A proposta de redução de 294,83 milhões de euros no orçamento destinado ao programa Erasmus+, enquadra-se na posição formal do Conselho Europeu, órgão que reúne os chefes de Estado e de governo dos países da UE, sobre o Orçamento da União Europeia para 2025. Nesta incluem-se também cortes ao programa de investigação Horizonte Europa e ao Mecanismo Interligar a Europa Digital, que visa a melhoria da conectividade digital, entre outros.
As reduções de orçamento propostas para os principais programas da UE, que somam os 1,52 mil milhões de euros, foram já rejeitadas pelos eurodeputados, que fizeram um apelo a um maior financiamento. No caso do Erasmus+, em 70 milhões.
Conselho e Parlamento Europeu devem agora conciliar posições relativamente ao Orçamento da União para o próximo ano. O documento final deve ser conhecido esta segunda-feira, dia 18.
Associações de estudantes preocupadas com o impacto dos cortes
“Cortes no orçamento [do Erasmus+] significariam a diminuição do impacto de um dos projetos mais bem-sucedidos da União Europeia”, alerta Rita Dias, presidente da Erasmus Student Network (ESN), uma associação internacional de estudantes, reconhecida e apoiada pela Comissão Europeia.
Em publicação conjunta, a ESN e a European Students’ Union (ESU), representante de associações nacionais de estudantes de 40 países, falam numa “séria ameaça para a mobilidade estudantil e aos projetos de fomento à cooperação transnacional na educação”.
Também o Fórum Europeu da Juventude (EYF), a maior plataforma das organizações de juventude na Europa, se pronunciou sobre o assunto, alertando para as consequências dos possíveis cortes. “A proposta do Conselho bloqueará oportunidades vitais para os jovens por toda a Europa. É, também, um sinal preocupante sobre o compromisso cada vez menor da UE em investir nos jovens”, afirma Caillum Hedderman, membro da Direção da EYF, em declarações ao Expresso.
Estes “são não só cortes em comparação com a proposta da Comissão Europeia para o Orçamento da UE para 2025, mas também uma diminuição significativa do orçamento do programa de 2024”, nota, apelando “a que as instituições da UE garantam que os compromissos políticos para com os jovens sejam respeitados, e não diluídos, quando se trata das decisões orçamentais”.
Prenúncio de cortes maiores
A posição do Conselho reflete a vontade dos Estados Membros de um orçamento que, logo em março, num comunicado de imprensa, a instituição afirmou considerar dever ser “realista e adaptado às necessidades reais, assegurar uma orçamentação prudente e deixar margens suficientes dentro dos limites máximos do quadro financeiro plurianual para se poder fazer face a imprevistos e enfrentar os desafios da União”.
Mas as associações receiam o que os cortes podem significar. Este pode ser “um prenúncio de possíveis reduções no orçamento do Programa Erasmus+ no próximo orçamento plurianual da União Europeia”, refere Rita Dias.
O Programa Erasmus+ tem um orçamento total de 26,2 mil milhões de euros para o período de 2021-2027. Destes, 83% estão atribuídos à Educação e Formação, 13% repartidos pelos setores da Juventude e Desporto e 4% reservados para custos operacionais das Agências Nacionais e apoio ao Programa, segundo explica Cristina Perdigão, diretora da Agência Nacional Erasmus+ Educação e Formação (ANE+EF).
Ainda não é claro onde os cortes serão feitos, se concretizados
Criado para ser um programa de mobilidade para estudantes do ensino superior, o Erasmus+, hoje atua também no âmbito da cooperação entre organizações e instituições — através de parcerias para a cooperação, para a excelência e para a inovação e de projetos de capacitação — e do apoio ao desenvolvimento de políticas e à cooperação com organizações internacionais.
No entanto, perante a imprevisibilidade das negociações, Cristina Perdigão salienta que é difícil avançar com informações mais concretas sobre que vertentes serão mais afetadas pelos eventuais cortes.
“Em termos gerais, terá sempre como impacto uma eventual redução nas subvenções para mobilidade”, como “bolsas de mobilidade atribuídas a estudantes, docentes, restante staff”, afirma Cristina Perdigão. Podendo atingir também, explica, “ajudas para viagem e apoios específicos para estudantes com menos possibilidades, os valores disponíveis para financiar projetos ou as verbas disponíveis para o financiamento das Universidades Europeias”.
Ana Rita Dias afirma que, “mesmo que os cortes sejam aplicados, a ESN continuará a advogar que não afetem o orçamento previsto para as mobilidades”. “Um corte num orçamento que já está sob pressão e se revela insuficiente para as necessidades dos estudantes teria um impacto negativo na participação em mobilidade”, “colocando em risco a implementação de uma das prioridades estratégicas do programa”, “a inclusão e a diversidade”.
“Um instrumento-chave para a construção do Espaço Europeu da Educação”
“É importante que o Programa Erasmus+ não venha a sofrer cortes que ponham em causa a realização dos grandes objetivos daquele que é o programa europeu mais emblemático”, afirma Cristina Perdigão.
As atividades do programa, “um instrumento-chave para a construção do Espaço Europeu da Educação”, “são cruciais para o desenvolvimento pessoal e profissional de todos os cidadãos, visam fortalecer a identidade europeia, o desenvolvimento sustentável e a coesão social”, reforça. Para além do papel que, diz, têm “na internacionalização das instituições europeias, alavancando o desenvolvimento e inovação”.
Desde que foi estabelecido, em 1987, cerca de 16 milhões de pessoas participaram no programa. E é o impacto que causou nestes que beneficiaram da mobilidade Erasmus +, “no sentido da abertura de mentes e de aceitação e defesa dos valores europeus” que, segundo a Presidente da ANE+EF, “urge salvaguardar”.
Os dados mais recentes da Comissão Europeia apontam para um total provisório de cerca de 200 mil participantes previstos em projetos de mobilidade Erasmus+ entre 2021 e 2024. Portugal, um dos países de destino mais escolhidos, a par da França, Alemanha, Itália ou Espanha, prevê receber cerca de 137 mil participantes e enviar cerca de 64 mil.
“Não é possível ignorar os graves conflitos que decorrem neste momento às portas da União Europeia e que necessitam do seu permanente acompanhamento, mas talvez seja um grave erro sacrificar ou fragilizar o programa que mais europeus “produziu” até hoje e que nasceu no seio de um projeto que teve precisamente na sua origem fazer com que a guerra fosse não só impensável como materialmente impossível”, diz Cristina Perdigão.