"Entendemos que é necessário criar as bases para a oficialização plena da língua cabo-verdiana, estamos disponíveis para a termos como língua do sistema de ensino, mas há um percurso a fazer" a nível técnico-científico e de formação de professores, referiu Amadeu Cruz.

A Constituição cabo-verdiana estabelece, desde 1999, que devem ser criadas condições para a oficialização do idioma materno em paridade com o português e o debate emerge regularmente no espaço público.

Segundo o ministro, "em 15 anos, tirando proclamações e discursos, não houve nenhuma medida concreta" a abrir caminho para a oficialização, além da decisão do atual Governo - liderado pelo Movimento pela Democracia (MpD) -- de criar a disciplina opcional, a partir do 10.º ano de escolaridade, em todas as 44 escolas secundárias do arquipélago.

Este é o terceiro ano letivo da "experiência" para "testar soluções científicas relativamente a gramáticas e alfabeto", entre outras questões linguísticas, para haver "uma base sólida" para a escrita e fixarem-se metodologias de ensino.

O outro objetivo é "formar professores em língua cabo-verdiana", num processo que, segundo Amadeu Cruz, nunca levará menos de 10 anos, para preparar o sistema e para um primeiro grupo passar por três anos de formação do ensino secundário, mais quatro a cinco no ensino universitário.

"Uma coisa é sermos idealistas, nacionalistas -- e sou acérrimo defensor da identidade nacional, a disciplina no 10.º ano está nessa linha -- mas é preciso sermos pragmáticos" e "dar tempo ao tempo" para a gramática e outras ferramentas estarem prontas e haver professores preparados, referiu Amadeu Cruz.

"Valorizamos a língua cabo-verdiana, mas devemos valorizar igualmente a língua portuguesa. Não estamos a subalternizar nenhuma delas", frisou o governante, classificando o português como um idioma igualmente identitário, que é língua materna de alguns cabo-verdianos e a primeira língua para "contacto com o mundo" -- além de ser disciplina obrigatória do 1.º ao 12.º ano de escolaridade.

"Vamos chegar ao terceiro ano de implementação [da disciplina experimental no 10.º ano] e estaremos em condições de fazer uma avaliação para decidir" se, em vez de ser uma disciplina opcional, a língua cabo-verdiana passará a ter "caráter obrigatório no ensino secundário".

Entretanto, o Dia da Língua Materna é assinalado com a disponibilização do primeiro manual de Língua e Cultura Cabo-verdiana do 10.º ano de escolaridade na plataforma digital de livros escolares do ensino público do arquipélago.

Independentemente de ser oficial ou não, a língua cabo-verdiana -- ou "crioulo" cabo-verdiano -- é usada em diversos contextos, mesmo no atendimento na administração pública, apontou Amadeu Cruz -- além de ser a língua franca, que ecoa pelas ruas do arquipélago.

"Faz parte da nossa identidade, do nosso percurso histórico, talvez seja o elemento mais estruturante da nossa cultura. Valorizamos o uso da língua cabo-verdiana nos diversos contextos", assinalou.

"Este é um Governo com coragem: os outros falam muito, até fazem discursos, mas, na prática, desde 1999, a medida mais robusta foi a introdução da disciplina de língua cabo-verdiana no ensino secundário", acrescentou, quando confrontado com os apelos para oficialização do idioma por parte do Presidente da República, José Maria Neves, que foi primeiro-ministro entre 2001 e 2016, eleito pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, atual oposição).

A língua materna tem variantes nas diferentes ilhas de Cabo Verde e nos últimos anos surgiram novas iniciativas da sociedade civil a apelar à oficialização.

Um grupo de quase 200 personalidades cabo-verdianas lançou, em 2022, uma petição nesse sentido e pediu apoio do chefe de Estado para a promoção da língua.

No mesmo ano, vários ativistas criaram a Associação da Língua Materna Cabo-verdiana para impulsionar uma "voz cada vez mais ativa" e uma "mudança" de política linguística no país.

O Dia Internacional da Língua Materna (21 de fevereiro) foi aprovado em 2002 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a qual pediu aos países membros que promovessem a preservação de todas as línguas no mundo, destacando a importância das línguas para o desenvolvimento, a diversidade cultural e o diálogo intercultural.

A data também visa sensibilizar para a perda de línguas em risco de desaparecer devido à globalização e mudanças sociais, e a importância da educação multilíngue, especialmente para línguas minoritárias e indígenas.

O dia vai ser assinalado, hoje e sexta-feira, em Paris, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) com uma iniciativa que visa sublinhar a urgência de acelerar o progresso na diversidade linguística para construir um mundo mais inclusivo e sustentável até 2030.

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