Em 2011, Mário Soares lançava o seu ensaio autobiográfico “Um Político Assume-se". Não me recordo desse lançamento; afinal de contas, tinha sete anos. Seria estranho se me lembrasse. Mas cresci a ver essa lombada na estante lá de casa. Nunca compreendi bem o que queria dizer. Como assim, “assume-se”? Será que é uma vergonha ser político, para ser difícil assumi-lo?
Os anos foram passando. Vi o país parar com a Operação Marquês. Sócrates, o divino, caía do pedestal dos mais decisivos da política nacional. Tudo mudou. A frase “eu não sou político” passou a encher as entrevistas dos políticos portugueses. Os recém-líderes das juventudes partidárias corriam a negar que eram políticos.
Depois, foi a vez dos órgãos de comunicação social. O desenvolvimento das redes sociais rebentou com a comunicação social como principal referência de informação. Agora, todos somos jornalistas. Todos somos especialistas. Todos podemos encher a boca com certezas, especialmente sobre temas que não dominamos. Com isto, os jornais seguiram a tendência. A prioridade passou a ser o clickbait. A prioridade passou a ser dissecar a vida inteira de qualquer indivíduo que se atrevesse a intervir na vida pública.
Mas o problema também está na classe política. Nunca a vida pública viveu período de tão difícil captação de quadros. Será por desinteresse nosso? Será porque odiamos a democracia? Não estarão hoje as organizações minadas pela vingança pessoal? Não serão elas, agora, uma enorme festa de egos, de palmadas nas costas, de falsas palmas e de falsas emoções?
Não quero que pensem que considero as jotas, os partidos e associações dispensáveis ou que não respeito quem aceita fazer parte delas. Admiro quem ainda procura, todos os dias, mudar as suas estruturas. Mas o tribalismo está a vencer. Vence quando deixamos de ouvir o outro e apenas esperamos que o outro termine de falar para podermos responder. Ninguém ouve ninguém. Todos nos comparamos uns com os outros, enquanto o algoritmo nos dá a falsa sensação de que a vida do vizinho é melhor que a nossa.
O tempo em que nós, os moderados, não podemos vacilar. Moderação, a nova palavra que domina a boca dos democratas. Não gosto. Não sei o que é isso de um moderado. Não é moderado o mais acérrimo democrata-cristão? Não é moderado o mais acérrimo dos socialistas?
No tempo em que ter convicções é um crime político, a extrema-direita prepara-se para polarizar com essa palavra: moderação/centro.
É agora que temos a obrigação de entrar na discussão, porque, no dia em que essa polarização for bem-sucedida, o regime entrará, aí sim, na sua maior crise. É por isso que nunca fez tanto sentido lembrar que os políticos se devem assumir.
Talvez a moderação não seja, afinal, a ausência de convicções ideológicas, mas antes a decência de reconhecer que não sabemos tudo – e que isso não é um defeito, mas um ponto de partida. Ser moderado pode significar escutar antes de falar, aceitar que o outro pode ter razão, confiar que o debate público sai enriquecido quando nele participam especialistas com conhecimento profundo dos temas em discussão. Não é desistir de ter ideias fortes, mas tê-las com humildade suficiente para as pôr à prova, com empatia bastante para acolher as dos outros e com a coragem de mudar de posição, se o argumento assim o exigir.
“Sempre fui idealista, solidário e defensor das chamadas grandes causas. Fui um político assumido, desde muito jovem e lutador. (…) E, apesar do pessimismo envolvente, não perco a esperança e continuarei a lutar.” — Mário Soares, Um Político Assume-se