Nasceu em Cascais, em 1976. Atualmente, é conhecida por ser uma das mais prestigiadas jornalistas de investigação, muito graças à série documental que protagoniza e recentemente galardoada com o Critics Choice Awards 2024: Na Rota do Tráfico.
O interesse pelo jornalismo surgiu quando tinha apenas 12 anos. À SIC Notícias, Mariana Van Zeller conta que a infância foi marcada pelos momentos em família, sempre a assistir à emissão do Jornal da Noite da SIC. “Era algo obrigatório”, começa por dizer com entusiasmo.
“Lembro-me de estar a ver os pivôs na televisão a falarem sobre o mundo inteiro, do que se estava a passar no Brasil, na China, nos Estados Unidos... E eu achava sempre que aquelas pessoas eram as mais inteligentes do mundo. Foi aí que decidi que queria ser exatamente como elas. Queria ser uma pessoa com muita, muita informação. Foi nessa altura que percebi que queria ser jornalista”.
Foi com esse sonho que decidiu tirar uma licenciatura em Relações Internacionais na Universidade Lusíada de Lisboa, pois, segundo Van Zeller, “sabia que seria um bom curso, que lhe daria muita cultura geral e uma boa base para o jornalismo”.
“Aprendi imenso ao estar rodeada dos grandes nomes do jornalismo português”
No ano de 2000, logo após a graduação, “bateu à porta” do Grupo Impresa, na altura a funcionar em Carnaxide, onde estagiou durante seis meses na SIC, mais concretamente, em histórias do foro internacional. Revela-nos que terá sido por essa altura que a ânsia por fazer reportagens no terreno surgiu.
Após o nascimento da SIC Notícias, em 2001, Mariana Van Zeller aceitou começar a trabalhar para o mesmo canal no programa de viagens “Exit”. Foi com esse projeto que iniciou as suas primeiras viagens internacionais enquanto jornalista.
“Foi uma experiência incrível. Depositaram imensa confiança em mim. Eu não tinha experiência nenhuma em jornalismo e disseram-me: ‘olha, podes ir fazer reportagens, vai para o terreno, viaja pelo mundo… E claro que aprendi imenso ao estar rodeada dos grandes nomes do jornalismo português, aqueles que eu conhecia por ver na televisão”.
Meses depois, Van Zeller, na altura com 25 anos, mudou-se para Nova Iorque para lutar por uma vaga no mestrado em Jornalismo da Columbia University Graduate School of Journalism.
Ao transmitir em direto informação sobre o atentado de 11 de setembro de 2001, Mariana Van Zeller teve a certeza de que a sua carreira teria mesmo de ser no jornalismo de investigação e de que o seu propósito seria sempre tentar contextualizar as tragédias que acontecem no mundo.
Da Síria para o Mundo
Durante o mestrado na Columbia University descobriu que existia uma coisa chamada documentários, algo a que não tinha tido acesso em Portugal. O fascínio que desenvolveu por esse género de produção cinematográfica levou-a a realizar um documentário como projeto de final de curso que foi indicado como um dos melhores da universidade. Consequentemente, Van Zeller recebeu uma bolsa que lhe permitiu viajar e trabalhar em Inglaterra.
Ficou radicada nesse país durante alguns meses até que, em março de 2003, se deu a invasão do Iraque, liderada pelos Estados Unidos da América. Movida pela sua constante curiosidade, Mariana mudou-se para a Síria, onde iniciou um curso de árabe na Damascus University.
“Eu sabia que, enquanto jornalista freelancer, queria estar perto da ação e a Síria ia ser esse centro durante muitos anos, principalmente em termos de notícias”.
“Penso que o que nos move, a nós jornalistas, é a procura da verdade, sabermos que é uma das profissões mais importantes do mundo, que nós somos indispensáveis para a saúde da democracia. Sou uma pessoa super curiosa e digo sempre que não acredito que me arranjem um trabalho em que me paguem para satisfazer a minha curiosidade”.
A ideia de conseguir entrar nos submundos criminais e ilegais sempre a cativou. Admite que, tal como o 11 de setembro, a Guerra no Iraque também se transformou num incentivo para que prosseguisse uma carreira na qual tivesse acesso aos mercados negros mundiais.
“São mundos que conhecemos pouco. São mundos escondidos, mas que têm um impacto muito grande na nossa vida. O 11 de setembro mudou completamente o curso da história e eu sabia que, enquanto jornalista, tinha de estar ali, [na Síria]”.
A solução foi enviar tapetes para a mãe vender
Mariana Van Zeller assume que esta não foi uma experiência fácil, principalmente pela falta de recursos financeiros. A solução que encontrou na altura foi enviar tapetes sírios para a mãe, a morar em Portugal, de forma a conseguir vendê-los. “E foi assim que consegui sobreviver durante vários meses”, conta.
Apesar das dificuldades, foi no Médio Oriente que a jornalista gravou a sua primeira reportagem. Com apenas uma pequena câmara, contou a história dos jihadistas sírios que, na altura, estavam a passar a fronteira para o Iraque para lutarem contra a invasão norte-americana. Ao seu lado esteve sempre o namorado – atual marido – Darren Foster, também jornalista e produtor da National Geographic.
“Conhecemo-nos na Columbia University, ambos com o sonho de um dia virmos a ser jornalistas. Viajámos juntos pelo mundo durante oito anos… pela Amazónia, Sri Lanka, África, por todo lado. Tivemos a oportunidade espetacular de nos apaixonarmos e, ao mesmo tempo, de concretizarmos o nosso sonho. Foi muito, muito especial. A nossa maior dádiva, o nosso filho Vasco, veio depois”.
O sucesso do documentário sobre os jihadistas fez com que o canal de televisão britânico Channel 4 o quisesse comprar. Porém, com uma condição: Van Zeller tinha de gravar algumas cenas em frente à câmara, tal como fez durante o direto no 11 de setembro. Os nervos tomaram conta de si, mas isso não a impediu de finalizar a peça.
“Lembro-me perfeitamente de estar à frente da câmara e de ter de repetir várias vezes o mesmo. Não conseguia dizer duas coisas juntas, o meu marido estava a ficar super frustrado e eu dizia-lhe: 'desculpa, mas é super difícil falar com uma câmara a olhar para ti'”, recorda soltando uma gargalhada.
“Na altura, penso que estava a querer ser uma Christiane Amanpour (jornalista e apresentadora de televisão britânico-iraniana). Achava que tinha de ser super profissional, dar um ar de grande experiência… E passado algum tempo descobri que não era bem assim. Percebi que quanto mais autêntica eu fosse e mais me guiasse pela minha própria curiosidade, melhor seria”.
Os incontáveis mercados negros do Planeta
Depois da Síria, seguiu-se o Brasil – onde gravou um documentário sobre uma mina de diamantes ilegal – Nigéria, Serra Leoa, México, Gaza, entre tantos outros países onde Mariana realizou diversas reportagens sobre os incontáveis mercados negros do Planeta.
Os Estados Unidos, onde vive há 24 anos, tornaram-se também pano de fundo para muitas das histórias que relata. Em 2010, por exemplo, venceu o Peabody Award com a reportagem ‘The OxyContin Express’, sobre o abuso de distribuição de fármacos psicoativos em clínicas da Flórida.
Mariana conta que, com a realização desse documentário, o Congresso da Flórida chegou mesmo a alterar algumas leis relativas à indústria farmacêutica do Estado. Esta conquista revelou-se de extrema importância, uma vez que os Estados Unidos da América estão, tal como afirma a jornalista, a viver “uma das maiores crises de opioides da sua história”.
Tendo em conta o seu interesse pelo submundo do narcotráfico, nada lhe fazia mais sentido do que explorar os carteis do México. Em 2011, chegou a conhecer e investigar o cartel mexicano de Sinaloa, terra natal do famoso traficante de droga Joaquín Guzmán, mais conhecido como El Chapo.
Mais tarde, em 2017, voltou a ser premiada com o documentário ‘Death by Fentanyl’, no qual investigou as fontes farmacêuticas e clandestinas do fentanyl.
Estas e muitas outras investigações atribuíram-lhe o mérito e o reconhecimento que hoje tem enquanto jornalista, mas também enquanto mulher.
Ser mulher num mundo de homens
Mariana Van Zeller é muitas vezes questionada sobre o facto de ser uma mulher jornalista que tem curiosidade em entrevistar os maiores criminosos do mundo, sendo estes maioritariamente homens. A verdade é que o perigo e a ameaça reinam na maioria dos dias de trabalho desta jornalista. Porém, à SIC Notícias afirma que “costuma usar o machismo em seu benefício”.
“No meu trabalho, o machismo ajuda bastante. Os homens veem as mulheres como menos ameaçadoras. Subestimam-nos. Há uma subestimação constante de nós, mulheres. E isso ajuda-me às vezes, porque eles não estão à espera que eu faça perguntas difíceis ou acham que vou ter medo de ir para determinado sítio. Isso ajuda-me bastante”.
Nunca sentiu que o seu trabalho fosse menos valorizado por ser mulher. Na verdade, considera que uma das características “mais femininas” que tem e que lhe permite fazer o seu trabalho “é a empatia”.
Compreender um criminoso
Mariana Van Zeller iniciou a parceria com o National Geographic em 2011, num programa intitulado ‘Explorer’. Já a série documental ‘Na Rota do Tráfico’ estreou em 2020, fruto da constante vontade da jornalista em fazer reportagens sobre mercados negros.
“O National Geographic é um canal que explora o mundo e os mercados negros são uma das partes mais escondidas e escuras do nosso mundo”, explica.
“Foi por isso que decidimos criar a série. Além disso, como jornalista que viaja pelo mundo, tenho sempre a oportunidade de mostrar um bocadinho de Portugal. Estou sempre a falar de Portugal. Quando me perguntam de onde sou, embora viva nos Estados Unidos há 24 anos, digo sempre que sou portuguesa e tenho um grande orgulho nisso”.
‘Na Rota do Tráfico’ já conta com quatro temporadas, sendo que cada episódio explora um mercado negro diferente, desde drogas, armas, terrorismo, burlas, corridas e lutas ilegais, tráfico de animais exóticos ou até mesmo de órgãos.
Van Zeller revela que já está em gravações para a quinta temporada da série. Quando questionada sobre a quantidade de mercados negros que ainda existem por explorar e a forma como a mesma os descobre, a jornalista não hesita.
“Mercados negros existem à nossa volta, por todo o lado, em todo o mundo. E eles têm um impacto enorme nas nossas vidas. Não é difícil encontrá-los. Existe muita coisa ilegal. Existem muitas pessoas no mundo envolvidas em coisas ilegais”.
“Quase metade da economia global são estes mercados negros ou cinzentos, informais”
“Acho que as pessoas não sabem, mas quase metade da economia global são estes mercados negros ou cinzentos, informais. E existem redes de televisão e organizações inteiras que medem tudo o que se passa na economia formal, mas não existe muito estudo e análise sobre o que é que se passa nestas economias informais. E é isso que eu faço”.
Mesmo tendo testemunhado vários crimes a serem perpetrados, desde apostas ilegais a extorsão sexual, Mariana afirma com certeza que “ninguém nasce a querer ser um criminoso”. Sendo assim, o que leva a maioria dos seus entrevistados a entrarem no mundo do crime?
Condenar a ação e não a pessoa. Compreender as razões por trás do crime. São esses os motes para Mariana Van Zeller, sobretudo quando percebe que a maioria dos seus entrevistados não deixa de ter “humanidade”, ainda que sejam considerados criminosos.
“Se houvesse outra solução, tenho a certeza de que muitos deles a teriam encontrado. Se houvesse outra solução para o menino de 16 anos que estava a carregar cocaína dias e dias a fio, sem dormir, sem comer, a ver os seus amigos morrerem… Ninguém opta por uma vida dessas”.
Conseguir convencer estas pessoas a falar é um dos maiores desafios que o seu trabalho apresenta. “Pode demorar meses, às vezes anos, até conseguirmos ter acesso às pessoas. Eu digo sempre que para cada ‘sim’ que recebemos, recebemos dezenas de ‘nãos’”, realça. E, para Mariana, existem três motivos pelos quais as pessoas aceitam falar com ela.
“O primeiro é o ego, o poderem gabar-se do que fazem. O segundo é a impunidade. Em muitas partes do mundo existe impunidade e estas pessoas sabem que muito possivelmente não vão ser descobertas ou que não lhes vai acontecer nada ao falarem para um canal tão reconhecido como o National Geographic. O terceiro motivo, que eu acho o mais importante, é esta necessidade que todos nós temos de querer ser compreendidos. Eles sabem que são considerados os maus, os criminosos, e nós damos-lhes a oportunidade, por detrás de uma máscara, de nos explicarem porque é que fazem o que fazem”.
“O nosso trabalho enquanto jornalistas não é denunciar, é procurar a verdade”
A jornalista esclarece que tem os seus limites e que nunca aceitaria ver alguém a maltratar um ser humano ou um animal. Nesses casos, denunciaria a ação. Porém, todas as entrevistas que realiza são feitas a pessoas que apesar de estarem envolvidas em mercados negros, não estão a cometer nenhum crime no momento.
“O nosso trabalho enquanto jornalistas não é denunciar. O nosso trabalho é procurar a verdade. A polícia, as autoridades e os governos sabem que aquela droga vai chegar ao outro lado e sabem exatamente como é que é feita e muitas vezes até sabem quem a faz e quem a transporta. É muito mais importante, para nós jornalistas, criar um alerta, mostrar como é que é feito com a esperança de que isso mude alguma coisa, de que isso mude o sistema. Temos de ter, enquanto jornalistas, um impacto muito maior”.
A procura pela humanidade nas pessoas é uma constante na vida e no trabalho de Van Zeller. Porém, destaca-nos uma entrevista em que isso lhe pareceu ser impossível.
É em situações como esta que Mariana tenta sempre lembrar-se que antes de ser jornalista, é um ser humano. Mãe. Mulher. E com esse pensamento, sabe que a sua segurança e até a dos seus entrevistados deve ser mantida acima de tudo.
Com uma carreira de mais de 20 anos, tem vindo a perceber que uma das suas características mais importantes é a persistência. “Foi muito importante para o início do meu trabalho, para vir a ser jornalista e é muito importante hoje em dia para conseguir fazer as reportagens que quero fazer”, assume.
Além disso, garante que, embora as suas investigações sejam feitas “em mercados negros, nos sítios mais escondidos e deprimentes, existe sempre humanidade e existem pessoas boas até nos lugares mais escuros do mundo”.
“É importante que eu tenha uma imagem positiva do mundo, sabendo que até à margem da sociedade existem pessoas que são redimíveis, que são humanas. Eu acho que isso me tem dado um grande otimismo sobre o futuro da humanidade”.
Para sustentar a sua afirmação, Van Zeller partilha a forma como a sua série tem ajudado não só os espectadores – a não caírem em esquemas de burla, por exemplo – mas também alguns dos seus entrevistados que optaram por sair da vida do crime após terem conversado com a jornalista, incluindo um assassino que conheceu na África do Sul.
“Portugal está sempre dentro de mim”
A quarta temporada de ‘Na Rota do Tráfico’ conta com dez episódios e um deles foi gravado em Portugal. Intitulado “Traficantes de Haxixe”, o episódio aborda a popularidade crescente desta droga aparentemente leve. Por sua vez, Mariana Van Zeller segue o rasto dos traficantes das montanhas de Marrocos até aos compradores na Europa, incluindo os portugueses.
Apesar de estar a morar nos Estados Unidos da América há mais de 20 anos, a jornalista assume que ainda se sente em casa quando vem a Portugal uma vez por ano. Foi numa dessas viagens que Mariana visitou o lugar onde tudo começou e conversou connosco – a redação da SIC Notícias.
“Embora não viva em Portugal há 24 anos, continua a ser a minha terra. É onde me sinto mais eu, mais Mariana. Portugal está sempre dentro de mim, onde quer que eu vá no mundo”.