António Brito Guterres nasceu no bairro de Arroios, em Lisboa, já num país livre, em 1978.

Mas Portugal ainda tinha muito para construir, desconstruir, descolonizar, num tempo em que a freguesia era parte de uma cidade fantasma, onde não morava quase ninguém, nem havia pares com que pudesse brincar.

Brito Guterres interessou-se formalmente pela política muito cedo. É uma cria da geração dos anos 90, descendente da revolução e contemporâneo do levantamento Zapatista. E, de forma natural, esteve envolvido na luta da anti-globalização, “procurando um mundo mais justo.”

José Fonseca Fernandes

O que ganhou forma na ocupação de casas, transformando-as em centros sociais, na luta pela livre circulação de pessoas, “contra o racismo e contra uma vida dominada apenas pela circulação do capital”.

“Evidentemente perdemos”, afirmou Brito Guterres sobre esse seu passado.

Mas não baixou os braços nem desistiu das comunidades desprotegidas com quem tem estado ao lado.

José Fonseca Fernandes

Basta dizer que, do ponto de vista profissional, o seu espaço de trabalho é também político, formalizado pelas políticas públicas.

Brito Guterres sempre achou que o seu pensamento político, para além das iniciativas de cidadania, da escrita e do debate, devia ser coerente com a prática.

Por isso ele está nos bairros considerados mais problemáticos, os tais nomeados de zonas urbanas sensíveis (as ZUS) onde a polícia tem permissão para atuar de forma mais dura.

José Fonseca Fernandes

E nessa concepção do que é considerada uma zona sensível está o critério da composição socio-étnica do bairro. O que significa que ser pobre, cigano, negro ou imigrante é razão para uma intervenção mais violenta do que noutras zonas da cidade.

Esta conversa em podcast começa por abordar os tumultos originados pela morte de Odair Moniz, morador do bairro do Zambujal, fatalmente baleado por um agente da PSP, que entretanto já foi constituído arguido. Uma fricção entre os moradores desse bairro e as forças policiais que vem de há muito tempo.

José Fonseca Fernandes

Brito Guterres conhece os bairros das periferias de Lisboa como as divisões da sua casa e é uma das vozes desta cidade invisível, como ele lhe chama, sempre ao lado destas comunidades (na maioria de pessoas racializadas e imigrantes), escutando-as, sem imposições, sem condescendências, sem paternalismos, procurando acudir a algumas das suas necessidades e relata como estas pessoas são diariamente marginalizadas, perseguidas e assediadas pelas forças policiais.

Que saídas para este ciclo de violência, de exclusão e de desigualdade económica e social? O que importa mudar no sistema e nestes bairros debaixo de fogo? Brito Guterres aponta caminhos e falhas.

Em tempos de grande polarização, em que o outro é cada vez mais visto como o inimigo, Brito olha esses outros como iguais e devolve rosto e humanidade a todas as gentes desta “cidade invisível”, onde moram comunidades economicamente frágeis e com necessidades específicas.

Importa dizer que Brito Guterres é assistente Social com pós-graduação em Estudos Urbanos e é doutorando na mesma área temática. É investigador no Dinâmia-Cet ISCTE – IUL. Entre vários estudos, foi um dos autores das “Estratégias para a Cultura da Cidade de Lisboa”.

E nos últimos dez anos foi quadro da Fundação Aga Khan Portugal, coordenando projetos territoriais, de desenvolvimento local, de expressão artística e cultural. Na mesma instituição e até ao fim de 2022, foi durante quatro anos diretor do programa de sociedade civil e do programa de desenvolvimento comunitário urbano “K´cidade”.

Ao mesmo tempo, tem sido curador do Festival Iminente desde o seu início, propondo artistas para o certame, organizando os seus debates e organizando os workshops do projecto “Bairros”. Além disso, é membro do Conselho editorial do Jornal “A Mensagem”. E foi eleito pela redação do Expresso como uma das vozes a ter em conta nos próximos anos, num trabalho realizado a propósito dos 50 anos do semanário.

José Fonseca Fernandes

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

A segunda parte deste episódio será lançada na manhã deste sábado. Boas escutas!