segundo governador indonésio de Timor-Leste) e Alexandrino Borromeu assinaram pela Apodeti (Associação Popular Democrática Timorense) - a principal força integracionista - e pela UDT (União Democrática Timorense) assinaram o presidente, Francisco Lopes da Cruz - tornou-se depois a principal voz timorense a favor da Indonésia - e o secretário-geral, Domingos Oliveira.
O texto é ainda assinado pelo presidente do Kota (Confederação dos Reinos de Timor), João Martins e por Domingos Pereira do Partido Trabalhista (PT).
Em entrevista à Lusa, Mário Carrascalão, fundador da UDT, insiste que sempre foi contra e recorda como foi feito o documento, que explica ter sido levado para Bali pela polícia secreta indonésia para ser assinado.
"Nós éramos seis da UDT e outros seis de outros partidos. Na reunião dissemos que sim senhor a integração poderia considerar-se aceitável se isso fosse o resultado de uma consulta popular. E queríamos alterar o texto nesse sentido", recordou.
"Quando havia votações (sobre o texto) havia sempre o empate seis a seis. E isto demorou muitas horas. Perante o impasse chega o José Martins do Kota, ligado aos serviços de inteligência, há nova reunião e eles ganham 7-6", refere.
Os dois líderes da UDT, Lopes da Cruz e Domingos Oliveira "são levados de Bali para Balibó" e é lá que a polémica declaração é conhecida.
Mário Carrascalão explica que Lopes da Cruz "tinha uma certa simpatia pela indonésia (...) simpatizava muito com a filosofia indonésia do Pancasila" (os cinco princípios do Estado indonésio) mas garante que Domingos Oliveira foi forçado.
"Foi forçado. Ninguém me consegue convencer que ele quisesse assinar a declaração. Até chegaram a dizer que eu era um dos signatários", afirma.
Apesar de, politicamente, a declaração "ter sido uma mancha" na história da UDT, os militantes do partido "nunca a aceitaram (...) a ponto de serem considerados pelos indonésios os colaboradores passivos da Fretilin, na altura".
O relatório da Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR) - mandatada para investigar os abusos de direitos humanos cometidos por todas as partes entre abril de 1974 e dezembro de 1999 - recorda que houve três outros documentos "a favor da integração".
As Declarações de Suai e Bobonaro e a Petição de Batugadé (que antecederam a Declaração de Balibó) também não terão sido feitas sem intervenção direta indonésia, especialmente no caso dos textos de Suai e Batugadé, refere o relatório final da CAVR.
"A Comissão ouviu depoimentos de líderes políticos timorenses presentes à assinatura. Estavam "sob vigilância apertada", mas mesmo assim ainda protestaram tenazmente durante muitas horas contra a assinatura do documento", refere o relatório.
"Deram testemunho das pressões exercidas sobre os políticos timorenses por membros da agência de serviços de informação, Bakin, no decurso da redação e da decisão de voto relativo à declaração", sublinha.
O próprio Domingos Oliveira, que assina o documento, explicou numa intervenção nas Jornadas sobre Timor no Porto, em 1997, que "toda e qualquer declaração só poderá ter valor e produzir efeitos jurídicos se for feita por livre vontade do declarante e se o seu conteúdo corresponder à verdade objetiva".
"A chamada Declaração de Balibó faz parte dos documentos cuja assinatura foi extorquida por coação, intimidação e terror em território indonésio e no momento em que Timor já estava invadido militarmente", disse.
"A mesma carece de valor jurídico porque não corresponde à verdade nem, muito menos, à expressão da vontade povo timorense", disse ainda.
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