A realidade das notícias falsas — as chamadas internacionalmente de fake news — espalhadas pelas redes sociais, infelizmente, já não é novidade nenhuma. Já não bastava esta calamidade, tão irónica tendo em conta que nunca tivemos tanta informação ao nosso alcance, quando, neste princípio do ano, a Meta (detentora do Facebook, Messenger, Instagram, Threads e Whatsapp) declarou que iria acabar com o fact checking— a verificação dos factos — nas suas plataformas. Esta medida, que se trata de um lobo vestido de ovelha, pretende, segunda a Meta, aumentar a “liberdade de expressão”. No entanto, facilmente percebemos que se trata de uma medida para facilitar discurso de ódio.
Até à data, a medida será posta em prática apenas nos Estados Unidos, embora contrária à posição da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), que afirmou que tal mudança vai abrir portas para a “desinformação generalizada” e o “discurso de ódio”.
Por enquanto, pelo menos, a medida não será aplicada na União Europeia. No entanto, fontes da UE já informaram que a Meta enviou uma avaliação de impacto da medida a Bruxelas, cujo documento a Comissão Europeia já se encontra a analisar.
Não nos podemos esquecer de que as últimas eleições deram a vitória aos Republicanos, de direita. Ora, infelizmente, esta medida da Meta não surpreende, mas antes tem causado revolta e tristeza, em especial quando se tem em conta a realidade das minorias de poder. São estas que sofrem mais com o discurso de ódio, uma das quais a comunidade LGBTQIA+.
O perigo que a falta de verificação de factos tem nas minorias de poder
Embora as novas diretrizes da Meta continuem a proibir insultos sobre a inteligência de um usuário ou sobre doenças mentais, apresentam, agora, uma lacuna dentro desta medida: quando os insultos são dirigidos a pessoas LGBT. O que acabei de escrever não é um exagero, mas antes um facto. Como se pode ler nas novas diretrizes, citantando: “Permitimos alegações de doença mental ou anormalidade quando relativas ao género ou orientação sexual, discurso político e religioso sobre transgénero e homossexualidade, e permitimos o uso de palavras comuns como 'esquisito' [weird]“(Podem-se ler as novas medidas na página da Meta “Padrões da Comunidade”).
Tal lacuna, bem propositada, permite que as pessoas LGBT possam ser chamadas de “doentes mentais”, meramente por fazerem parte da comunidade. Ora, para além de cientificamente errado, esta dita “liberdade de expressão” não é nada menos do que discurso de ódio. Permitir que tal desinformação possa ser propagada, alimenta discursos homofóbicos e aumenta a insegurança para pessoas homossexuais, queer e trans.
Na verdade, a homossexualidade já foi cientificamente classificada como doença mental, tendo sido chamada de “homossexualismo”. Felizmente, em 1972, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais. Passado oito anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) seguiu o exemplo. Já em 2014, a associação ILGA realizou um estudo chamado “Saúde em Igualdade — Pelo acesso a cuidados de saúde adequeados e competentes para pessoas lésbicas, days, bissexuais e trans” que contou com 600 inquéritos. Desse grupo, 249 das pessoas inquiridas estaca a ser seguida a nível da psicologia e psicoterapia, sendo que pelo menos 27 pessoas — o que corresponde a 11% — relatam que o/a profissional de saúde lhes sugeriu que a homossexualidade se tratava de uma doença curável.
Também eu tive esta infeliz experiência com uma psicoterapeuta com quem fiz consultas há três anos que teve um discurso totalmente homofóbico. Para quem já tem de lidar com comentários preconceituosos no seu dia-a-dia, chegar a um consultório médico e também lá os ouvir, é de uma crueldade e falta de profissionalismo descomunal e condenável. Por favor, façam queixa dos profissinais de saúde que tenham este tipo de discurso.
Tendo em conta este panorama conservador que categoriza a comunidade LGBT como sendo um perigo para a sociedade, em vez de admitir que quem corre constante perigo é a comunidade LGBT, não me admira nada que os grandes poderosos das redes sociais criem uma lacuna nas diretrizes para que se permita discurso de ódio sem qualquer restrição contra as pessoas LGBT. O palco da sociedade sem o véu da vergonha da confrontação física continuará a ser as caixas de comentários.
Esta medida que ataca diretamente a comunidade LGBT pode ser corroborada pelo facto de já ter havido uma mudança de denominação dos temas do Messenger ligados à comunidade. “Orgulho” passa a chamar-se “Arco-Íris”; “Transgénero” passou a “Algodão doce”; enquanto o tema “Não-binário” se chama agora “Pôr-do-sol” dourado. Ora, estas novas denominações absurdas não são nada menos do que censura.
Por muito que esta medida venha de uma esfera conservadora, não nos podemos esquecer de que também há pessoas LBGT de direita. Assim sendo, estas novas diretrizes não são meramente de direita, são contra a empatia. Como escreveu Nuno Markl “A orientação sexual não escolhe orientação política e todos conhecemos pessoas em todos os quadrantes políticos de todas as orientações sexuais.” Quantas pessoas de direita não estarão a sentir uma necessidade de reprimir a sua orientação sexual?
Permitir discurso de mero ódio contra as minorias, simplesmente por causa de características das pessoas que são, não é promover liberdade de expressão, é potenciar uma sociedade em que reina o ódio e a empatia é opcional. As pessoas LGBT não são um perigo, nem a sua orientação sexual é uma doença por tratar. A orientação sexual de alguém é uma mera característica.
É vital que haja uma moderação dos discursos online, para que possamos proteger as minorias de poder. A liberdade de expressão tem limites: quando se dizem barbaridades que põem, literalmente, a vida de pessoas em risco.
Link úteis
- Notícia do Expresso sobre o fim da verificação de factos
- Novas Diretrizes Meta
- Notícia no Observador sobre Estudo de 2014 sobre os médicos (mal informados) que ainda vêm homossexualidade como doença
- Notícia da NBC, sobre como as novas diretrizes permitem que as pessoas LGBT possam ser chamadas de “doentes mentais”
- Notícia do Público sobre a mudança de nomes dos temas do Messenger ligados à comunidade LGBT