A defesa de Ricardo Salgado no processo BES/GES congratulou-se a si própria esta sexta-feira, dado que o Ministério Público (MP) tenha "reconhecido a situação" de incapacidade do ex-banqueiro, mas contrapôs que o estatuto de maior acompanhado não resolve o problema.

"Não altera nada", vincou o advogado Francisco Proença de Carvalho, observando que, apesar de o MP ter proposto o estatuto de maior acompanhado para Ricardo Salgado, este "já tem a sua cuidadora informal", que é a mulher, Maria João Salgado, a qual "é uma pessoa absolutamente essencial" para o seu cliente.

Francisco Proença de Carvalho falava aos jornalistas à saída do Juízo Criminal de Lisboa após, na sessão de julgamento desta sexta-feira, o MP enviar um requerimento ao tribunal para que seja atribuído o estatuto de maior acompanhado ao arguido Ricardo Salgado, no âmbito do processo BES/GES.

Francisco Proença de Carvalho admitiu que "não estava a contar" com esta iniciativa do MP, da qual ainda não foi notificado, mas disse que, com este requerimento, "finalmente, o MP reconhece a situação" de incapacidade de Ricardo Salgado, ou seja "aquilo que a defesa anda a dizer há três anos".

"Dentro dos seus deveres de objetividade e de legalidade, o MP está a fazer o procedimento adequado. No fundo, reconhece aquilo que dizemos há muito tempo, que Ricardo Salgado não tem condições de se defender, não tem condições cognitivas de participar no processo e isso tem de ter os seus efeitos" e consequências, concluiu o causídico.

Francisco Proença de Carvalho referiu a propósito que na audiência de julgamento desta sexta-feira está a depor como testemunha o antigo presidente do Banco Espírito Santo Investimento (BESI), José Maria Ricciardi, que está a falar de factos ocorridos há mais de 10 anos, sobre os quais "só Ricardo Salgado poderia esclarecer".

Neste contexto, o advogado considera assim que o direito de defesa de Ricardo Salgado "está esmagado", sendo isso "uma evidência".

Francisco Proença de Carvalho entende ainda que, apesar do estatuto de maior acompanhado pedido pelo MP, Ricardo Salgado continua a "não ter condições de se defender".

"Com estatuto de maior acompanhado ou sem estatuto de maior acompanhado, o meu cliente já é um maior acompanhado há algum tempo (pela mulher Maria João Salgado", alegou.

De acordo com o documento assinado pelos procuradores, o MP quer a emissão de certidão de documentos entregues pela defesa de Ricardo Salgado aquando da sua contestação e das suas declarações em tribunal realizadas na terça-feira, quando fez a identificação formal como arguido no julgamento, com vista à instauração do processo de maior acompanhado.

Como funciona a atribuição do estatuto de maior acompanhado?

Segundo explicou a advogada Ana Pires, coordenadora do Departamento de Família e Menores da sociedade RSA, a atribuição do estatuto de maior acompanhado "acontece após a verificação de situação de incapacidade", sendo normalmente feitas perícias nesse sentido ou utilizada uma anterior perícia.

"O tribunal constata que a pessoa não está no uso de todas as faculdades e designa uma pessoa que substitua a pessoa diminuída. Pergunta-se ao beneficiário para, se conseguir, dizer quem quer ser o acompanhante e pode ser a mulher. Se não for possível, o tribunal pode não aceitar também a escolha e nomear outra", indicou, clarificando que no limite e em abstrato pode ser alguém exterior à família.

A especialista referiu também que o acompanhante designado não presta declarações pela pessoa que está a substituir.

O regime de maior acompanhado aplica-se apenas a adultos, é sobretudo usado para efeitos cíveis e o substituto designado serve sobretudo para tomar decisões pela pessoa que se encontra diminuída relativamente a questões não judiciais.

Ricardo Salgado está acusado de 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014, incluindo associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, infidelidade, manipulação de mercado, branqueamento de capitais e falsificação.

A queda do GES causou prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.