A morte, quando chega, é para todos. Mesmo para aqueles que deixaram obra perene. Por isso resulta tão estranho dizer que Maria Teresa Horta morreu, ela que marcou a poesia e a literatura portuguesa, sobretudo feminina e resistente, de um modo que historicamente corresponde a uma gravação na pedra. Já tinha feito os 87 anos quando a BBC, em dezembro, a incluiu numa lista das cem mulheres mais influentes e inspiradoras deste (também seu) tempo. Por cá, soaram as sirenes do reconhecimento exterior e ela foi notícia em todos os meios nacionais, que replicaram o feito.

Mas Maria Teresa Horta sempre foi influente e inspiradora. Como poeta nasceu em 1960,com “Espelho Inicial”, o primeiro livro, publicado por António Ramos Rosa. Seguir-se-iam mais 37, entre poesia, conto e romance. Foi ela uma das Marias – e a última - que, junto com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, publicou em 1971 as “Novas Cartas Portuguesas”, cuja editora foi a também poeta Natália Correia e que a PIDE apreendeu por ofensa aos costumes, com direito a um longo processo judicial, que teve ressonâncias internacionais e que só culminaria em maio de 1974, após o 25 de Abril.

Antes, construíra uma amizade inseparável com Fiama Hasse Pais Brandão e feito parte do núcleo formado por Gastão Cruz e Luíza Neto Jorge, os criadores da “Poesia 61”, uma revista que “rompia com a tradição poética discursiva, ornamental (...), introduzindo na poesia a dimensão do corpo e do erotismo”. Reuniam-se no T1 que Gastão Cruz apelidava de “salão da Teresa”, e que acolheria também Herberto Helder. “Não escreveria como escrevo sem esse encontro”, confessaria Maria Teresa, que conheceu também Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro, à jornalista Patrícia Reis numa das longas entrevistas que deram origem à biografia “A Desobediente”, publicada pela Contraponto em 2024.

Nascida em Lisboa, a 20 de maio de 1937, filha de Jorge Horta, um médico em cujo escritório Teresa começou a escrever, e da complexa Carlota Maria Mascarenhas, neta do 9º marquês da Fronteira, a poeta tinha também a Marquesa de Alorna entre os seus antepassados. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi jornalista no “República”, no “Diário de Lisboa”, em “A Capital”, no “Diário de Notícias”, e amiga de Urbano Tavares Rodrigues, de José Cardoso Pires, de David Mourão-Ferreira e de Carlos de Oliveira. A vida nas redações não era fácil para as mulheres, como não o era, aliás, em nenhum setor da sociedade portuguesa antes, e mesmo depois, do fim da ditadura. E a censura recaiu sobre ela várias vezes, nomeadamente em 1971, quando a D. Quixote editada por Snu Abecassis lhe publicou “Minha Senhora de Mim”. Banido por imoral, foi por ele atacada e espancada na rua.

Casou-se com o estudante de Direito Luís de Barros, depois de passar por um divórcio atribulado do primeiro marido, que lho negou e a trancou em casa. Conheceu-o num café de Lisboa e foi o amor da sua vida, a quem dedicaria os seus livros, e que lhe morreu nos braços. Tiveram um filho em 1965, Luís Jorge, que lhe daria dois netos, e que segundo a citada biografia lhe perguntava: “Mãe, acabaste de fazer o poema?”

Após o 25 de Abril, Maria Teresa Horta foi uma das fundadoras do Movimento de Libertação das Mulheres (MLM), que pretendia mudar as mentalidades quanto ao respeito pelos direitos das mulheres no país - mesmo dentro do Partido Comunista, ao qual esteve ligada durante 14 anos – e que, em 1975, organizou uma manifestação histórica no Parque Eduardo VII, em que dezenas de homens rodearam e agrediram as ativistas. É bastante consensual que esta militância feminista terá atrasado o seu reconhecimento como escritora, pelo menos até ao ano 2000.

Mas ela conhecia o seu valor. Em 2014 recusou o Prémio Oceanos por não considerar justo ter de o partilhar com o escritor Bernardo Carvalho. O mesmo livro, “Anunciações” venceria, em 2017, o Prémio Autores. Em 2021, a sua obra “Estranhezas”, a última que publicou, ganhou o Prémio Literário Casino da Póvoa. As distinções oficiais também apareceram: em 2004, recebeu das mãos do então Presidente da República, Jorge Sampaio, a Ordem do Infante D. Henrique; em 2020, o Ministério da Cultura atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Cultural; e em 2022 foi agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. Em 2024, foi a primeira mulher a receber o Prémio Rodrigues Sampaio, atribuído pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.