A ordem para corrigir a pronúncia de José Sócrates e Carlos Santos Silva foi dada em março pelo Tribunal da Relação, que entendeu que Ivo Rosa tinha feito uma alteração substancial dos factos, em relação à acusação do Ministério Público. A juíza que substituiu o magistrado no Tribunal de Instrução Criminal entendia que devia ser o colega a cumprir a tarefa, por ter sido ele a presidir ao debate instrutório. Ivo Rosa rejeita essa tese e diz que deixou de ter competência para intervir no processo.
"O signatário deixou de ter jurisdição quanto à tramitação de todos os processos, incluindo os presentes autos, que, até então, lhe estavam distribuídos como juiz 2 do TCIC"
"Deste modo, uma vez cessada a jurisdição, qualquer acto processual que o signatário possa praticar em processos distribuídos ao juiz 2 do TCIC serão considerados como inexistentes", lê-se no despacho a que a SIC teve acesso
Em causa está o pequeno segmento através do qual Ivo Rosa mandou julgar José Sócrates e Carlos Santos Silva, apenas por seis crimes de branqueamento e falsificação, ao invés dos 32 crimes imputados pelo Ministério Público. Numa inédita consonância, os dois arguidos e os procuradores recorreram para o tribunal da Relação, com o mesmo argumento: o juiz criou uma narrativa nova, diferente da acusação, que colocava Carlos Santos Silva a corromper José Sócrates, ao invés da tese do Ministério Público que alega que Santos Silva serviu de biombo para esconder o dinheiro sujo da corrupção praticada pelo ex-primeiro-ministro.
Em março, o Tribunal da Relação deu razão aos recursos, concordando que tinha havido uma alteração substancial dos factos. Em consequência, anulou a decisão de Ivo Rosa e ordenou a descida do processo ao tribunal de Instrução Criminal para ser reformulada a decisão.
O processo foi assim parar às mãos da juíza Sofia Marinho Pires, que ocupava então o lugar deixado vago por Ivo Rosa, quando este foi promovido a desembargador. Sofia Pires, no entanto, recusou cumprir a ordem do Tribunal da Relação. Entendeu que não tinha sido ela a presidir ao debate instrutório e que teria de ser o juiz que lá esteve a desempenhar a tarefa. A juíza mandou notificar Ivo Rosa, mas quando o Tribunal da Relação devolveu a correspondência, informando que o magistrado estava de baixa, sem data prevista para regressar, Sofia Pires conformou-se e acabou por marcar data para fazer um novo debate instrutório.
Na Operação Marquês, porém, nada é simples, nem linear. Assim que Sócrates foi notificado da diligência, mandou um requerimento a avisar a juíza de que a baixa de Ivo Rosa já tinha terminado - antes ainda do magistrado ter informado que ia voltar ao trabalho - e insistiu que devia mesmo ser Rosa a pegar no processo.
A juíza concordou e, antes das férias judiciais, voltou a notificar o colega desembargador.
Ivo Rosa só decidiu esta quinta-feira. Num despacho a que a SIC teve acesso, o juiz mostra as discordâncias com o entendimento da colega de primeira instância:
“Não resulta da lei e nem do teor do acórdão proferido pelo TRL que a nova decisão instrutória tenha de ser prolatada pelo mesmo juiz que proferiu a decisão de 9-4-2021”
"Com efeito, no caso concreto o debate instrutório mostra-se realizado, não foi objecto de anulação, sendo que toda a prova produzida em sede de instrução, assim como o teor do debate, mostra-se documentado através do sistema de gravação pelo que nada obsta, em termos legais, que a decisão a proferir não esteja no âmbito de jurisdição do juiz 2 do TCIC. (…) por falta de jurisdição, o signatário está impedido de tramitar os presentes autos e de proferir o acto processual em causa.”
Ivo Rosa devolve assim o processo ao Tribunal de Instrução Criminal. Falta agora saber qual a reação da juíza Sofia Marinho Pires. Ou aceita os argumentos de Ivo Rosa ou, se discordar, abre-se um conflito de competências que terá de ser resolvido pelo Tribunal da Relação.
Quanto à parte da não pronúncia, o grosso da acusação da Operação Marquês que Ivo Rosa tinha deitado para o lixo na decisão instrutória, acabou por ser revertida pelo Tribunal da Relação, que em janeiro deste ano decidiu mandar julgar todos os arguidos, por quase todos os crimes que constavam na acusação. Passados nove meses, no entanto, ainda não há data marcada para os arguidos se sentarem no banco dos réus. O processo ainda nem chegou ao Tribunal de julgamento.