A Ribeira de Principal dista cerca de 50 quilómetros da cidade da Praia, e para lá chegar é preciso primeiro transitar cerca de uma hora e meia de carro, via litoral da ilha de Santiago, passando pelos municípios de São Domingos e Santa Cruz e já em São Miguel fazer um desvio à esquerda na boca da ribeira, na comunidade de Hortelã.

Ao entrar na ribeira, o ar começa a ficar mais fresco, a vegetação mais densa e mais gente a trabalhar a terra, como é o caso de Remijo Furtado Miranda, com mais de 70 anos e que há 24 mora nessa localidade, a jusante da barragem com o mesmo nome, uma de sete da ilha de Santiago, mas a única que transbordou na sequência das chuvas que caíram este ano.

Se antes este septuagenário regava as suas hortas com a água que corria na ribeira e obtida em perfurações, agora é um dos muitos agricultores que vai usufruir diretamente da água armazenada na barragem, e garante que as vantagens são muitas.

A começar, diz que se antigamente compravam uma tonelada de água por 40 escudos, agora com a barragem esse valor baixou para 25 escudos (de 36 para 22 cêntimos de euro).

"Assim poupamos mais", salienta o agricultor, para quem, com a quantidade de água que corre nessa ribeira, poder-se-ia construir outra barragem, caso houvesse espaço para isso nessa bacia hidrográfica, que recebe água do Parque Natural de Serra Malagueta, na confluência dos municípios de Santa Catarina, São Miguel e Tarrafal, e ponto de partida de muitas caminhadas de grupos, que descem cerca de quatro quilómetros a pé até à ribeira.

Cabo Verde importa 80% do que consome, sobretudo alimentos, cenário agravado pelos quatro anos de seca que afetaram o arquipélago e agora pela inflação galopante, acima de 8%, esperada para este ano.

Contudo, com as chuvas que caíram em todo o país nos últimos meses, a esperança em dias melhores, e sobretudo alimentos mais baratos, redobrou-se.

Remijo Furtado conta que já tem perspetivas boas para este ano, face à água desta ribeira situada no extremo oeste do concelho de São Miguel, predominantemente agrícola e que também produz muita aguardente de cana-de-açúcar.

"Choveu muito este ano, mas muita gente não tinha confiança e não cultivou as suas terras. Esta zona dá muita comida, mas muitas terras ficaram vazias", descreve à Lusa o agricultor que já foi emigrante em Portugal, França e Espanha, mas regressou ao país para dedicar-se à agricultura.

A obra na barragem de Principal foi financiada pelo Governo e pelo Banco Árabe para o Desenvolvimento Económico em África (BADEA) em 30 milhões de escudos (272 mil euros), tem capacidade para armazenar 540.000 metros cúbicos de água e cobre 40 hectares de área irrigada.

Se a jusante, os agricultores vão usufruir da água da barragem por gravidade, o mesmo não se pode dizer dos que estão a montante, que passam o dia inteiro com olhos postos naquele enorme "tanque", mas pedem reservatórios mais acima para depois também poderem levar água às suas parcelas.

É o caso de Natalício Miranda Mendes, de 38 anos, que cultiva um pouco de tudo, desde banana, mandioca, cana-de-açúcar, milho, feijões, mas só com a água das nascentes.

"Mas não temos muitas condições, precisamos de reservatórios para ver se garantimos mais alguma coisa", pediu o agricultor, que trabalhou na construção da barragem e agora não esconde o prazer de vê-la completamente cheia e a transbordar ribeira abaixo.

"É uma sensação de alegria, não só para Principal, mas para todo o mundo que nos visita", afirma Natalício Mendes, para quem é o concretizar de um "sonho grande" de todo a comunidade.

A mesma alegria tem Albino Horta Correia, de 46 anos, que antes morava em Palha Carga, no mesmo concelho, mas há algum tempo fixou residência na Ribeira de Principal, a montante da barragem, passando a ter uma vista privilegiada para a infraestrutura hidráulica.

"Mas não temos um tanque aqui em cima para regarmos as nossas terras", lamenta o também pedreiro, apontando para os muitos terrenos de sequeiro que podiam estar com mais cultivos caso a água da barragem fosse bombeada para algum depósito a montante.

"Ainda não estamos a tirar todo o proveito da água da barragem, mas se construírem um tanque, já podemos trabalhar mais terras", desafia o agricultor, sentado num pedregulho para uma pausa nos trabalhos de limpeza e cultivo dos terrenos.

A Barragem de Principal é a esperança e o orgulho dos agricultores, mas também um ex-líbris para toda a região, e desde que transbordou tem recebido centenas de visitantes de toda a ilha de Santiago, sobretudo aos sábados e domingos, que vão constatar 'in loco' a quantidade de água, mas também os campos cobertos de verde e o clima ameno e fresco nessa região.

E essa azáfama tem fomentado muitos negócios, um deles do restaurante Vista Barragem, que funciona há apenas um ano num prédio que foi construído em cima de uma ponte, mesmo na albufeira, dando uma vista privilegiada para os clientes.

Aos fins de semana, todos os caminhos vão dar à Ribeira de Principal e o gerente do estabelecimento comercial, Nilton César, o Ni Preta, disse que as vendas aumentam, o que obriga a contratar mais funcionários, que se juntam aos três durante a semana, para responder à procura, ou não fosse o turismo, atualmente em forte recuperação, o grande motor de Cabo Verde, representando 25% do PIB.

"Muita gente vem visitar a nossa barragem e temos tido muito movimento, sobretudo aos fins de semana", afirmou o gerente do restaurante, que seduz os clientes com pratos típicos, como cachupa, massa de milho, galinha de terra, porco grelhado ou milho cozido e assado, sem contar com outros petiscos e legumes cultivados nas hortas ao redor.

O movimento é tanto à volta da infraestrutura hidráulica que o dono do restaurante já pensa em expandir os negócios, construindo nomeadamente uma pensão e uma discoteca, para proporcionar mais diversão e espaços de descanso aos visitantes.

Além de Principal, na ilha de Santiago ainda existem as barragens de Salineiro (Ribeira Grande), Poilão (São Lourenço dos Órgãos), Faveta (São Salvador do Mundo), Saquinho (Santa Catarina), Figueira Gorda (Santa Cruz) e Flamengos (São Miguel).

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