Peter Sloterdijk, num artigo de jornal atinente a um assunto concreto que inquietava a sociedade alemã, identificou a política contemporânea como um esforço constante de gestão de calamidades.

Talvez tenha sido sempre assim.

Temos dificuldade em reconhecê-lo porque há um lado profético-utópico na civilização ocidental que se obstina em recusar a importância da contingência e da imponderabilidade na ação histórica das comunidades humanas.

Daí resultam muitos equívocos que se revelam de um modo especialmente incisivo nas democracias constitucionais. Nos tempos que correm, temos a obrigação reforçada de salientar o quanto essas democracias precisam da dúvida, da hesitação, do ceticismo e do criticismo de uma razão aberta e inquieta.

Não há democracia pluralista que resista ao predomínio dos dogmas e à exaltação da pureza sectária. Quando, em nome de uma verdade salvífica de natureza religiosa ou ideológica, alguns grupos humanos se autoatribuem um estatuto superior no plano axiológico, as democracias ficam ameaçadas.

É útil lembrar isto para não cometermos o erro de pensar que só os extremistas e os populistas podem matar os regimes demo-liberais. Não: estes também podem sucumbir quando os chamados moderados não percebem a importância do diálogo e do compromisso.

Vem isto a propósito do que se está a passar com a presente discussão em torno do OE. A confirmar-se o entendimento entre o Governo e o PS, tendo em vista a aprovação desse documento de capital importância política, teremos razões para celebrar a vitalidade da nossa democracia, por três motivos de reconhecido relevo: a direita democrática não cede à tentação de um entendimento com a extrema-direita; o principal partido da esquerda não se enclausura numa oposição irredutível e sectária; fica claro que direita e esquerda não extremistas nada ganham quando optam pelo lançamento de fatwas recíprocas que têm o efeito de polarizar excessivamente o debate e favorecer a ascensão dos inimigos do pluralismo.

Pela minha parte quero saudar o Secretário-Geral do PS que, ao agir desta forma, está a prestar um grande serviço ao país. A qualidade de um líder da oposição percebe-se nestes momentos difíceis, quando é preciso tomar decisões e estabelecer compromissos em nome do interesse geral, da democracia e do país, mesmo que isso acarrete momentâneas incompreensões nalgumas bases de apoio mais propensas à proclamação do que à responsabilidade.