A presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC) alerta que os abusos sexuais na internet contra crianças “estão a aumentar de forma particularmente perigosa” e pediu reflexão e ações concretas porque “há muito a fazer”, critica Dulce Rocha.
A terminar o segundo mandato à frente da direção do IAC, no qual trabalhou cerca de 20 anos, Dulce Rocha destaca os abusos sexuais 'online' como o principal perigo atual para as crianças e jovens e defendeque é preciso chamar as várias plataformas e travar a difusão de conteúdos abusivos, dando como exemplo o caso do Reino Unido, onde foram aprovadas “leis muito limitativas dos conteúdos abusivos”.
Dulce Rocha aponta que “tem sido muito difícil conseguir o consenso” dos Estados-membros da União Europeia e alertou que, “atualmente, quer o discurso de ódio, quer os conteúdos abusivos estão a aumentar de uma forma assustadora”.“Há muito a fazer e os deputados europeus não podem apenas preocupar-se com questões financeiras [porque] a questão da segurança das crianças é fundamental.”
“Estar no quarto, não significa estar segura”
“Se não tivermos segurança nas crianças, não temos segurança em sítio nenhum”, alerta. O facto de “a criança estar no quarto, não significa estar segura” e, por isso, deve haver maior diálogo nas famílias e nas escolas, já que as crianças e jovens “sabem muito mais de internet dos que os adultos”, mas os adultos percebem muito melhor a questão dos perigos e da insegurança.
“Quando estão nas redes [sociais] escapam-nos muitos meninos, muitos jovens e isso está a ser um bocado dramático e devíamos todos sentar-nos à mesa para perceber melhor o funcionamento e de que forma poderíamos proteger estas crianças”, defende Dulce Rocha, que vai deixar a presidência do IAC.
Em entrevista à agência Lusa, Dulce Rocha recordou como chegou ao organismo com a ideia de aperfeiçoar as leis, uma vez que é jurista, e como percebeu que as expectativas são sempre superiores aos resultados na prática. "Há sempre falhas, mas é sempre possível melhorarmos o sistema e as leis que depois têm repercussões na concretização dos direitos das crianças", defendeu.
Apontou como em 2008 o IAC tentou fazer alterações à lei de proteção de menores, o que só veio a verificar-se em 2015, destacando o trabalho do organismo no sentido de valorização da opinião da criança, que, até então, era "muito menosprezada".
"Estou a lembrar-me de outra lei que era muito injusta, que permitia a aplicação de atenuação especial da pena nos casos de crimes contra pessoas, por exemplo violência doméstica ou abusos sexuais, quando eram praticados pela mesma pessoa sobre a mesma vítima", contou, considerando tratar-se de "uma coisa completamente aberrante", tendo em conta que muitas crianças são abusadas pelos próprios progenitores, que foi possível revogar em 2010.
Outro exemplo, mais recente, teve a ver com a exposição das crianças a situações de violência doméstica, tema sobre o qual o IAC fez trabalho junto do parlamento para sensibilizar os deputados no sentido de clarificar a lei, para que as crianças fossem consideradas vítimas. "Obtido o estatuto de vítima, a criança passa a poder, por exemplo, ser ouvida pelo Ministério Público, para memória futura, sem estar na presença do agressor", apontou.
Destacou, por outro lado, o trabalho do IAC na criação das Escolas de Segunda Oportunidade, para jovens entre os 15 e os 18 anos em situação de absentismo ou abandono escolar. "Uma das coisas que levo destas presidências é o contacto com estes jovens, que por vezes parece que já estão perdidos, mas que depois se reencontram e que têm mostrado que são capazes de fazer muita coisa", apontou Dulce Rocha.
Para a presidente do IAC, o segredo está em confiar nos jovens: "Se não tivermos confiança, morre a nossa esperança. O futuro é amanhã e eles já cá estão hoje". Dulce Rocha, que está há cerca de 20 anos ligada ao IAC, deixou a garantia de que não vai "ficar totalmente desligada", agora que termina o seu último mandato, e afirmou sair de "coração cheio", lembrando que "o combate pela prevenção e contra o crime sobre as crianças nunca está completo".