Há dois anos, Fernanda Gonçalves recebeu o aviso de que teria de pagar uma indemnização à rede DS, grupo empresarial a que esteve ligada durante nove anos, através de uma loja na qual investiu em Setúbal.

“No meu caso são 240.000€. É isso que me pedem.”

A empresa de intermediação de crédito, seguros e imobiliário avançou para tribunal contra a antiga agente por quebra da cláusula de exclusividade e não concorrência. Uma alínea que impede que os parceiros trabalhem nas áreas a que estiveram ligadas nos dois anos seguintes ao fim do contrato.

“Eu não tive outra hipótese que não trabalhar. As minhas alternativas eram muito poucas. Tinha oito trabalhadores, contrato de arrendamento para cumprir e despesas que iria continuar a ter mesmo fechando a loja. Não tinha plano B", acrescenta Fernanda.

Também Ana Pedras enfrenta um pedido de indemnização. Esteve 15 anos associada ao grupo, através de uma loja que pôs de pé no Barreiro. Agora está a ser obrigada a pagar 200 mil euros à rede de lojas a que esteve associada.

“É uma decisão que pode ser assustadora se pensarmos no contrato que assinámos com a DS. Quem lê aquele contrato fica assustado.”

A estratégia judicial de avançar com processos de indemnização tem sido uma prática recorrente da empresa. A Investigação SIC chegou a dezenas de casos, como o de Gonçalo Mata Vieira, a quem pediram 150 mil euros, ou Maria Cunha, que recebeu um pedido de indemnização de cerca de 109 mil euros.

“Eles amarram as pessoas à rede”

A Investigação SIC recebeu uma série de relatos que acusam o Grupo DS de utilizar os processos judiciais em curso como forma de pressão interna, para travar mais quebras de contratos.

Um colaborador da empresa, que não quer ser identificado, garante que assistiu às pressões durante reuniões de trabalho.

“Eles dizem nas reuniões quantos processos têm em tribunal. E isso é dito para incutir medo, como é óbvio.”

O relato é confirmado pelos antigos parceiros que enfrentam a empresa em tribunal.

“Eu sei de colegas meus que querem sair mas têm medo porque há ameaças veladas. Quando alguém sai e eles ganham um processo em tribunal, fazem muita publicidade interna sobre isso", conta Ana Pedras, ex-agente do Grupo DS.

Grupo DS: o “sonho” de Paulo Abrantes

O Grupo DS, - Decisões e Soluções -, foi criado em 2003 pelo empresário Paulo Abrantes, com o objetivo de prestar serviços de aconselhamento e consultoria nas áreas de intermediação de crédito, mediação de seguros e consultoria imobiliária.

“Tudo começou com um sonho, que se transformou em realidade. Um sonho de ter um serviço para a população”, diz Paulo Abrantes em vídeos promocionais da empresa.

Nos últimos vinte anos, o grupo empresarial expandiu-se através da sucessiva abertura de espaços comerciais pelo país, assentes em contratos de agência que estão na base dos processos judiciais. Atualmente, a empresa diz que está presente em 600 lojas diferentes em todo o território nacional.

“No ano de 2023, a faturação do Grupo DS foi de 32.325.000€ e as despesas gerais ascenderam a 28.469.000€. O ano de 2024 ainda não se encontra encerrado.”

Grupo DS confirma 59 processos

O Grupo DS, liderado pelo empresário Paulo Abrantes, - que recusou dar entrevista à SIC -, confirma que instaurou 59 processos judiciais contra antigos agentes por quebra da cláusula de não concorrência e exclusividade.

“No período compreendido entre 2007 e 2025, o Gruopo DS instaurou, por quebra da cláusula de não concorrência, 59 processos judiciais. Neste momento, 11 estão em curso e 48 encontram-se encerrados.”

Em resposta a uma série de questões enviadas pela Investigação SIC, o grupo empresarial garante que as ações judiciais representaram, apenas, um encaixe financeiro de 250 mil euros.

“Entre 2007 e 2025, o valor total recebido, a título indemnizatória, pela Decisões e Soluções Mediação Imobiliária, Decisões e Soluções Intermediários de Crédito, foi de aproximadamente 250 mil euros. Em todas as situações, o Grupo DS tem procurado sempre a resolução do assunto de forma extrajudicial, com valores indemnizatórios substancialmente reduzidos.”

Cláusula polémica: legal ou ilegal?

Os tribunais têm tido interpretações diversas quanto ao pagamento de indemnizações ao Grupo DS por conta da quebra da cláusula de não concorrência.

Em alguns casos, houve condenações, apesar do montante ter sido reduzido durante o julgamento ou nos recursos. Existem, no entanto, processos em que os juízes deixaram escrito que discordam dos argumentos da empresa.

Num dos acórdãos a que a Investigação SIC teve acesso, o Supremo Tribunal de Justiça censura duramente a empresa por não ter acordado uma compensação financeira antecipada de forma a salvaguardar os dois anos de não concorrência após o fim dos contratos.

"Não obstante o pacto de não concorrência, não foi acordada compensação para o período definido. Não pode ele, a troco de nada, ficar amarrado a um compromisso sem limite. Seria situação semelhante a uma pena sem fim. A pretensão ultrapassa manifestamente os limites da boa fé. Seria uma enorme injustiça, que não se aceita", lê-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justuça.

A advogada Rita Garcia Pereira explica que a cláusula é legal mas que nem todos os requisitos são válidos para a instauração das ações judiciais.

“Em tese, a cláusula é lícita. Os requisitos pressupõem, de um lado, a circunstância de ter sido feito um investimento pela empresa e, por outro lado, o pagamento aos agentes de uma compensação financeira para não trabalharem durante dois anos.”

Paulo Abrantes surpreendido pela SIC à porta do tribunal

Na semana passada, já na reta final da Investigação SIC, o empresário acabou por ceder num desses processos. A DS concordou receber pouco mais de um décimo do que inicialmente exigia.

Paulo Abrantes foi surpreendido pela SIC no dia em que ia prestar declarações ao tribunal de Almada, onde há um ano mantém uma disputa com uma ex-colaboradora. Mas, à ultima hora, o dono da empresa acabou por desistir de falar e assinou um acordo.

Não responde a nenhuma questão, mas num comunicado enviado aos colaboradores na noite de terça-feira, desvendou que já levou à justiça 59 antigos colaboradores por causa da polémica alínea. Só não diz quantos ganhou e quantos perdeu.

Ficha Técnica

  • Jornalista: Diogo Torres
  • Imagem: António Cunha, João Venda, Tiago Euzébio e Fernando Silva
  • Drone: 4KFLY
  • Edição de Imagem: Tiago Martins
  • Grafismo: Juliana Pereira e Tomé Alves

Investigação SIC: Conte-nos o que merece ser denunciado através do email investigacao@sic.pt.