![Google aceitou pedidos da China e da Rússia para remover conteúdos políticos](https://homepagept.web.sapo.io/assets/img/blank.png)
Todas as empresas de tecnologia, cujos serviços oferecidos ao cliente passem por permitir a publicação e difusão de conteúdo em plataformas de acesso público, têm um departamento para lidar com pedidos de remoção de publicações. Isso é normal e a Google não foge à regra, mas a empresa - que analisa milhares de conteúdos diariamente - parece demasiado permeável à influência de regimes autoritários.
É o que revela uma investigação do jornal britânico “Observer”aos relatórios de transparência que a própria Google disponibiliza, que mostram "um padrão preocupante" de cedência aos pedidos de países como a China e a Rússia, os quais penalizam a dissidência política de forma muito violenta, incluindo, no caso da China, com pena de morte. No caso da Rússia, com sentenças desproporcionais para os “crimes” de ativistas, não sendo raro as mortes em circunstâncias estranhas que parecem acometer unicamente as pessoas de alguma forma incómodas para o regime.
Preocupante porque, escreve o jornal, “o processo de remoção de conteúdos é opaco” e os dados que o relatório pública estão “incompletos”, o que levanta questões “sobre o papel da Google no controlo da informação pública e em áreas como a desinformação, a propaganda de guerra e a geopolítica”.
O “Observer” diz ter analisado dados para países específicos, os tipos de pedidos efectuados, quem os efectuou e em que período de tempo aconteceram. Logo depois de “ameça à segurança nacional”, a maioria dos pedidos feitos a nível global tem por base os direitos de autor, a privacidade e a segurança. Porém, “milhares de pedidos são classificados como 'outros', sem qualquer explicação adicional fornecida pela Google”, diz o jornal.
A investigação revela que, nos quatro anos até junho de 2024, a Rússia foi responsável por mais de 60% dos pedidos de remoção. O censor da internet do país, Roskomnadzor, é uma das agências governamentais que mais frequentemente se corresponde com a Google - até tem uma alcunha, “Rosco”. A pedido deste departamento russo, foi retirado um vídeo do YouTube que alegadamente expunha “a corrupção entre os políticos” e onde também, segundo o relatório, se podiam ver “algumas ameaças retóricas de ações violentas contra os alegados políticos corruptos”. Também foram retirados conteúdos escritos que “incluíam críticas à história e à política militar russa e aos feriados patrióticos russos” e que, “também incitavam à violência contra os residentes de uma cidade russa”. Um outro exemplo recolhido pela investigação mostra que a Google aceitou retirar na internet imagens de manifestantes ucranianos a queimar uma bandeira russa e de pessoas a insultar símbolos do Estado russo.
Os exemplos continuam, e passam da remoção de conteúdo para a remoção de aplicações na loja da Google. A ‘app’ criada por Alexei Navalny em 2021, opositor russo que morreu numa prisão de alta segurança em 2024, e que ensinava aos eleitores russos como votar, em cada círculo eleitoral, de forma a tentar impedir a eleição dos candidatos do Rússia Unida, de Vladimir Putin, foi removida durante o período de campanha. A Apple fez o mesmo.
No capítulo referente à China, a pedido do Ministério da Segurança Pública, que supervisiona a polícia e as redes de espionagem política interna, a Google retirou do ar mais de 200 vídeos. O ministério tinha solicitado a remoção de 412, dos quais 346 “continham alegações sobre corrupção no sistema político da República Popular da China ou histórias sobre altos funcionários do governo”, lê-se no relatório.
O Irão também enviou pedidos idênticos, mas a Google não retirou conteúdo, segundo o relatório. Os contactos da empresa com os talibãs, que desde 2021 mantêm no Afeganistão um regime extremamente punitivo e violento, especialmente para as mulheres, não estão documentados, apenas é dito que aumentaram 180% em um ano, porém a exposição da Google não oferece qualquer detalhe sobre o teor das comunicações.
A empresa admitiu que publica apenas uma parte dos pedidos, para que os utilizadores “tenham uma ideia da extensão dos pedidos”, mas a informação apresentada não é representativa. As autoridades norte-americanas fizeram mais de 12.000 pedidos de remoção desde 2011, mas a Google publicou detalhes de menos de 40 deles e não oferece qualquer informação sobre o processo de decisão por trás destas remoções.
Os críticos da empresa que falaram com o “Observer” coincidem numa opinião geral: o aumento de pedidos está ligado à importância crescente da internet na dieta mediática de cada vez mais pessoas - e à necessidade de controlo dessas mesmas fontes.
Nas palavras de Harriet Moynihan, da Chatham House, “a transparência é um assunto muito importante e só estamos a começar a perceber melhor a forma como estas empresas operam, e como utilizam os seus poderes, os seus algoritmos para mudar a balança de poder em seu favor”.
A Google defende-se dizendo que as suas equipas avaliam “sempre” a “integridade e legitimidade de um pedido governamental.”