Com a aprovação do Orçamento do Estado reforçam-se em mais uns milhões as verbas para o ensino superior estatal, será sempre pouco, mas nada indica que se operem mudanças profundas na sua organização e funcionamento, o que significaria mexer no RJIES (Regulamento Jurídico das Instituições do Ensino Superior).

Quando se fala em verbas para o público convém contrapor que era possível fazer melhor com menos dinheiro, é o que as IES privadas fazem. É sabido que um aluno paga de propinas numa escola privada, em média, metade do que custa um estudante numa estatal, a que é preciso acrescentar o investimento em infraestruturas, a cargo das Entidades Instituidoras nas privadas e responsabilidade do Estado nas públicas, como é óbvio.

Quando se fala de Políticas Públicas para o Ensino Superior é por aqui que se tem de começar. Estando em causa o interesse de todos nós que pagamos impostos, é necessário encarar sem preconceitos ideológicos nem lógicas estatistas a melhor forma de rentabilizar o sistema, tendo em consideração os subsistemas e as suas características específicas, o modelo binário, as propinas e a ação social escolar.

O RJIES criou um modelo complexo, gerador de conflitualidade interna e despesista. Nunca foi avaliado, como se pressuponha quando foi aprovado, e nos estudos recentes, cujas conclusões devem ter ficado em banho-maria, as suas implicações financeiras praticamente não foram tidas em conta.

Com a consolidação do subsetor privado, tem ficado à vista que o ensino superior pode ser embaratecido sem perda de qualidade para tanto bastando mudar a sua forma de organização e adotar medidas de racionalidade económica na sua gestão global.

Havia que assegurar uma muito maior autonomia às IES, podendo estas organizar-se de formas diversas, a partir de um quadro jurídico simplificado e da contratualização de orçamentos plurianuais por objetivos, negociados caso a caso.

A organização binária do sistema é hoje uma excrescência, pese embora a luta perdida das universidades para manterem o seu estatuto, já ninguém vai travar os politécnicos de conseguirem transformar-se em universidades, fazendo implodir a organização atual que deixou de fazer sentido exatamente quando o RJIES rasoirou por igual as obrigações de todas, em termos de graus dos docentes e de compromisso com a investigação.

A rede é outra questão pendente. Há muito que devia ter sido revista por forma a rentabilizar as sinergias possíveis entre as IES que vivem do erário público, otimizando a gestão e assegurando-se economias de escala. Mas têm prevalecido outros interesses, não tendo havido vontade e/ou força política para assumir uma posição musculada, única forma de proceder a uma reforma deste tipo.

A investigação é outro problema que paira sem solução e que faz de Portugal um caso bizarro no panorama do ensino superior internacional; como pode um país de parcos recursos exigir que cada docente seja também um investigador nato, desvalorizando-se completamente a docência e dando mais importância àquela do que a esta nas avaliações? De tal forma que hoje um paper de qualidade medíocre vale mais do que a docência de excelência pedagógica. Não seria mais lógico e acessível financeiramente em vez de generalizar, apostar mais na especialização?

As propinas são o corolário do problema central do ensino superior e da forma como a sociedade e a classe política encaram o sistema. A sua frequência deve ser suportada integralmente pelos impostos ou pelos seus beneficiários ou percentualmente por ambos, de acordo com critérios de racionalidade financeira e de justiça social?

A situação atual baseia-se num princípio demagógico que faz pagar o mesmo a todos os estudantes, independentemente da sua origem social, sabendo-se que a ação social escolar não consegue, de forma nenhuma, equilibrar as diferenças de origem dos estudantes. Como as coisas estão, quem beneficia do sistema são, sobretudo, os estudantes da classe média alta e classe alta, não os que são utilizados para justificar o valor irrisório fixado para as propinas.

Finalmente, é indispensável reformar a ação social escolar e tudo aquilo que ela cobre, melhor, devia cobrir: propinas, alojamento, alimentação, equipamentos e transporte, em pé de igualdade entre os estudantes das escolas estatais e das privadas, pois, independentemente da natureza das escolas, os estudantes são todos filhos do mesmo deus.


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