Tudo começa com um puxão - uma força invisível que me arrasta em direção a ser melhor, ao progresso, como se estivesse a ser perseguido constantemente pela ideia de que tenho de alcançar algo, de ser relevante. Apodera-se nas horas mais silenciosas, quando o mundo está parado, mas a mente gira com prazos e expectativas - as minhas, as da sociedade, as de todos. Não é apenas tensão; é um campo de batalha.

Cresci num ambiente onde a ambição não era apenas incentivada, era exigida. Apontar mais alto, trabalhar mais arduamente, acreditar que o sucesso traz felicidade. Parecia uma fórmula infalível. Todavia, com o tempo, este caminho outrora direto tornou-se sinuoso. O mundo diz-nos para medir o nosso valor através das conquistas: diplomas, empregos, status, publicações. Contudo, há uma voz persistente dentro de mim que pergunta: “Será só isto?”

Penso no meu percurso — fui educado para ser alguém que deixa a sua marca, liderando projetos comunitários, motivando as pessoas ao meu redor. Afinal, quem não quer fazer a diferença? Não obstante, tudo tem um preço. Existe uma pressão, não apenas para ser realizado, mas para ser impecável, para corresponder a padrões cuja importância começo a questionar incessantemente. É como correr em duas direções ao mesmo tempo — procurar algo e, simultaneamente, afastar-me disso. Perseguir o sonho, mas também resistir ao molde em que a sociedade insiste, todos os dias, em querer colocar-me.

Às vezes, penso como seria largar tudo. Simplesmente deixar ir. Imaginar essa leveza — e se o sucesso não fosse realmente o objetivo principal? E se a genuína riqueza da vida estivesse nos momentos mais banais - no silêncio, no comum? Um café com um amigo, um passeio no Jardins do Palácio de Cristal, as conversas noite adentro que não terminam em conclusões nem em planos de execução, mas em bons momentos de partilha.

Confesso que esta dualidade faz-me lembrar de Kundera e a “Insustentável Leveza do Ser”. A leveza que Tomas procura, o peso que Teresa abraça - ambos são sedutores. A graça de simplesmente ser, em contraste com a gravidade de se envolver com a vida, com intenção, com os outros. Sinto-me dividido entre a necessidade de voar e o desejo de manter as raízes. O mundo celebra a leveza - sucesso sem sacrifícios, liberdade sem culpa — e, ainda assim, nada me afasta da ideia de que propósito, empatia e responsabilidade enriquecem verdadeiramente a vida.

Por isso, penso muitas vezes nos meus avós. Tinham poltronas, sempre rodeadas pelo peso dos seus livros, e estantes cheias de histórias e filosofias - ideias que moldaram o mundo. Sem precisarem de correr atrás de nada, sem necessidade de provar nada a ninguém. Viviam nesses livros, ancorados pela profundidade do pensamento. Não havia competição desenfreada, não eram os títulos que importavam, porém o peso de algo autêntico.

Já eu, submerso entre toda a concorrência, confronto-me com a crítica de Sandel à meritocracia. Foi algo que sempre me marcou e agora faz ainda mais sentido. A sociedade vende-nos a ideia de que o esforço, por si só, garante o sucesso, como se bastasse aplicarmo-nos laboriosamente para chegar onde quisermos. É um raciocínio simplista que não corresponde à realidade. Todos sabemos que não há oportunidades para todos.

Os jovens em Portugal estão presos a salários que mal chegam para a renda. Continuamos a acumular conquistas, sempre com este vazio, uma sensação de falta de propósito, como se, independentemente do que alcançamos, nunca fosse suficiente. Faço parte de uma geração dicotómica, que tem aspirações de “elevar-se”, tal como Kundera escreve, mas não consegue alterar regras hipercompetitivas. É só prestar atenção à descomunal prioridade pelas STEM [acrónimo anglófono de ‘science, technology, engineering and mathematics’] em prejuízo das Humanidades ou ainda à escolha, mesmo sem alguma vocação, de integração no corporate world.

O meu meio é uma corrida, movida pela necessidade frenética de participar naquele clube, conseguir aquele estágio, ser atleta de competição, ajudar tartarugas na Costa Rica, ensinar crianças em Moçambique e conseguir um trabalho numa Big Four - uma pressão constante, sufocante. Tal como Sandel descreve, a mensagem implícita desta “arrogância meritocrática” é que só existe uma rota para o sucesso, que envolve a tal receita mal-amada, acompanhada de bastantes conexões no LinkedIn ou, por vezes, um empurrãozinho de sorte.

Vim de um contexto onde o sucesso sempre foi definido pela determinação. Fui moldado por uma família de professores, pela escola pública, e, mesmo assim, entendo que cheguei onde estou porque tive um privilégio de oportunidades. Aqui, rodeado pela elite académica, percebo que a meritocracia tem falhas profundas. Não desmerecendo quem alcança os seus objetivos, compreendo que nem todos os que se esforçam ascendem, especialmente quando não têm um ponto de partida favorável. E, ao encarar este abismo de potencial, percebo que este jogo já estava viciado muito antes de eu entrar.

Mas não será que tudo é hipocrisia? Falo sobre equilíbrio, sobre traçar o meu próprio caminho enquanto, no fundo, continuo a perseguir algo. Continuo preso ao sistema, como muitos de nós. O mundo puxa-me, e eu continuo, mesmo quando o critico. Talvez esta seja a verdade mais crua que tenho. Não estou acima disto. Não sou iluminado, nem livre. Estou preso na mesma teia que não corto, por mais que reflita.

O peso que carrego não é só o das expectativas da sociedade; é autoimposto, e essa é a verdadeira batalha. Não entre ambição e contentamento, porém entre os ideais que tenho e a realidade em que vivemos. E, por mais que eu resista, há uma parte de mim que prospera e anseia pelas mesmas coisas que questiono. Porque, no fundo, não conseguimos evitar querer tudo.