
Os jogadores têm cada vez menos tempo 'desligados' do futebol com o trabalho nos clubes e seleções, aliado ao surgimento de novas competições, e são necessárias estratégias para permitir mais descanso, disse à agência Lusa o fisiologista Óscar Tojo.
O fisiologista alertou que os futebolistas também têm a sua vida fora do contexto competitivo e que é necessário permitir que libertem um pouco da pressão a que estão sujeitos.
"Existem desafios que estão relacionados com a componente emocional. Estamos a lidar com seres humanos que também têm a sua vida familiar, os seus filhos, o seu dia-a-dia fora do futebol e do contexto e das exigências do clube. Acho que é necessário, da parte das equipas técnicas, ter alguma sensibilidade para que os jogadores possam ter algum momento para se desligarem um pouco desta pressão e necessidade diária de mostrar rendimento, para que, depois, ao regressar, possam estar mais disponíveis emocionalmente para se focarem novamente nos objetivos da equipa", salientou.
Óscar Tojo, que já trabalhou com a seleção portuguesa de sub-21 e integrou esta temporada a equipa técnica do FC Porto debaixo do comando de Vítor Bruno, salientou que o panorama mudou, com mais competições e jogos, e que agora nem o período de férias no verão conseguem ter com acontecia anteriormente.
"É muito difícil hoje termos aquele período de férias de três ou quatro semanas que antigamente existia. Estamos a falar de jogadores que estão no topo e conseguem ter essa exigência competitiva de seleções e de clubes. Eu acho que o calendário já não nos permite ter esse tempo para que os jogadores possam fazer férias durante esse período", disse.
Um estudo da Federação Internacional de Associações de Futebolistas Profissionais (FIFPRO) analisa vários aspetos relacionados com a carga a que estão sujeitos os futebolistas, em áreas como o tempo disponibilizado para a modalidade, minutos disputados ou viagens realizadas.
Analisando o tempo que os futebolistas estão ao serviço dos clubes ou seleções, seja em treinos, estágios, jogos ou viagens, a FIFPRO salienta que 81% é tempo ocupado e apenas 19% do chamado tempo privado.
Mas se o jogador tiver estado presente no Euro2024, por exemplo, este número do tempo fora do contexto desportivo já desce para 12%.
"Eu acho que isso é fundamental, mas o calendário não nos permite dar tantos dias. Podemos encontrar ao longo da época algumas alternativas, algumas estratégias para que o jogador possa desligar e estar mais tempo com os seus. Possa estar mais tempo um pouco mais fora do clube e fora do contexto de treino e competitivo", referiu.
Óscar Tojo explicou que podem ser pensadas estratégias que permitam, ao longo da época, dar alguns momentos de "descanso total" aos jogadores, referindo que "menos por vezes é mais".
"Se olharmos ao calendário com alguma inteligência e flexibilidade, existem ao longo da época algumas oportunidades para que os jogadores possam ir tendo alguns dias de descanso. E, nesse sentido, complementar a quantidade de dias que os jogadores têm de descansar ao longo do ano", analisou.
O fisiologista destacou ainda que não são apenas os jogadores que sofrem, uma vez que também os elementos do 'staff' estão sujeitos a esta pressão.
"Temos uma tendência a falar apenas dos jogadores, mas depois também existe esta componente do 'staff', que tem também pessoas muito importantes para que nos possam dar o suporte necessário às necessidades da equipa. É preciso ter também aqui algum cuidado na maneira como nós tomamos algumas decisões para que o 'staff' também possa estar totalmente disponível para poder dar o apoio à equipa", concluiu.
Aumento do número de jogos coloca em causa qualidade do futebol praticado
O aumentar do número de jogos pode afetar a qualidade dos espetáculos futebolísticos, disse à agência Lusa o fisiologista Óscar Tojo, que alerta para o cada vez menor tempo de recuperação entre partidas e maior desgaste com constantes viagens.
O ex-fisiologista da seleção portuguesa de sub-21, que integrou esta temporada a equipa técnica então comandada por Vítor Bruno no FC Porto, lembrou o maior número de jogos previstos por época, destacando os casos do reformulado Mundial de clubes, bem como os compromissos das seleções.
"É preciso ter algum cuidado para que as equipas possam também apresentar um rendimento superior, porque depois, a qualidade do jogo pode ser um pouco afetada e tendencialmente pode diminuir aquilo que é o interesse do adepto pelo mesmo", explicou.
O tempo entre cada partida é também considerado essencial na tomada de decisões das equipas técnicas, numa fase em que a exigência é muito elevada.
"Eu acho que tem um impacto muito diferente e é muito mais fácil para nós, equipas técnicas, poder conseguir dar resposta quando temos ali um período superior às 72 horas para o jogo seguinte. Isso é um fator predominante. Às vezes, estamos a encontrar momentos competitivos em que as equipas já estão a competir ao terceiro dia e torna este tema mais complexo em termos da tomada de decisão. Por outro lado, em termos de ciclos nesse período congestionado, os impactos são diferentes quando temos períodos de dois ou três jogos entre oito e 15 dias, por comparação com seis ou sete jogos em 21 a 24 dias", explicou.
Para além dos compromissos dos clubes, a nível interno e, em alguns casos, nas competições europeias, existem também os jogos das seleções e as viagens a que os jogadores estão sujeitos.
A carga de trabalho e as viagens no futebol é um tema que está a ser analisado pela Federação Internacional de Associações de Futebolistas Profissionais (FIFPro), que, num universo limitado a 1.500 atletas, está a fazer uma recolha de dados.
Ao nível das viagens, o estudo revela que o japonês Morita, que alinha no Sporting já fez, entre 01 de julho de 2023 e 31 de dezembro de 2024, mais de 228 mil quilómetros e 17 mil minutos em 41 viagens aéreas, tendo passado por 149 fusos horários diferentes.
No estudo, que não tem todos os jogadores, destacam-se também nos jogadores que alinham em Portugal o canadiano Eustáquio (FC Porto) com 125 mil quilómetros em 35 viagens e o argentino Di María (Benfica) com 123 mil quilómetros, ele que deixou a seleção da Argentina em 2024, ao contrário do colega de equipa Otamendi, que não consta nos jogadores em análise, mas é outro caso de um atleta muito sobrecarregado com deslocações.
Surgem também em destaque entre os mais viajados os benfiquistas Aktürkoglu (93.483 quilómetros), Kökçü (89.122) e Trubin (85.037), bem como os 'leões' Rui Silva (89.504), Gyökeres (81.622) e Hjulmand (68.985).
Já em relação a futebolistas lusos, no mesmo período, Cristiano Ronaldo, que alinha nos sauditas do Al Nassr, tem 113 mil quilómetros e mais de nove mil minutos em 33 viagens, enquanto João Félix (AC Milan) tem 103 mil e Rúben Neves (Al Hilal) 98 mil.
Óscar Tojo explica que as seleções têm impacto na gestão dos grupos de trabalho, não só pela competição, mas também pelas viagens a que estão sujeitos, muitas delas entre continentes, provocando desgaste e pouco tempo de repouso.
"A questão das seleções é também extremamente impactante, nomeadamente quanto aos jogadores que são mais vezes chamados, em relação às viagens que têm que fazer quando representam seleções de outros continentes, a exigência que é feita, o não respeitar das 72 horas. Penso que existe a necessidade de melhorarmos a calendarização das equipas com um maior número de jogadores neste contexto", defendeu.
O fisiologista explicou que um dos aspetos essenciais é o contacto permanente entre clubes e seleções, para que ambos os lados tenham acesso aos dados dos atletas, tipo de trabalho que realizam e planos preventivos que seguem.
"A visão que tínhamos era respeitar aquilo que o jogador tem vindo a fazer no clube, ou seja, se um jogador está há dois meses no clube com uma determinada rotina, vier connosco e de repente nós queremos introduzir outro tipo de trabalho ou componente mais preventiva, individual, eu acho que esse caminho pode ser perigoso e pode originar alguma maior exposição da lesão ao jogador", defendeu.
O outro lado é o caso de jogadores que vão às seleções, mas não jogam, sendo preciso adequar o trabalho para que o atleta mantenha as suas rotinas e hábitos em termos de carga.
"Quando o jogador chega ao clube também recebemos da maioria das federações toda a informação do trabalho que foi feito. E isso também nos permite tomar algumas decisões. Se o jogador quando chega necessita de algum dia de recuperação, se não precisa, que tipo de trabalho fez e vai fazer quando chegar, os horários de voo ou quanto tempo é que descansou", disse.
A lista da FIFPro, que está em constante atualização, é liderada pelo australiano Harry Souttar, com 258 mil quilómetros em 27 viagens, passando por 147 fusos horários diferentes, seguido pelos argentinos Cristian Romero (256 mil) e Julián Álvarez (241 mil).
Incidência de lesões musculares atesta qualidade do trabalho das equipas
A incidência de lesões musculares atesta a qualidade do trabalho nas equipas de futebol, associou à agência Lusa o fisiologista Óscar Tojo, vendo diversos desafios colocados às equipas técnicas com a crescente densidade competitiva.
"As lesões musculares são um dos pilares que nos permitem avaliar se o trabalho é feito com alguma qualidade e critério. Logicamente, aparecerão sempre em todas as equipas, mas parece-me que aquelas que têm um rácio mais baixo conseguem ter um rendimento mais elevado. Em termos classificativos, há alguma relação entre o número de lesões e o rendimento ao longo da época", referiu o ex-fisiologista da seleção portuguesa de sub-21, que fez parte em 2024/25 da equipa técnica liderada por Vítor Bruno no FC Porto.
Óscar Tojo evocou estudos científicos para sustentar que, em média, uma equipa encara sensivelmente 50 a 60 lesões por temporada, das quais 30% a 40% são musculares, ao passo que as roturas dos ligamentos cruzados dos joelhos perfazem entre 10% e 15%.
"O jogo está mais intenso e é natural que o aumento de intensidade e carga competitiva tenha reflexo num maior número de duelos e de mudanças rápidas de direção/travagens. Isso e o acumular de fadiga ao longo do período congestionado poderá levar a um maior número de lesões ligamentares, mas só o futuro nos pode dar essa resposta", adicionou, reforçando que o risco de infortúnios físicos "é mais frequente em jogo do que em treino".
A carga de trabalho no futebol foi analisada pela Federação Internacional de Associações de Futebolistas Profissionais (FIFPro), que, num universo limitado a 1.500 atletas, coloca os guarda-redes Jan Oblak (9.602), Hyeon-woo Jo (9.462) e André Onana (9.460) como recordistas de minutos de competição por clubes e seleções desde a temporada anterior.
Filtrando por jogadores de campo, os mais utilizados em encontros oficiais e particulares, incluindo tempos de compensação, entre julho de 2023 e dezembro de 2024 foram David Hancko (9.414), William Saliba (9.368) e Jhon Arrias (9.214), seguidos pelo internacional luso Bruno Fernandes (9.206), acima de Diogo Dalot (8.947) e Cristiano Ronaldo (8.845).
"Os departamentos de performance dos clubes estão cada vez mais bem apetrechados, com pessoas altamente especializadas, que permitem ao atleta ter um acompanhamento mais individualizado. Isso é muito importante para minimizar a exposição à lesão, porque nos permite ter um conhecimento mais profundo e investir numa área fundamental, que é a da recuperação. Depois, há o lado da especificidade da modalidade", disse Óscar Tojo.
Entre os jogadores da I Liga presentes no portal, quatro superaram os 8.000 minutos: os guarda-redes Diogo Costa (8.649), do FC Porto, e Anatoliy Trubin (8.623), do Benfica, o avançado Viktor Gyökeres (8.450), do campeão nacional Sporting, e o médio 'encarnado' Fredrik Aursnes (8.041), que, há um ano, renunciou à seleção da Noruega, tentando ter "mais tempo e liberdade para dar prioridade a outras coisas além do futebol" na sua vida.
Ciente que a tomada de decisão das equipas técnicas se torna mais difícil quando o intervalo entre dois encontros não respeita o período mínimo de 72 horas de descanso recomendado pela FIFA, o fisiologista lembra que o mesmo plantel tem diferentes ritmos competitivos a nível de participação no jogo em fases de elevada densidade competitiva.
"É da total responsabilidade da equipa técnica e muito desafiante ter o cuidado de olhar para toda esta complexidade e conseguir preparar esses jogadores que não estão a ser utilizados, mas podem vir a ser no futuro. Esta dinâmica de olhar para vários grupos de jogadores dentro do plantel em vários momentos é de extrema importância e desafiante, para que possam estar disponíveis a dar resposta quando o treinador decida e a equipa precise", avaliou, sem diluir "a necessidade de ganhar" inerente aos emblemas de topo.
Óscar Tojo confia que a crescente densidade competitiva "não vai voltar para trás", mas adverte que "nem sempre é fácil" gerir plantéis numerosos, apelando ao maior equilíbrio em cada posição, de modo que a rotação entre jogos não abale o rendimento da equipa.
"O segredo está muito mais aí: ter um número de jogadores muito equiparado a nível de qualidade por posição, porque permitirá ao treinador ter a preocupação de rodar de jogo para jogo sem que a equipa reduza de qualidade, não só no plano físico, mas sobretudo nos comportamentos técnico-táticos e na sincronização entre setores. Não falo tanto em elevar bastante o plantel, porque pode criar algum desconforto e os futebolistas que não são utilizados se não tiverem lesões começarão a perder um pouco o foco", enquadrou.
Os calendários de clubes e seleções habitualmente não se sobrepõem, mas vão impedir diversos atletas, incluindo de Benfica e FC Porto, de atuarem no Europeu de sub-21, que terá a participação de Portugal em junho, quase na íntegra em simultâneo com o Mundial de clubes, disputado pela primeira vez num formato quadrienal e alargado a 32 equipas.
"Outro aspeto importante vai ser as equipas B e/ou de sub-23 [dos clubes] terem alguns jogadores dispersos pelas várias posições, que já estejam num patamar intermédio e, de repente, possam ser chamados e receber a oportunidade de mostrar a sua qualidade em prol da necessidade da equipa principal. Acho que o futuro vai passar por aqui", finalizou.