A recusa de Donald Trump e de uma boa parte do Partido Republicano em aceitar a derrota nas eleições presidenciais de 2020 teve um impacto profundo na sociedade norte-americana, mas as consequências mais práticas passam pela forma como as eleições são organizadas em vários estados. Este ano, Trump já avisou que acredita que os democratas vão “fazer batota” outra vez. E os apoiantes do ex-Presidente, ainda convencidos que a eleição anterior foi roubada, não esperaram por novembro para preparar uma nova contestação dos resultados.

Em vários estados conservadores, líderes locais do Partido Republicano ligados a Trump passaram a ocupar cargos em comissões de voto locais, dos condados rurais mais pequenos aos maiores centros urbanos do país. O objetivo é simples e assumido: em vez de tentar influenciar a eleição ao nível nacional, os conservadores querem estar presentes na própria contagem dos votos.

Há quatro anos, a pandemia da Covid-19 levou muitos eleitores a optar pelo voto antecipado ou pelo voto por correspondência. Foram precisos quatro dias para os órgãos de comunicação oficializarem a vitória de Joe Biden e a demora na contagem dos boletins foi um dos fatores que mais contribuiu para as teorias de conspiração eleitorais, promovidas pelos seguidores de Trump.

Não é expectável que o número de votos não-presenciais volte a ser tão grande. Mesmo assim, é improvável que se conheça o vencedor na madrugada de 5 de novembro. Apenas uma vitória esmagadora de um dos candidatos impedirá um novo período de tensão eleitoral e todas as sondagens apontam para uma das eleições mais renhidas de sempre nos EUA. Por isso, vejamos quais as regiões onde se espera que a contagem dos votos seja mais morosa, mais chata e mais demorada.

Voto antecipado na Geórgia começou no dia 15 de outubro e prolonga-se até ao dia 1 de novembro
Voto antecipado na Geórgia começou no dia 15 de outubro e prolonga-se até ao dia 1 de novembro Megan Varner/Getty Image

Três comissários pró-Trump estão a mudar como se vota na Geórgia

Veja-se o caso da Geórgia. Há quatro anos, Biden venceu o estado por apenas 11 mil votos. Trump, na altura Presidente, ligou ao secretário de Estado Brad Raffensperger para “encontrar” mais votos e os seus advogados tentaram mudar os eleitores do Colégio Eleitoral, mas nada resultou - Trump e os seus aliados estão a ser julgados em tribunal pela tentativa de reverter o resultado neste estado.

Desde então, os republicanos na Geórgia têm procurado alterar o processo eleitoral de forma a beneficiar Trump no dia 5 de novembro. Através da maioria de 3-2 que têm na comissão eleitoral estatal, aprovaram várias medidas que dificultam o registo eleitoral a minorias étnicas e que tornam o voto mais moroso e burocrático. No início do ano, os três republicanos chegaram a ser criticados por se reunirem secretamente para planear um aumento do número de observadores republicanos, sem o conhecimento dos outros dois membros, apontou o USA Today.

Em setembro, a dois meses das eleições, a comissão aprovou uma medida que obrigava as comissões de voto a contar à mão todos os boletins eletrónicos, recorrendo apenas a três trabalhadores por secção - algo que vários democratas, entidades locais e o secretário de estado regional apontaram ao New York Times que seria um risco, dado o potencial de serem cometidos erros pelos trabalhadores e a consequente longa espera até os resultados serem conhecidos.

Um juiz na Geórgia acabou por bloquear a lei esta terça-feira, por considerar que a decisão foi tomada demasiado próxima das eleições presidenciais e com o processi do voto antecipado já iniciado, mas não fechou a porta a que a medida fosse aplicada nos próximos sufrágios. O mesmo magistrado bloqueou outra proposta da comissão que daria às autoridades locais (maioritariamente republicanas) o poder de recusar a certificação dos resultados.

Os entraves criados pelos três republicanos na comissão eleitoral da Geórgia têm sido tão mediáticos que Donald Trump até sabe de cor quem são os membros. Num comício em Atlanta em agosto, o candidato republicano à Casa Branca elogiou-os por estarem a fazer um “grande trabalho”, descrevendo-os como “pitbulls a lutar pela honestidade, pela transparência e pela vitória”.

Curiosamente, apesar da pandemia já ter ficado para trás, os eleitores da Geórgia já bateram o recorde de votos antecipados no estado nos primeiros dias em que a modalidade ficou disponível. Segundo a Associated Press, mais de 600 mil pessoas votaram esta semana na região, sendo que, em 2020, o número total de votos no estado superou os 5 milhões.

Votar no Arizona vai obrigar a muita leitura e paciência

O Arizona é outro estado crítico para as eleições, um dos chamados “swing states”, onde muita gente vota através de boletins por correio e onde a diferença nas sondagens entre Donald Trump e Kamala Harris é muito pequena (Biden venceu o estado por uma diferença inferior a 11 mil votos, o que demonstra o quão renhido o estado se tornou).

Também aqui os republicanos tomaram uma série de medidas que, não impedindo o voto, tornam o processo de o contar muito mais complicado, e os democratas na região têm argumentado que a complexidade do processo pode resultar em erros humanos.

Em fevereiro, a legislatura estatal, controlada por conservadores, decidiu que os boletins enviados pelo correio têm de ser contados à mão antes de serem processados no próprio dia das eleições - no condado de Maricopa, o maior da região, estima-se que meio milhão de pessoas votem antecipadamente por correio, segundo o Brennan Center for Justice. Os eleitores do Arizona terão de escolher candidatos para o cargo de Presidente, para cargos estatais e para cargos municipais; e, além disso, para evitar o poder de veto da governadora democrata Katie Hobbs, o congresso estatal republicano vai referendar mais de uma dezena de iniciativas junto do eleitorado.

Tudo isto tornará o boletim de voto no Arizona num conjunto de decisões que se explicam em quatro páginas A4. Ora, num estado onde as eleições são frequentemente decididas por uma diferença de algumas centenas de votos, é mais do que provável que o resultado final só seja conhecido dias depois da noite eleitoral - e, segundo a CNN, teme-se que, como em 2020, a paciência dos eleitores seja testada durante todo o processo.

Michigan e Carolina do Norte modernizam sistemas, mas tomam caminhos distintos no voto antecipado

Ambos os partidos têm demonstrado posições distintas no que diz respeito ao voto pelo correio e ao voto presencial antecipado: enquanto os conservadores tendem a votar apenas no dia da eleição, os norte-americanos mais progressistas tendem a adotar outras modalidades de voto com maior frequência. As diferenças sobre quem manda e quem redige as leis eleitorais nos “swing states” são notórias comparando o Michigan e a Carolina do Norte.

Começando pelo Michigan, o estado já era liderado por uma governadora democrata, Gretchen Whitmer, e virou completamente para os democratas depois de Joe Biden ter conquistado a região por uma diferença de apenas 2,78 pontos percentuais; nas eleições intercalares de 2022, o Partido Democrata obteve uma maioria em ambas as câmaras do Congresso estatal, fazendo o ‘hat-trick’.

Os democratas aproveitaram a hegemonia na região para mudar radicalmente a política eleitoral no Michigan e aprovar uma série de medidas com vista a acelerar a contagem dos votos no dia 5 de novembro. A partir deste ano, as assembleias de voto com mais de 5.000 eleitores podem começar a contar os votos por correspondência oito dias antes da eleição (locais com menos eleitores podem começar a fazê-lo no dia 4 de novembro). Além disso, os cidadãos do estado aprovaram uma alteração à constituição estatal, que expande o voto presencial antecipado, agiliza a verificação digital desses boletins no dia das eleições e permite que os eleitores levem os boletins já preenchidos para serem digitalizados.

Em agosto deste ano, as mudanças surtiram o efeito desejado. A área metropolitana de Detroit (a maior cidade do Michigan) apresentou os resultados de 80% dos votos por correio às 22h30 da noite eleitoral - em 2020, foi preciso esperar até ao final do dia seguinte para que a vitória de Biden fosse confirmada, e a demora levou uma multidão de apoiantes de Trump a protestar em assembleias de voto em zonas urbanas de maioria democrata.

A Carolina do Norte decidiu ir no sentido inverso. O governador da região, Roy Cooper, é um democrata, mas o Partido Republicano tem a maioria dos membros do Senado e da Câmara dos Representantes estatais e Trump obteve uma vitória de pirro no estado em 2020 (este ano, o agregador de sondagens do site FiveThirtyEight aponta para uma vantagem de 0,7 pontos percentuais para o ex-Presidente).

Em agosto, a comissão estatal de eleições da Carolina do Norte aprovou uma modernização do voto para estudantes e funcionários da universidade de Chapel Hill, permitindo que a comunidade do ensino superior possa usar identificações digitais no telemóvel para votar em novembro. Foi o primeiro estado a tomar uma decisão neste sentido - alguns grupos de republicanos avançaram com um processo para reverter a lei, mas a única coisa que conseguiram foi limitar o passo a detentores de telemóveis da Apple com cartões emitidos pela universidade, explicou a Associated Press.

Contudo, os republicanos no Congresso estatal proibiram que os votos por correspondência e os votos presenciais antecipados começassem a ser contados antes das 19h30 do dia das eleições. A mesma lei, esclarece ainda a CNN, também impede que os boletins recebidos pelas secretarias de cada condado depois do fecho das urnas sejam contados - antes, estes votos eram contados na mesma se a data do envio dos boletins fosse anterior ao fecho das urnas.

O período de voto antecipado na Carolina do Norte dura 17 dias e espera-se que muitos eleitores votem mais cedo, receando que o boletim não chegue a tempo e não seja contado. Por isso, os apoiantes de Kamala Harris e de Donald Trump terão pela frente uma longa noite à espera dos resultados no estado.