Aqui há um bom par de anos, fui surpreendido por momento que dificilmente esquecerei: em plena A5 (sentido Cascais/Lisboa) e já perto da saída para a CRIL, uma carrinha de caixa aberta "deixou cair" uma série de sacos pretos, espalhando-os pelas faixas de rodagem.

Quem, como eu, conduzia na zona percebeu logo que não se tinha tratado de descuido ou má contenção de carga. Todos os sacos (pretos, no mínimo meia dúzia) tinham qualquer coisa lá dentro.

Com travagens na queima, quatro piscas ligados, braços a acenar fora da janela e carros a encostar na berma, percebeu-se que eram... crias de cães. Vários cachorritos pequeninos que cambaleavam atordoados no asfalto, sem saberem bem o que lhes tinha acontecido.

Fui árbitro durante muitos anos e passei pela minha dose de maluquice, mas confesso que até aquele momento nunca tinha testemunhado tanta maldade, tanta indecência humana.

Ainda hoje é inevitável: sempre que circulo na zona, vejo e revejo o filme na minha cabeça.

Nunca soube ao certo o destino que tiveram os pobres animais ou o que aconteceu ao animal que conduzia a carrinha. O que sei é que há pessoas suficientemente desequilibradas para cometerem atrocidades como aquela, a toda a hora.

O tema é aqui recordado a propósito das recentes declarações de um candidato à presidência dos EUA, a maior potencial mundial da atualidade.

É provável sim, que exista gente a matar animais domésticos por mera diversão ou, mais triste ainda, para saciar a fome. E é provável que isso aconteça em Springfield, Ohio, no Memphis, Boston ou Colorado. Mas transformar essa triste realidade na clássica narrativa de ataque a imigrantes, é outro nível.

O senhor em questão, conhecido narcisista, xenófobo, racista, sexista, egoísta e mentiroso patológico (ainda suspeito de crimes graves contra a própria pátria) pode ter carta branca para dizer o que quiser.

A questão é e será sempre o crédito que lhe damos. E qualquer pessoa de bem, mentalmente equilibrada e com dois dedos de testa, tem que perceber isso.

Preocupa-me por isso a multidão de gente boa que engole tudo aquilo (e tanto mais) como se fossem verdades absolutas, permitindo-se manipular de forma assustadora. Gente decente que troca a sensatez pelo absurdo, o bom senso pela loucura total.

Por detrás de cada devoto do culto que o cavalheiro prega só pode morar alguém muito revoltado, inconformado e desiludido. Desiludido com o mundo, com a vida e com a sensação de injustiça que prolifera um pouco por todo o lado. Compreendo. Compreendo mesmo.

Mas a resposta nunca pode ser dar poder à insanidade, à demência total.

O mundo está longe de ser perfeito e a "democracia" que existe em muitos Estados é, de facto, potenciadora de corrupção, de interesses ilícitos e de estratégias desonestas, que favorecem uns, esmagando outros. É verdade sim. E é importante que se reaja, que se tente mudar o que está mal reivindicando, denunciando, exigindo justiça e responsabilização. Sem tréguas.

Mas não é boa opção trocar uma má democracia por uma boa ditadura.

A minha opinião: nunca permitam que um Estado, qualquer Estado, caia nas mãos de quem defende ideologias extremadas, com ideias divisionistas, populistas e tantas vezes mentirosas.

Não funciona. Nunca funcionou. Nunca vai funcionar.