A vida turca de José Mourinho prossegue com níveis de ruído e agitação assinaláveis. Desde que assinou pelo Fenerbahçe, o português, que trabalha fora de uma das big 5 (Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Itália) pela primeira vez desde 2004, tem protagonizado uma cruzada particular. Com recorrentes queixas sobre os árbitros, o setubalense justifica a falta de títulos do seu clube — não é campeão desde 2013/14 — e o domínio do rival Galatasaray, bicampeão, com o que entende ser o favorecimento do sistema em benefício do Gala.

A polémica voltou a escalar depois do dérbi que opõe o clube da parte asiática de Istambul, treinado por Mourinho, e o representante do lado europeu da cidade. Após um 0-0, que mantém o Fener a seis pontos da liderança, o português elogiou o trabalho do árbitro, o esloveno Slavko Vincic, dizendo que, caso tivesse sido um turco a dirigir o encontro, este "teria sido um desastre".

Na conferência de imprensa após o desafio, Mourinho referiu-se a um lance logo no primeiro minuto da partida. Disse o ex-Roma que, após o que classificou como "um mergulho" de um futebolista do Galatasaray, se "o árbitro fosse turco" seria influenciado pela pressão feita pelo banco do adversário, que "saltou como macacos", descreveu o treinador de 62 anos. "Com um árbitro turco, teria um jogador com amarelo ao primeiro minuto, e teria de o substituir ao minuto cinco", disse o special one.

Na sequência destas declarações, o Galatasaray anunciou que iria avançar com uma queixa judicial contra o técnico do adversário. Na opinião da equipa que tem dominado a Superliga turca, José Mourino cometeu ofensas racistas.

"Desde o início da sua carreira na Turquia, o treinador do Fenerbahçe, José Mourinho, tem feito constantemente comentários depreciativos em relação ao povo turco. Agora o seu discurso escalou para comentários imorais e para retórica desumana”, lê-se num comunicado do Galatasaray. A equipa que lidera o campeonato anunciou que, além de recorrer às instâncias turcas, apresentaria queixas formais na UEFA e na FIFA.

Segundo o regulamento disciplinar da UEFA, ofensas racistas são punidas com "pelo menos 10 jogos de suspensão", além de possíveis penas acessórias, conforme se lê no artigo 14.º, número 1, do documento da entidade máxima do futebol europeu.

Por seu turno, a federação turca enviou a queixa para o seu comité de disciplina. Este organismo pode castigar José Mourinho com uma pena de até seis meses de suspensão.

Anadolu

A polémica instalada recolocou José Mourinho no centro do debate no apaixonado e caótico futebol turco. O Fenerbahçe, alegando a inocência do seu treinador, indicou, em comunicado, que as declarações foram "deliberadamente distorcidas".

"Como qualquer pessoa de bom senso pode ver e compreender, as expressões utilizadas por José Mourinho para descrever a reação extrema da equipa técnica adversária às decisões do árbitro durante a partida não podem, de forma alguma, ser associadas ao racismo", considera o emblema do lado asiático de Istambul, classificando de "completamente maldosa" a "tentativa de retratar o discurso como racista".

Na mesma linha, antigos futebolistas orientados pelo special one também se juntaram à defesa. O mais vocal foi Didier Drogba, que, além de ter brilhado ao serviço de Mourinho no Chelsea, é um ídolo do Galatasaray, o clube que acusa o português e ao serviço do qual o costa-marfinense ganhou uma liga, uma taça e uma supertaça entre 2012 e 2014. O já retirado avançado lembrou que conhece o técnico há 25 anos e que "ele não é racista", estando "a história aí para o comprovar". "Como pode o meu pai ser racista?", questionou Drogba nas redes sociais, cuja ascensão à elite do futebol foi muito ajudada por Mou, que em 2004 convenceu Roman Abramovich a contratar o ponta de lança para o Chelsea.

Também Michael Essien, orientado por Mourinho no Chelsea e Real Madrid, publicou, nas redes sociais, uma fotografia de apoio ao português.

No ambiente sempre crispado do futebol turco, o Fenerbahçe já contra-atacou as acusações do Galatasaray. O clube pediu à federação de futebol do país para que todos os encontros do campeonato, até à conclusão da época, sejam dirigidos por árbitros estrangeiros, considerando que os turcos estão "condicionados". "Se houvesse árbitros estrangeiros, não teríamos esta diferença pontual. Como é que uma equipa com esta vantagem só venceu três de 12 jogos na Europa esta época?", interroga o Fener, em alusão à fraca campanha europeia do Gala.