Zelensky disse que o líder russo, Vladimir Putin, está à procura de formas de “quebrar o espírito ucraniano”, nomeadamente através dos ataques à infraestrutura energética, que podem tornar o inverno uma época de “tormento” para “milhões de famílias normais”.

Em discurso na 79.ª Assembleia Geral da ONU, esta quarta-feira, o Presidente ucraniano voltou a fazer um discurso duro para com o invasor e nações que apoiam (ou pelo menos toleram) as ambições expansionistas russas.

“A Rússia destruiu todas as nossas centrais térmicas e grande parte da nossa capacidade hidroeléctrica. É assim que Putin se prepara para o inverno, na esperança de atormentar milhões de ucranianos. Putin quer deixá-los às escuras e obrigar a Ucrânia a sofrer e a render-se”, disse o Presidente ucraniano, no início do discurso.



Na intervenção perante o Conselho de Segurança, Zelensky já tinha dito ter provas de que Putin está a planear atingir três centrais nucleares para dificultar o aquecimento das casas ucranianas durante o inverno.

Os temas da proteção das infraestruturas essenciais e da segurança nuclear são apostas seguras de Zelensky em quase todos os discursos porque é difícil discordar da urgência de qualquer um dos dois. Mesmo as nações que podem não estar completamente alinhadas com o Ocidente no que toca à Ucrânia têm todo o interesse em ajudar a proteger o mundo de algo que pode ser várias vezes pior do que Chernobyl.

Depois de falar das urgências – e a perspectiva de um inverno na Ucrânia sem aquecimento ou com acesso intermitente a aquecimento é mesmo uma urgência –, o líder ucraniano voltou aos apelos que tem feito em quase todos os discursos. Enquanto discursava, as câmaras que estão a transmitir o evento para todo o mundo estiveram parte do tempo focadas no local onde se senta a delegação russa. Duas mulheres, com caras fechadas, ouviam com atenção.

“Infelizmente, na ONU, é impossível resolver verdadeira e definitivamente questões de guerra e paz porque muitas coisas dependem do Conselho e do poder de veto. Quando o agressor exerce o poder de veto, a ONU é impotente para parar a guerra”, disse Zelensky.

A solução? A “fórmula de paz” que Zelensky desenhou há mais de dois anos, constituída por dez pontos, mas que a Rússia diz não poder aceitar, uma vez que seria uma “capitulação”. “Não há poder de veto na fórmula para a paz e é por isso que é a melhor oportunidade para a paz. Toda a gente está em pé de igualdade, é eficaz e é abrangente”, defendeu. Os planos alternativos à sua fórmula, como aquele que a China e o Brasil apresentaram, “não ignoram apenas os interesses e o sofrimento dos ucranianos, que são os mais afectados, ignoram a realidade e dão espaço político a Putin para continuar a guerra e colocar mais nações sob o seu controlo”.

Talvez, equacionou Zelensky, “alguém queira um Prémio Nobel em vez da paz real”, mas “Putin só lhes dará em troca mais sofrimento e desastres”.

O passado colonial ficou lá atrás

No fim do discurso, que cumpriu o limite aconselhado de 15 minutos, Zelensky olhou para o passado, para criticar o neocolonialismo de Putin e o facto de algumas nações que sofreram o mesmo jugo não se posicionarem agora ao lado da Ucrânia. “É preciso retirar os ocupantes russos do nosso território, é isso que irá pôr fim às hostilidades e devemos responsabilizar os perpetradores de crimes de guerra. Ao mesmo tempo, é preciso prevenir o ecocídio e travar a destruição da natureza provocada pela guerra”, elencou Zelensky para depois deixar a pergunta: “Que parte desta lista pode ser considerada inaceitável pelos que defendem a Carta da ONU?”.

Para o caso de a insinuação não ter ficado clara, Zelensky explicitou: “Se alguém no mundo procurar alternativas para qualquer um destes pontos, ou tentar ignorar qualquer um deles, isso provavelmente significa que eles mesmos querem fazer parte do que Putin está a fazer. E quando a dupla sino-brasileira tenta transformar-se num coro de vozes, a par com um país ou outro da Europa, outro de África, que propõem uma alternativa a uma paz plena e justa, a questão que se põe é: quais são os seus verdadeiros interesses?”, perguntou Zelensky, numa referência ao documento assinado pela China e pelo Brasil – e desacreditado por muitos aliados da Ucrânia.

“O mundo já passou por guerras coloniais (...). E todos os países, incluindo a China, o Brasil, as nações europeias, as nações africanas e o Médio Oriente, todos compreendem porque é que esses dias devem permanecer no passado”. Os ucranianos, de resto, “nunca aceitarão as razões que podem levar alguém a aceitar que um passado colonial, tão brutal, pode ser imposto à Ucrânia, em vez de uma vida pacífica”.