O chanceler alemão foi a Paris defender que os Governos que gastarem mais de 2% do PIB em defesa devem ver essa "despesa fora dos cálculos do défice". Olaf Scholz pede, assim, mais margem orçamental à Comissão Europeia. Ao mesmo tempo, em Bruxelas, o ministro alemão das Finanças alertava que a proposta de Ursula von der Leyen de repetir o que foi feito durante a pandemia, com a ativação da cláusula de derrogação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e a suspensão geral das regras do défice e dívida, pode não ser suficiente.

"Estamos céticos quanto ao facto de ser uma regra suficientemente exequível", afirmou Jörg Kukies, à entrada para a reunião de ministros das Finanças do euro, recordando que a cláusula acionada em 2020 exige uma grave recessão económica, que atualmente não existe. Para Kukies, a Comissão deve ir mais longe e procurar outras soluções, por exemplo através de "isenções nacionais", também previstas pelas regras.

O Comissário com a pasta da economia não afastou essa possibilidade, de olhar para as "cláusulas de derrogação" nacionais, mas Valdis Dombrovskis não abriu o jogo e pouco disse sobre o que a Comissão vai fazer, atirando para "as próximas semanas" uma proposta concreta. Para já, existe apenas a promessa - sem detalhes - de Ursula von der Leyen de de ativar a dita cláusula para "permitir que os Estados-membros aumentem a despesa com defesa de forma controlada e condicional".

Se a proposta ficar pela cópia do que foi feito durante a pandemia, os Governos receberão uma espécie de carta branca para gastar em capacidades militares, sem terem de se preocupar com punições em caso de derrapagem do défice e da dívida, escapando temporariamente aos Procedimentos por Défice Excessivo (PDE).

Porém, não é isso que os alemães estão a defender, até porque durante a pandemia, e depois com o início da guerra na Ucrânia, todos os gastos públicos - em apoios sociais, às empresas e para fazer face aos custos com energia - foram ao défice e à dívida e alguns países estão agora dentro do PDE a tentar corrigir as contas. E é por isso que Scholz pede mais e não é o único a olhar para outras soluções. Um coisa é Bruxelas oferecer uma escapatória ao PDE, outra é ir mais longe e permitir que as despesas militares possam ser excluídas da contabilização do saldo orçamental.

Esta é a grande questão que a Comissão terá de esclarecer. Uma coisa é certa: a despesa irá sempre à dívida, mas havendo mexidas nas regras da contabilização do défice, isso pode dar uma margem ainda maior aos países, ou pelo menos é essa expectativa de alguns. É também esta segunda opção será mais interessantes para Portugal.

"Uma maior flexibilidade das regras orçamentais por via para a abertura de um procedimento por défice excessivo é algo que para Portugal não é particularmente relevante", reconhece o ministro das Finanças. O país está em superávit e, em teoria, um aumento da despesa com defesa ficaria a quilómetros da linha vermelha de um défice de 3% do PIB.

Portugal beneficiaria mais com outro tipo de flexibilidade, a envolver a contabilização do saldo orçamental, eventualmente reduzindo a dívida pública - que está ainda acima de 90% - a um ritmo mais lento. Joaquim Miranda Sarmento não entra em detalhes, admite apenas que "uma maior flexibilidade também ajudará naturalmente Portugal a poder potenciar mais a capacidade militar".

Ao mesmo tempo, o ministro controla o entusiasmo e, ao contrário de outros tempos, é Portugal a deixar avisos sobre a credibilidade das regras: "elas entraram em vigor no ano passado e portanto não vamos alterá-las radicalmente porque isso seria destruir a sua credibilidade".

Postura diferente tem a Polónia, que enfrenta um Procedimento por Défice Excessivo depois de bater nos 5,1% em 2023, que tem agora de corrigir, sobretudo quando anuncia um investimento em defesa de 4,7% do PIB para 2025.

Em Paris, o primeiro-ministro polaco mostra-se agradado com a proposta da Comissão, mesmo que na versão mais simples. "É uma confirmação muito importante (...) de que as despesas com a defesa deixarão de ser tratadas como despesas excessivas, pelo que não correremos o risco de ser objeto do procedimento por défice excessivo e de todas as suas consequências desagradáveis”, afirmou Donald Tusk.

Equipamentos militares não se vendem no “supermercado da esquina”

No entanto, se o alívio na contabilização do défice fosse só para quem gasta mais de 2% do PIB em defesa, como sugeriu a Alemanha, não é certo que Portugal beneficiasse, uma vez que o país só prevê chegar a essa meta em 2029.

O Governo já se mostrou disponível para antecipar a meta, mas Miranda Sarmento avisa que o investimento em defesa não se reforça de um ano para o outro. O ministro alertar para o que "é exequível poder gastar no curto e médio prazo", uma vez que os equipamentos militares não estão "propriamente à venda no supermercado da esquina", e pede "perão pela expressão".

O país terá ainda de definir em que área e de que forma pretende investir. Em simultâneo, o ministro das Finanças, garante, uma vez mais que o reforço da defesa não será à custa "do Estado Social" e dos compromissos que os "Estados têm para com as suas populações".

Nova bazuca para a defesa? Ainda não…

Não é de agora que o chanceler alemão e a ala socialista do Governo defendem mexidas nas regras orçamentais para permitir um maior investimento em defesa, desde logo a nível interno, com uma disponibilidade de Olaf Scholz para reformar - mesmo que de forma cirúrgica - o famoso "travão da dívida" que impede os Governos alemães de se endividarem acima de determinado valor (0,35% do produto interno bruto). Uma regra que está na constituição desde os Governos de Angela Merkel.

Mas uma coisa é defender em campanha esse alívio das regras orçamentais para investir mais em defesa a nível nacional, outra é abrir a porta a uma nova emissão de dívida conjunta para financiar o investimento em defesa: a versão favorita do primeiro-ministro português, Luís Montenegro, mas que é também de outros países, incluindo Espanha ou até de falcões orçamentais como a Finlândia ou a Dinamarca.

Scholz continua a insistir que primeiro é preciso que a UE descubra como é que vai pagar a dívida contraída para pagar os Programas de Recuperação e Resiliência. Em contagem decrescente para as eleições alemãs de 23 de fevereiro, uma nova emissão de dívida é tema Tabu, até pelo receio que o eleitorado alemã pense que será a maior economia europeia a pagar a maior fatia.