A presidência húngara do Conselho da União Europeia (UE) tem menos de duas semanas e alguns diplomatas e responsáveis em Bruxelas já viram o suficiente. Depois de uma série de viagens polémicas realizadas pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, vários embaixadores assinalaram na quarta-feira o seu descontentamento com as atitudes rebeldes da Hungria e, no Parlamento Europeu, há quem já peça para se saltar para a próxima presidência.
O primeiro grupo político a pedir abertamente que os Estados-membros removam a presidência rotativa do Conselho da UE foram os liberais do Renew Europe, o partido europeu que inclui os portugueses da Iniciativa Liberal. Em comunicado, o grupo pediu que o Conselho Europeu, ainda liderado por Charles Michel, “explore todos os meios legais para parar a presidência húngara do Conselho e que a entregue à Polónia”, o país que assumirá a próxima liderança rotativa.
As críticas surgiram depois de, na semana passada, poucos dias depois de assumir essa presidência rotativa, Viktor Orbán ter feito uma viagem, primeiro à Ucrânia, e depois à Rússia, China, Vietname, Azerbaijão e outros países, onde dialogou com líderes autoritários que se têm colocado contra os interesses da UE. A visita a Moscovo foi a mais controversa, já que Vladimir Putin reconheceu Orbán como um representante europeu, e o líder húngaro - cujos laços com o Kremlin têm sido muito denunciados por jornalistas e organizações não-governamentais ao longo dos anos - defendeu que a UE devia “falar com ambos os lados da guerra”.
“O primeiro-ministro húngaro está a minar as posições adotadas pela União Europeia, está a agir contra os nossos interesses e isso tem de acabar. Está na altura de controlar a presidência rebelde do Conselho da UE de Viktor Orbán. A sua falsa missão de paz é um risco de segurança, a sua comunicação isolada é apenas uma cortina de fumo para os seus próprios interesses e está a falhar miseravelmente”, considerou Valérie Hayer, presidente do Renew Europe.
O partido liberal europeu também prometeu que irá pedir um debate “urgente sobre o comportamento da presidência húngara”, com a presença de Charles Michel, para que este “clarifique as responsabilidades e o mandato do Conselho Europeu em assuntos externos” e que “diga claramente que Orbán não fala em nome da União Europeia”.
Os liberais estão longe de ser os únicos a criticar as viagens do líder húngaro não-sancionadas por representantes da UE. Na quarta-feira, numa reunião com os embaixadores dos países da UE, tanto o Politico como a agência Lusa avançaram que muitos diplomatas expressaram a sua angústia com as posições de Budapeste, e terá sido mesmo discutida a possibilidade de encurtar os seis meses da presidência húngara, para dar lugar à Polónia.
“É inédito que a presidência seja repreendida desta forma por todos os outros”, disse uma fonte diplomática ao site Politico. Outra fonte explicou à Lusa que o tom do encontro foi “muito crítico” e a falta de presença de ministros na reunião em Budapeste demonstrou também a insatisfação das capitais europeias.
Hungria rejeita críticas e justifica visitas com “bilateralidade”
A Hungria, contudo, negou ter conhecimento de pedidos para encurtar a sua presidência semestral do Conselho da União Europeia ou para alterar a rotatividade. “Não tenho conhecimento de qualquer discussão por parte de qualquer organização ou instituição europeia que tenha como objetivo encurtar a presidência húngara ou alterar a rotatividade em qualquer sentido”, sublinhou na quarta-feira o ministro dos Assuntos Europeus da Hungria, János Bóka, num encontro com jornalistas europeus após a reunião em Bruxelas.
Rejeitando qualquer “animosidade para com o resto da UE”, o ministro húngaro justificou as visitas como realizadas num quadro de "uma série de reuniões bilaterais que os Estados-membros realizam durante ou antes e depois das presidências".
Outro fator que não tem ajudado a que a Hungria seja bem vista pelos restantes membros da UE é a escolha do slogan para a presidência rotativa do Conselho da UE: “Tornar a Europa Grande de Novo”, uma cópia do chavão cunhado por Donald Trump, cujo partido republicano partilha uma relação de afinidade com Orbán e os conservadores nacionalistas húngaros.
Antes sequer das viagens se tornarem nas pedras nos sapatos de toda a UE, Charles Michel tinha sido claro em apontar que as deslocações de Orbán não foram feitas em representação da UE e, antes sequer de aterrar em Moscovo, o presidente do Conselho Europeu reiterou que o húngaro “não tem mandato para dialogar com a Rússia em nome da UE”.
Outros líderes europeus, desde primeiros-ministros de Estados-membros à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também manifestaram o seu desagrado com as visitas na semana passada.
O Renew Europe pediu ainda a aplicação do artigo 7 do Tratado da União Europeia, que prevê a suspensão de direitos de Estados-membros da UE por violações contra o Estado de Direito, uma medida extrema que as autoridades europeias têm evitado aplicar em relação ao Governo de Budapeste e é improvável que, para já, isto seja uma opção.