Os salários da classe política cabo-verdiana custam atualmente cerca de 3,4 milhões de euros mas, a partir da próxima legislatura, quando o novo Estatuto dos Titulares dos Cargos Políticos entrar em vigor - as legislativas estão previstas para o primeiro trimestre de 2016 -, juntar-se-ão mais 2,3 milhões, totalizando 5,7 milhões de euros, correspondente a 4% das atuais despesas com o pessoal do Estado (141 milhões de euros), pode ler-se na proposta.

A alteração da parte remuneratória do Estatuto, que define cargos políticos como parlamentares, governamentais e municipais, não era inicialmente objeto de discussão na Assembleia Nacional.

No entanto, à última hora, os grupos parlamentares das duas maiores forças políticas cabo-verdianas - Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV, no poder) e Movimento para a Democracia (MpD, oposição) - chegaram a um acordo para o aumento salarial do Presidente da República, aprovado por unanimidade.

Os salários dos políticos cabo-verdianos estão congelados desde 1997, mas os montantes são compensados com as regalias, que têm vindo a aumentar desde então.

O aumento de 64% no vencimento do chefe de Estado, que passou de 170.000 para 280.000 escudos (de 1.540 para 2.540 euros), arrastará automaticamente o de todos os detentores de cargos políticos, face à indexação dos vencimentos ao do Presidente.

Tendo por base os valores atuais e as percentagens contidas no documento, as contas feitas pela Lusa indicam que a maior fatia do bolo vai para os vereadores das 22 autarquias locais, em média de cinco (totalizam 110), que vão custar cerca de um milhão de euros ao Estado.

Seguem-se os 68 deputados (no total são 72, mas dois recebem como vice-presidente da Assembleia Nacional e outros tantos como líderes parlamentares), cuja despesa vai aumentar 799 mil euros, a dos presidentes dos 22 municípios (225 mil euros), e a dos 16 ministros do atual Executivo - caso continue o mesmo número no próximo Governo -, cujos ordenados implicam um gasto adicional de 162.807 euros.

Os presidentes das 22 assembleias municipais não recebem vencimento, mas sim gratificações correspondentes a 20% do salário do Presidente da República, o que, tudo somado, atinge 133,3 mil euros anuais, um aumento de 52.673 euros.

As despesas com os três secretários de Estado vão subir 35.260 euros, as dos líderes dos grupos parlamentares e dos vice-presidentes da Assembleia Nacional representam 20.459 euros cada, a do chefe de Estado 11.771 euros e as do presidente do Parlamento e do primeiro-ministro 11.372 euros cada.

Além do salário líquido, os titulares de cargos políticos têm direito a um ordenado ilíquido e variável entre 10% e 30% dos vencimentos, com despesas de representação, que chegarão aos 400 mil euros, de comunicação, aos 830 mil euros, e ajudas de custo, variáveis, tudo pago também no fim do mês.

O novo estatuto tem sido alvo de críticas por parte dos vários setores da sociedade cabo-verdiana, que consideram o momento "inadequado" para aumentar salários e regalias dos políticos, considerando também tratar-se de uma "imoralidade" em tempos de crise, e pediram ao Presidente da República para vetar o diploma.

Para tal, argumentam que o aumento de 64% no vencimento do chefe de Estado contrasta flagrantemente com os menos de 5% exigidos, e negados recentemente pelo Governo, o que esteve na origem das greves em vários setores, como na classe docente e dos agentes das forças policiais.

Segunda-feira, milhares de cabo-verdianos, maioritariamente jovens, saíram à rua para protestar contra a aprovação do projeto de Lei, que também já foi contestado pelo antigo Presidente cabo-verdiano António Mascarenhas Monteiro (1991/2001).

A nova líder do PAICV, Janira Hopffer Almada, a braços com lutas internas com Felisberto Vieira, líder parlamentar e o candidato por si derrotado nas diretas do partido, em dezembro de 2014, também se demarcou da decisão, lembrando que o aumento não teve aprovação da Comissão Política Nacional.

RYPE/JSD.

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