Da ciência e do que foi criteriosamente estudado vêm explicações para um homem ser abandonado pelo seu cabelo. Mais corriqueiro, quiçá acertado, é o palpite que Martí Perarnau deu no seu primeiro livro acerca de Pep Guardiola para a calvície do amigo: ele ficou e está careca por tanto pensar em futebol. A tese de quem é quase o biógrafo do treinador, único sortudo que escreve livros baseados no tempo que lhe é permitido passar dentro dos treinos e estágios das equipas orientadas pelo catalão, é plausível devido à obsessão que se conhece de Guardiola, uma que a meio da semana, tivesse ele cabelo, o teria poupado à quase automutilação.

Ao ver o Manchester City ficar sem uma vantagem de três golos e deixar-se empatar pelo Feyenoord para a Liga dos Campeões, o técnico cravou as próprias unhas na cabeça despida. Arranhou-se, abriu feridas, lancetou a sua pele, a frustração a tomar conta de um homem a desesperar à frente do mundo pelo pior cenário que se abateu sobre o seu génio calvo em nove anos: era o sexto jogo seguido sem ganhar no City, série agravada por 17 golos sofridos e rasurada por vários jogadores lesionados e outros a atravessar um baixio de forma. O que haveria melhor para juntar a isto do que uma visita ao Liverpool?

A maquinaria de pressão alta refinada por Arne Slot, o mais recente careca ir experimentar os seus métodos a Inglaterra, caiu em cima, com tudo, do sonambulismo do City, indiferente maleitas, impiedoso perante agruras alheias, impondo 20 minutos de sofreguidão a jogadores absortos que nem a linha do meio-campo beijava. Ligados à corrente, os do Liverpool fugiam a sete pés de qualquer abrandamento. Szoboszlai rematou duas vezes à beira da área e a torre Van Djik cabeceou ao poste num canto antes do sorrateiro Gakpo emendar um cruzamento de Salah para a baliza. O golo não mexeu com o pedal.

Andrew Powell

O Liverpool não mexeu no acelerador, queria mais e queria-o rápido, se era para machucar um adversário combalido então que fosse sem tocar nos travões, à maneira incutida por Slot. Os tetracampeões ingleses só rematariam pela primeira vez a uns cinco minutos do intervalo pelo menos renomeado entre eles: uma espécie de trivela mal amanhada de Rico Lewis fez a bola, devagarinho, passar perto do poste. Aí o City moribundo esperneava já um pouco com alguma da sua vida, trocando a bola a preceito, passando de pé em pé no miolo. Não tinha controlo, mas mostrava algo de si.

O tentacular jogo guardiolesco, típico na quase década que leva em Manchester, nunca apareceu em Liverpool com constância, antes aqui e ali, esporádico nos seus momentos, sintomático de uma equipa que não esqueceu a feitura das coisas, mas padece de sinais esquizofrénicos de um corpo incapaz de permanecer na sua melhor versão. Os agitadores entrariam todos, Grealish, Savinho e Doku, todos dribladores por natureza que Pep domesticou à sua ordem, mas nada criaram; até usaria a sua bússola, Kevin de Bruyne, outro inócuo, reduzido a corpo presente, por não ver corpos a correrem à sua frente para que ele metesse o passe.

E o Liverpool prosseguiu, oscilante tanto quanto tinha de ser, onze humanos a fazerem por manterem a aceleração. O único foco atual de discórdia que é Salah, amuado por a sua renovação de contrato não avançar, falharia na cara de Ortega após Bernardo Silva, até ele, ter um erro infantil, colocando a bola nos pés do egípcio que mais tarde remediaria a perda ao converter o penálti vindo das trapalhadas em cadeia de Rúben Dias, Walker e do guarda-redes. Sentado no banco, uma ferida visível a sarar no seu nariz, captava-se o desalento nas feições de Guardiola, tão inerte quanto a equipa.

A derrota obrigará, de novo, o Manchester City a examinar o seu reflexo e Pep Guardiola a deixar a cabeça em paz para olhar ao espelho com a equipa. São já sete partidas consecutivas sem ganhar e o Liverpool a reforçar-se como uma miragem que fica a 11 pontos de distância na liderança da Premeir League. O treinador mais dominador deste século em Inglaterra não está a arranjar forma de manter a equipa à tona.