"Não estamos aqui porque queremos, estamos aqui porque há falta de emprego. Agora, se encerrarem a lixeira onde vamos trabalhar", questiona à Lusa Bernardo Nhanale, 25 anos, 10 dos quais como catador de lixo em Hulene, na periferia de Maputo.
Como boa parte do grupo, Bernardo abandonou as aulas antes de terminar o primeiro ciclo do ensino primário e tornou-se catador em Hulene antes mesmo de completar os 18 anos.
Entre as enormes montanhas de lixo de Hulene, pendurado na parte traseira de um camião de recolha de lixo ou esquivando-se da pá frontal de uma retroescavadora que arrasta resíduos de um lado para o outro, a vida de Bernardo foi sempre na lixeira e pensar no seu encerramento chega a ser angustiante para o jovem moçambicano.
"Mesmo aqueles que estudaram, os licenciados, não estão a trabalhar. E nós? O que será de nós", questiona.
A maior parte dos catadores que vasculham os cerca de 25 hectares da maior lixeira de Moçambique são pessoas que vivem no limiar da pobreza, oriundas de diferentes províncias, embora a maioria seja do bairro de Hulene, na periferia da capital moçambicana, Maputo.
"Se eles quiserem encerrar a lixeira, podem fazê-lo. Mas devem fazer alguma coisa em nosso benefício. Que nos deem terrenos, emprego ou até mesmo dinheiro. Se a lixeira for transferida para um local próximo, até podíamos lá ir. Mas se for longe, não temos como fazer isso pelos custos de transporte", diz à Lusa Zacarias Amade, 40 anos, outro catador.
Nem os gases provocados por pequenas queimadas e o forte cheiro que invade os bairros instalados nos arredores são capazes de travar os quase mil catadores que diariamente, logo nas primeiras horas, escalam montanhas do lixo proveniente de todos os cantos da cidade de Maputo à procura de resíduos para reutilização.
"Roubar também não ajuda, pelo menos aqui conseguimos apanhar algum dinheiro para sustentar a família em casa", explica à Lusa Arnaldo André, 38 anos, sentado a poucos metros da lixeira, à espera do próximo camião de lixo.
Para as autoridades municipais, a preocupação de quem depende do lixo para sobreviver é legítima e, no âmbito dos planos de encerramento, no qual até já foi lançado um concurso público para a identificação de uma empresa para implementar o projeto, este é um aspeto em análise.
"Há esta preocupação, nós sabemos que há ali muita gente e (...) os proponentes têm de trazer soluções para este fenómeno", disse à Lusa João Munguambe, vereador de Infraestruturas e Salubridade no Conselho Municipal da Cidade de Maputo.
A operação para o encerramento da lixeira de Hulene está orçada em quase 10 milhões de euros e inclui um plano de aproveitamento das mais de 35 milhões de toneladas de resíduos que ali estão há décadas.
"Há ali matéria orgânica que, estando decomposta, produz gás. Então, ao cobrimos o lixo com solos, o que vai permitir naturalmente o crescimento de vegetação e a consolidação do lixo, isso vai produzir mais gás. Portanto, vamos colocar um sistema de drenagem de gás que pode ser aproveitado", acrescentou João Munguambe.
A maior lixeira da capital moçambicana foi notícia internacional quando, na madrugada de 19 de fevereiro de 2018, uma parte, com a altura de um edifício de três andares, desabou devido à chuva forte e abateu-se sobre diversas habitações precárias do bairro.
Das 16 pessoas que morreram no local, sete eram crianças, num episódio que levantou debates entre ambientalistas sobre o impacto da lixeira numa área residencial.
EAC // VM
Lusa/Fim