Gisèle Pélicot recordou em tribunal o momento em que descobriu que, durante anos, o marido a drogou e contratou homens para a violar. A mulher, agora com 72 anos, descreve ter-se sentido como “uma boneca de trapos” às mãos de mais de 80 estranhos.
O dia em que tudo mudou
A vida de Gisèle mudou em novembro de 2020, quando o marido foi apanhado por um segurança de um centro comercial a filmar debaixo das saias de várias mulheres. Mas a história macabra não fica por aqui. Durante a investigação, as autoridades descobriram um ficheiro chamado “abusos” numa unidade USB ligada ao computador de Dominique Pélicot.
No interior desta pasta estavam 20.000 imagens e filmes da mulher, Gisèle, inconsciente e a ser violada em quase 100 circunstâncias diferentes por mais de 80 homens. Ao recordar o momento em que a polícia lhe mostrou as provas, a francesa diz que o seu mundo “se desmoronou”.
“Era como se estivesse morta na cama”
“O meu mundo desmoronou-se. Para mim, tudo estava a desmoronar-se. Tudo o que eu tinha construído ao longo de 50 anos”, cita o The Guardian.
“Trataram-me como uma boneca de trapos, como um saco de lixo. Quando vejo aquela mulher drogada, maltratada, era como se estivesse morta na cama”, contou em tribunal, acrescentando que violação não era uma palavra suficientemente forte para descrever o que passou.
A francesa conta ainda como, quando descobriu o que o marido lhe fizera, teve vontade de tirar a própria vida.
“Já não sei quem sou nem se algum dia vou voltar a reconstruir-me.”
Gisèle abdicou do seu direito à anonimidade para que o julgamento deste caso pudesse ser público. Quer certificar-se de que “mais nenhuma mulher sofre” como ela sofreu.
Marido já admitiu a culpa: “Ofereci-a”
Esta semana, o marido, Dominique, assumiu em tribunal a culpa: “Droguei-a, ofereci-a e filmei”.
As autoridades alegam que, entre 2011 e 2020, Dominique misturou comprimidos de dormir e ansiolíticos no jantar e no vinho da mulher, contactando - através de chats na internet - homens que estivessem dispostos a violá-la.
Estes homens, mais de 80, eram instruídos por Dominique a não colocar perfume nem a fumar, para que o cheiro não despertasse a mulher e, se esta mexesse nem que fosse um braço, deviam abandonar a casa do casal, onde os crimes ocorreram.
Em consequência das violações, Gisèle foi infetada com várias doenças sexualmente transmissíveis.
Até ao momento só foi possível identificar 50 dos mais de 80 homens que participaram nas violações. Entre os homens em julgamento - com idades dos 26 aos 73 anos na altura dos crimes - há vereadores, enfermeiros, um jornalista, um antigo polícia, um guarda prisional, um militar e um bombeiro. Destes, muitos viviam em Mazan, a pequena aldeia de seis mil habitantes onde viviam Gisèle e Dominique.
É esperado que o julgamento dure cerca de quatro meses. Dominique e os restantes homens arriscam penas de 20 anos de prisão.