Os banqueiros do euro decidiram na última reunião aprovar um segundo corte de juros, mas estão conscientes de que a política monetária do Banco Central Europeu (BCE) está cada vez mais condicionada por dois “cenários alternativos” que obrigam a alguma ‘cautela’ nas próximas decisões, revelam as atas da reunião de 11 e 12 de setembro publicadas esta quinta-feira.
Neste quadro de incerteza, a “gestão do risco” torna-se “cada vez mais importante”, pois a situação concreta na economia do euro pode exigir acelerar os cortes de juros se a economia se revelar ainda mais frágil, ou, pelo contrário, suspender a descida das taxas por algum tempo se várias componentes da inflação regressarem a um processo inflacionista.
Os decisores do BCE confrontam-se com dois riscos: o de “prematuramente” aliviar em demasia o grau de restritividade da política monetária; ou, pelo contrário, o de atrasar o ritmo do corte de juros.
Apesar de terem aprovado um segundo corte de juros de 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual) para a taxa de referência do BCE que é atualmente a taxa de remuneração de depósitos dos bancos comerciais, a reunião não se comprometeu antecipadamente com o sentido das decisões nas próximas reuniões. Nomeadamente, em relação à reunião de 16 e 17 de outubro, na próxima semana.
A orientação mantém-se em decidir reunião a reunião com base na análise dos dados macroeconómicos e financeiros.
O conselho do BCE formou um consenso em torno de duas ideias: não declarar vitória sobre o processo inflacionista, transmitindo, erradamente, ao público e aos investidores, a perceção de que o problema da inflação está resolvido; nem descurar o andamento da economia do euro.
Os banqueiros do euro estão, agora, “mais preocupados” com o andamento da economia dos 20 membros do euro e preveem uma “retoma económica mais frágil”, considerando que “os riscos de curto prazo para o crescimento estão a subir”, revelam as atas.
Na discussão travada na reunião, sublinhou-se que “com a inflação cada vez mais próxima da meta [de 2% da política monetária], a atividade económica real deve tornar-se mais relevante para calibrar a politica monetária”.
Recorde-se que as novas projeções apresentadas na reunião cortaram em uma décima as previsões de crescimento para 2024, 2025 e 2026, que passaram a ser de 0,8%, 1,3% e 1,5% respetivamente.
Vaga de cortes de juros consolida-se à escala global
A decisão pelo segundo corte de juros tomada, por unanimidade, a 12 de setembro pelo BCE insere-se na vaga de descidas das taxas diretoras pelos bancos centrais, que se tornou dominante desde setembro.
Em 52 reuniões realizadas pelas autoridades monetárias em setembro, 27 foram de corte de juros, 21 optaram por manter uma pausa de não mexida nas taxas, e apenas quatro decidiram subir os juros. Num horizonte mais longo, é a primeira vez desde 2020 que o número de cortes ultrapassa as decisões por subir ou manter as taxas.
Entre as decisões de corte de juros em setembro, destacam-se o BCE. Banco do Canadá, Reserva Federal dos Estados Unidos, Banco da Suécia, Banco Nacional da Suíça e Banco do México. As quatro subidas foram decididas pelos bancos centrais do Brasil, Nigéria, Rússia e Zimbabué.
Já, em outubro, nas nove reuniões já realizadas por bancos centrais, quatro optaram por cortar juros e as restantes por manter as taxas. Os bancos centrais da Islândia e da Nova Zelândia reduziram os juros, enquanto o Banco da Reserva da Índia decidiu não mexer nas taxas.
Entre as reuniões agendadas para outubro, além da do BCE na próxima semana, são de destacar as do Canadá, Japão (muito sensível para a reação da bolsa de Tóquio) e Turquia.
Expetativa de juros do BCE abaixo de 3% no final do ano
A próxima reunião do BCE é já na próxima semana e vai realizar-se na Eslovénia. Desde as declarações de Christine Lagarde na audiência no Parlamento Europeu em Bruxelas a 30 de setembro e da primeira estimativa de 1,8% para a inflação na zona euro em setembro avançada pelo Eurostat a 1 de outubro, que os analistas apostam num terceiro corte de juros na próxima reunião a 17 de outubro.
Desde 12 de setembro que as expetativas para a taxa de referência do BCE - atualmente, a taxa de remuneração que o banco paga pelos depósitos dos bancos comerciais - no final do ano evoluíram em ziguezague. Segundo o portal MacroMicro, a trajetória das previsões da taxa no final de ano passou de 3,1%, a 12 de setembro, aquando da reunião do BCE, para 2,88%, depois das declarações no final de setembro da presidente Lagarde no ‘Dialogo Monetário’ com os eurodeputados. Mas, em outubro, voltou a subir, com a projeção atual em 2,95%.
Uma taxa em final de ano abaixo de 3% pressupõe uma alta probabilidade de cortes de juros nas reuniões de 17 de outubro e 12 de dezembro.
À procura de consenso para o corte na próxima semana
A decisão de voltar a descer os juros a 17 de outubro - pela terceira vez, este ano - precisa de um consenso que leve uma boa parte dos ‘falcões’ (partidários de uma política monetária restritiva durante mais tempo) no conselho do BCE a concordar com nova descida tão cedo.
O portal Econostream-Media já identificou nove ‘pombas’ (governadores adeptos de um ciclo de corte de juros que desça a taxa para perto do seu nível neutro) a favor de uma terceira descida já. Além de nomes conhecidos do mundo das ‘pombas’, como os governadores do Banco de Portugal, de Itália, de Espanha, da Grécia, de Chipre e de Malta e o italiano Piero Cipolonne da comissão executiva, o Econostream junta-lhes os governadores dos bancos de França e Finlândia. As declarações de François Villeroy de Galhau, governador do Banco de França, ao jornal italiano La Repubblica são tidas como ‘barómetro’. Ele afirmou, esta semana, que é “muito provável” o corte de juros na próxima semana.
O portal admite, ainda, que as posições centristas de Cristine Lagarde, a presidente, de Luis de Guindos, o vice-presidente, e de Philip Lane, o economista-chefe, se inclinem para um consenso de descida dos juros.
O conselho do BCE é formado por 26 membros, incluindo 20 governadores dos bancos centrais nacionais e seis membros da comissão executiva chefiada por Lagarde. Nas votações em cada reunião participam apenas 21 membros, devido à regra de rotatividade que abrange os governadores. Por exemplo, entre os considerados ‘pombas’, na reunião da próxima semana, Mário Centeno e os governadores dos bancos centrais de Itália e Finlândia não votam.
Centeno é dos mais vocais em defesa do corte de juros. Numa análise publicada, em inglês, no site do Banco de Portugal, o governador recomenda aos seus pares uma redução dos juros gradual, estável e previsível em direção ao nível da taxa de juros neutral. Afirma que o “novo risco” que ameaça a política monetária do BCE é a inflação ficar abaixo do esperado, o que asfixiaria o crescimento económico e empurraria o BCE para “um ciclo vicioso”. Ironizando, Centeno diz que “pode continuar a haver alguns poucos matemáticos da inflação hesitantes em declarar vitória, mas os estatísticos contam uma história diferente: a inflação convergiu no quadro de dados económicos fundamentais sólidos”.
Um dos ‘falcões’ mais destacados, o presidente do Bundesbank, o banco central alemão, admitiu, esta semana, estar “aberto” a um corte de juros em outubro. O panorama económico germânico é desolador: a previsão é de uma contração em 2024.
No entanto, Pierre Wunsch, governador do Banco da Bélgica, e outro dos ‘falcões’ mais inflexíveis, disse, esta semana, ao jornal financeiro belga ‘L' Echo’ que “não é porque alguns colegas [dos bancos centrais nacionais do euro] dizem aos media que os dados estão lançados [no sentido da aprovação de um terceiro corte]” que a decisão já está fechada. “Analisaremos mais calmamente na próxima semana”, acrescentou.
Otimismo sob vigilância
O otimismo sobre a descida dos juros reforçou-se com a primeira estimativa avançada para a inflação em setembro na zona euro, que ficou abaixo da meta de 2%, pela primeira vez em três anos.
O principal ‘motor’ desta aceleração da desinflação (descida da inflação) deveu-se ao impacto da quebra nos preços das componentes do índice de preços ligado à energia, que se situou em 6%, o dobro da queda de 3% em agosto.
Ora, esta componente é muito sensível aos impactos da geopolítica nos preços das matérias-primas energéticas, como o petróleo e o gás natural. A escalada no Médio Oriente neste começo de outubro está já a alterar a trajetória de descida das cotações em setembro e pode gerar disrupções nas rotas de fornecimento globais não só de petroleiros e metaneiros (para o gás) como nos porta-contentores e graneleiros.
Também, os desastres climáticos exercem um impacto sobretudo nos preços da componente alimentar.
Na primeira semana de outubro, numa conferência na London School of Economics, um alto responsável do Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, no acrónimo em inglês), alertava para os riscos que ensombram a inflação: geopolítica; desglobalização e protecionismo, reforço do poder negocial dos trabalhadores no mercado laboral (devido ao problema demográfico), exigências da transição verde e desastres climáticos.