
A conclusão consta na Nota Informativa – Análises do Setor da Saúde – Além-Fronteiras: Saúde Mental e Acesso a Cuidados de Saúde dos Imigrantes em Portugal, da autoria dos investigadores Pedro Pita Barros, da Cátedra BPI | Fundação ‘la Caixa’ em Economia da Saúde, e Carolina Santos, no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação ‘la Caixa’, o BPI e a Nova SBE.
“A desproteção financeira para despesas médicas é mais relevante nos imigrantes de fora da União Europeia (EU), bem como nos que vêm para Portugal por motivos económicos; e a saúde mental é desvalorizada tanto pelas comunidades imigrantes como pelos nativos.”
Na análise verifica-se que a prevalência de sintomas depressivos entre nativos é maior (14,8%), com os imigrantes nascidos fora da EU a atingir níveis de 9,1% e os provenientes da UE de 7,1%. As características socioeconómicas (rendimento, sexo biológico e escolaridade) também influenciam a prevalência de sintomas depressivos, verificando-se que as mulheres têm uma probabilidade 11,3 pontos percentuais superior à dos homens.
O rendimento revela-se um indicador com pouca relevância e com efeito protetor fraco nos elementos de saúde mental, já que indivíduos do escalão mais abastado (quinto quintil) têm uma probabilidade de sintomas depressivos apenas 2,7 pontos percentuais inferior aos do primeiro quintil, “contrariando a ideia de que a depressão afeta principalmente os mais afluentes”. O fator com maior efeito protetor é o número de contactos próximos a quem recorrer em caso de problema. “
Quanto aos motivos para imigração, os indivíduos que imigram para Portugal por motivos não económicos têm uma probabilidade de reportar sintomas depressivos 2,6 pontos percentuais inferior à dos nativos. Porém, é de destacar que o efeito do imigrante saudável diminui com o tempo de permanência, verificando-se que após 40 anos, os homens imigrantes apresentam uma prevalência de sintomas depressivos semelhante à dos homens nativos. Relativamente ao sexo feminino, as mulheres imigrantes continuam a relatar sintomas depressivos menos graves do que as nativas.
No que se refere à probabilidade de utilização de cuidados de saúde mental e necessidades neste âmbito não satisfeitas, o estudo revela que não existem diferenças significativas entre imigrantes e nativos. Mas, tal, “não significa que não existem barreiras de acesso, uma vez que há uma proporção substancial de indivíduos com sintomas depressivos moderados a severos que não se encontra diagnosticada ou permanece sem tratamento (seja devido à escassez de profissionais especializados, à resistência à descentralização dos serviços ou à fraca coordenação entre os diferentes níveis de cuidados de saúde)”.
Ainda de acordo com os dados analisados, 59,3% das pessoas em Portugal com sintomas depressivos clinicamente significativos não percebem que precisam de ajuda: o fenómeno afeta 69,3% dos nativos, 66,7% dos imigrantes da UE e 57,1% dos imigrantes de fora da UE.
No que toca ao acesso aos cuidados de saúde – e apesar de o SNS português ser universal e em grande parte gratuito– existem várias formas de financiamento das despesas diretas em saúde (subsistemas ou seguros privados) que podem condicionar o acesso. “Os dados analisados permitem aferir que os imigrantes nascidos fora da UE têm, em média, 4,3 pontos percentuais menos probabilidade de estar cobertos por subsistemas ou seguros privados em comparação com os nativos, não existindo, contudo, diferenças significativas entre imigrantes da UE e nativos.” De acordo com a análise, a disparidade na cobertura de saúde é mais acentuada entre os imigrantes económicos, não existindo diferenças significativas para imigrantes não económicos.
Para aferir a utilização de cuidados de saúde pelos imigrantes e nativos, foram analisados cinco tipos de serviços: internamento hospitalar, cuidados hospitalares ambulatórios, Medicina Geral e Familiar, outras especialidades médicas e cuidados de saúde mental. Verificou-se que não existem diferenças significativas na probabilidade de recorrer a serviços de internamento, revelando apenas os imigrantes nascidos fora da UE uma maior probabilidade de utilizar serviços hospitalares ambulatórios (incluindo urgências).
Já no que se refere à probabilidade de recorrer a consultas de Medicina Geral e Familiar, verifica-se que existe uma diferença negativa de 3,2 e 2,4 pontos percentuais (imigrantes da UE e de fora da UE, respetivamente), em relação aos nativos. Este ponto indicia uma menor utilização de cuidados primários e preventivos pelos imigrantes.
Ao avaliar a utilização agregada de cuidados hospitalares e consultas de Medicina Geral e Familiar, verifica-se que não há diferenças significativas entre nativos e imigrantes nascidos fora da UE. Contudo, “verifica-se que os imigrantes da UE recorrem, em média, menos do que os nativos, estando esta menor utilização provavelmente relacionada com a uma menor necessidade de cuidados, uma vez que as necessidades médicas não satisfeitas relatadas pelos imigrantes da UE não diferem das dos nativos”.
Quando a análise recai sobre o perfil verifica-se que os imigrantes não económicos apresentam uma probabilidade de internamento 3 pontos percentuais superior à dos nativos e os imigrantes económicos recorrem 3,4 pontos percentuais menos a cuidados de Medicina Geral e Familiar.
“Além-Fronteiras: Saúde Mental e Acesso a Cuidados de Saúde dos Imigrantes em Portugal” releva ainda que a deterioração do estado de saúde dos imigrantes ao longo do tempo pode estar associada não só a barreiras no acesso aos cuidados de saúde, mas também ao processo de aculturação e à adoção de comportamentos de risco, como o consumo de álcool, tabaco e a falta de exercício físico.
Em Portugal, os imigrantes nascidos na UE praticam mais exercício físico, mas apresentam uma probabilidade 6,1 pontos percentuais superior de fumar diariamente ou consumir álcool com frequência em comparação com os nativos. “Com o tempo de residência, o consumo de álcool entre os imigrantes diminui, mas a taxa de tabagismo diário aumenta, contrariando a ideia de que os imigrantes ajustam os seus hábitos aos dos nativos.”
Em suma, os dados analisados permitem concluir que os imigrantes que optam por residir em Portugal por questões económicas enfrentam barreiras no acesso a cuidados de saúde superiores às registadas pelos indivíduos nascidos em Portugal. Além disso, os imigrantes que vêm para Portugal por motivos não económicos têm uma menor probabilidade de reportar sintomas depressivos do que os nativos e têm uma cobertura para despesas em saúde equiparada à das pessoas nascidas em Portugal. “O desenho de políticas públicas capazes de mitigar as desigualdades no acesso a cuidados de saúde entre imigrantes (económicos) e nativos exige que se aprofunde o conhecimento sobre as origens e causas destas desigualdades”, concluem os investigadores.
Em 2023, a migração para países da OCDE atingiu níveis recorde (aumento de 10% na migração permanente). Portugal, desde 1990, tornou-se um país de destino para imigrantes, e em 2023, registou um saldo migratório positivo pelo sétimo ano consecutivo, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, de 2024. Os brasileiros são a maior comunidade estrangeira no país (36,9%), seguidos por angolanos (5,8%) e cabo-verdianos (5,0%) – dados Censos de 2021.
MJG
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