Mil dias depois do início da Guerra na Ucrânia, os 27 debatem o reforço do apoio ao país invadido pela Rússia em 2022. No entanto, a Alemanha volta a rejeitar o envio de mísseis de longo alcance TAURUS e Itália deixa claro que, ao contrário dos Estados Unidos, não permitirá a utilização das armas de longo alcance que enviou para Kiev fora do território ucraniano. Só França mantém essa possibilidade em cima da mesa.
À chegada á cimeira do G20, no Rio de Janeiro, o chanceler alemão dissipou qualquer dúvida que pudesse existir. Olaf Scholz mantém a decisão de não enviar sistemas TAURUS para a Ucrânia, que pudessem ser usados para atingir o interior da Rússia, com capacidade para hipoteticamente atingir Moscovo de forma extremamente precisa. O não envio destes mísseis de cruzeiro é motivo de desacordo dentro da coligação de Governo, com os Verdes, desde logo a ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Bearbook, a defender o fornecimento deste tipo de armas a Kiev.
"O direito à autodefesa significa que não temos de esperar que um míssil atinja um hospital pediátrico ou uma escola ou mesmo um bloco de apartamentos , mas que podemos, naturalmente, proteger-nos destruindo esse terror militar assim que ele é lançado", disse esta segunda-feira, em Bruxelas, à entrada para a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros.
Baerbock considera que a decisão de Joe Biden, de permitir o uso de mísseis de longo alcance ATACMS fora da Ucrânia, é "importante neste momento". Mas a palavra final é do chanceler alemão, que justifica a posição com o perigo de escalada. A Alemanha vai a votos em fevereiro, só depois poderá haver uma revisão do fornecimento deste tipo de armas, dependendo de quem vencer.
Também Itália rejeita que o que fornece a Kiev- sejam armas de longo alcance - possa ser usado fora do território ucraniano. Roma já tinha rejeitado esta possibilidade em maio, quando Estados Unidos, França e Alemanha concordaram com o uso de armas ocidentais para atingir alvos russo em território da Rússia, mas perto da fronteira com a Ucrânia e com o objetivo de defender Kharkiv.
"Nós vamos continuar a seguir a linha que seguimos até aqui, que é a restrição do uso das nossas armas ao território ucraniano”, afirmou esta manhã o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Antonio Tajani aos jornalistas em Bruxelas, argumentado também com a necessidade de se "evitar uma escalada".
Já o chefe da diplomacia francesa, Jean-Noel Barrot, faz valer o que o Presidente de França disse em maio, quando se mostrou "abertamente" favorável a esta opção "se (isso) permitir atacar alvos a partir de onde os russos estão atualmente a agredir o território ucraniano”.
O levantamento de restrições ao uso de armas de longo alcance divide os países europeus, que, na maioria, nem sequer tem ou envia este tipo de mísseis para Kiev. O assunto foi discutido na reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, mas sem qualquer posição comum no final, até porque a decisão pertence a cada Estado Membro.
Ainda assim, o Alto Representante da UE para a política Externa, considera a decisão norte-americana "razoável", até porque para Josep Borrell, permitir que um ataque até 300 km dentro de território russo, "não parece uma distância espetacularmente profunda".
“Tenho dito repetidamente que a Ucrânia deve poder utilizar as armas que lhe fornecemos para, não só parar a flecha, mas também para atingir os arqueiros", disse ainda o espanhol que presidiu pela última vez a uma reunião de ministros.
"A história vai julgar-nos a todos"
Borrell passa em breve a pasta à estónia Kaja Kallas, mas não sem antes fazer uma última tentativa para pressionar o Governo de Benjamim Netanyahu. O chefe da diplomacia europeia propôs a suspensão do diálogo político formal entre a UE e Israel, no âmbito do existente Acordo de Associação. A proposta falhou, não houve qualquer vontade da esmagadora maioria dos países para apoiar.
"A história vai julgar-nos a todos", disse no final do encontro aos jornalistas, adiantando que "fez o que entendia que tinha de fazer". Porém, "os países acharam que deviam fazer outra coisa".
O espanhol mostra-se desiludido e preocupado com uma situação que considera "apocalíptica". "Esgotei as palavras para explicar o que está a acontecer no Médio Oriente", afirmou, recordando os números das Nações Unidas que apontam para 44 mil pessoas mortas em Gaza, 70% das quais mulheres e crianças. "A idade mais frequente das vítimas é cinco anos. Esta é uma guerra contra crianças", lamentou.
A União Europeia continua sem tomar medidas substantivas para pressionar o Governo israelita a recuar em relação a Gaza, numa altura em que a maioria dos Estados-Membros até concorda que a situação no enclave palestiniano é de catástrofe humanitária.
Países como a Áustria ou Hungria têm sido muito cautelosos nas críticas a Netanyahu. E numa altura em que França e Espanha recusam fornecer armas a Israel, Alemanha rejeitou essa possibilidade. Mas a proposta de Borrell foi rejeitada ainda por um maior número de países, incluindo Portugal.
"Nós consideramos que, por motivos de substância, e também por motivos de timing, não é o momento ideal (para) tomar este género de decisões", afirmou aos jornalistas a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, que substituiu o ministro Paulo Rangel. "Consideramos que é importante preservar o diálogo político", argumentou Inês Domingos.
Esta terça-feira é a vez dos ministros da Defesa se reunirem em Bruxelas para debater o apoio a Kiev.