Assim que Donald Trump escolheu o senador nacionalista J.D. Vance para ser o seu candidato a vice-presidente, a imprensa norte-americana fez o que seria de esperar: ler tudo o que Vance disse e escreveu sobre Trump no passado. E esse passado tem demonstrado repetidamente que o senador, agora um fiel seguidor de Trump e das suas políticas nacionalistas e extremistas, era um crítico acérrimo do ex-Presidente.

Para J.D. Vance, a sua história de conversão ao culto de Donald Trump, repetida ad nauseum durante a atual campanha presidencia, veio com o “sucesso” e as “promessas honradas” do primeiro mandato do ex-Presidente dos Estados Unidos, que mudou a sua opinião - disse que votou contra Trump em 2016 e a favor de Trump em 2020.

Mas mensagens privadas recolhidas pelo Washington Post, divulgadas esta sexta-feira, mostram que o senador tinha uma opinião bem mais crítica no final do mandato de Trump, acusando-o de “falhar” na sua agenda económica. “Trump simplesmente falhou profundamente em concretizar o seu populismo económico (à exceção de uma política desarticulada sobre a China)”, escreveu Vance, em fevereiro de 2020.

O então senador terá trocado mensagens com uma pessoa na rede social Twitter (agora X), nas quais atacou as políticas económicas levadas a cabo por Trump. Em junho de 2020, meses antes das eleições presidenciais entre Trump e Biden, Vance disse que o então líder do país “provavelmente vai perder”, uma previsão que acabaria por se confirmar.

Ainda nesse mês, o senador - que, na altura, ainda não tinha apresentado qualquer candidatura no Partido Republicano - alegou que a administração de Trump ofereceu-lhe um cargo no Governo norte-americano, que recusou. “Eu já recusei a minha nomeação pelo imperador”, escreveu Vance, com a troca de mensagens a descrever o Presidente como “Imperador Trump”.

Em resposta ao Washington Post, o porta-voz do atual candidato republicano a vice-presidente, William Martin, disse que os comentários de J.D. Vance em 2020 não deviam ser interpretados como uma crítica ao seu atual ‘patrão’, mas antes contra “os republicanos do sistema que frustraram muita da agenda económica populista de Trump para aumentar taxas alfandegárias e reforçar a indústria nacional no Congresso”.

“Felizmente, o senador Vance acredita que os republicanos no Congresso estão hoje muito mais alinhados com a agenda do Presidente Trump do que estavam na altura. Portanto, está confiante que não encontrarão os mesmos problemas dentro do partido”, disse Martin, não respondendo, contudo, à previsão de uma derrota de Trump na eleição de 2020.

Em 2016, Vance descrevia-se como um republicano anti-Trump, um cínico do então candidato às presidenciais que viria a derrotar Hillary Clinton. Descreveu-o como “o Hitler da América”, um “idiota”, repreensível” e “um palhaço como Nixon”, entre muitos outros insultos. Em julho, a CNN avançou que J.D. Vance escreveu várias vezes nas redes sociais a sugerir que Trump era culpado de crimes de abuso sexual, devido ao seu processo envolvendo a escritora E. Jean Carroll e a polémica gravação no programa “Access Hollywood”.

Apesar do vasto número de declarações em que criticou abertamente Donald Trump, Vance nunca especificou o momento na Presidência do republicano que o fez mudar de opinião sobre o líder conservador. Em setembro de 2021, numa altura em que os republicanos que tinham criticado o papel do ex-Presidente na invasão ao Capitólio estavam a ser afastados do partido, J.D. Vance (na altura conhecido como o autor do livro “Hillbilly Elegy”) candidatou-se ao Senado pelo estado do Ohio e passou a afirmar-se como um devoto apoiante de Trump e das políticas mais extremistas, populistas e frequentemente racistas.

Em outras mensagens privadas vistas pelo Post sobre preocupações com a pandemia da Covid-19, o acesso universal a saúde pública e a questões identitárias e económicas, o jornal escreve que Vance “expressou visões que aparentam ser contraditórias com as posições que passaria adotar como político”.

“Tal como milhares de milhões de pessoas pelo mundo, as visões do senador sobre a Covid-19 em maio de 2020 não são as mesmas que as suas visões sobre a pandemia em 2021", justificou o porta-voz.

O congressista não terá dito diretamente que estava a considerar mudar de trajetória política e passar a apoiar Donald Trump. Contudo, em fevereiro de 2020, indicou ao seu contacto que o seu futuro político é “um jogo estratégico”.

Muitos especialistas, incluindo republicanos, acusam o senador de ser oportunista e de ter adaptado o seu discurso à medida que o Partido Republicano foi-se extremando à direita. Quando J.D. Vance foi declarado o “número 2” de Trump para a corrida às presidenciais norte-americanas de novembro, um dos motivos apresentados para a escolha foi a sua atual lealdade ao magnata. A verdade é que o congressista do Ohio tem sido um dos maiores defensores de Trump nesta campanha, e um dos mais polémicos, passando a destacar-se graças a comentários ofensivos contra mulheres sem filhos, pessoas transgénero, imigrantes nos EUA, entre outros grupos.

Na próxima terça-feira, dia 1 de outubro, J.D. Vance terá o maior palco da sua carreira política até ao momento. O senador republicano vai enfrentar Tim Walz, governador democrata do Minnesota e a escolha de Kamala Harris, no debate entre candidatos a vice-presidente. O confronto será transmitido pela CBS News às 21 horas na costa Este dos EUA (2h00 do dia 2 de outubro); como Trump recusou voltar a debater com Kamala Harris, este poderá ser o último debate antes das eleições presidenciais.