Não há alojamento a preços acessíveis, os transportes públicos são deficitários, e frágeis as respostas de saúde e de emergência. Se Zeca Afonso pudesse contemplar a vila morena dos últimos anos teria de acrescentar outro verso à terra da fraternidade: O dinheiro é que mais ordena, Grândola.

O que não falta no concelho é trabalho. Precisam-se bombeiros, assistentes sociais, engenheiros... Grândola não será diferente de outros territórios, mas acima de tudo, são necessárias mãos para atender os clientes dos empreendimentos turísticos. Ajudantes de cozinha, copeiros, empregados de limpeza, baristas, motoristas, jardineiros, especialistas na manutenção dos mais variados equipamentos, eletricistas e trabalhadores da construção civil para continuar a erguer os complexos de turismo A++.

Muhammad Hunzala, nascido do cruzamento de pai paquistanês e mãe catariana, trabalha na copa do hotel Quinta da Comporta. Franzino, o jovem imigrante diz que para quem, como ele, é recém-chegado a Portugal, a opção da costa alentejana é mais vantajosa do que as grandes cidades como Lisboa ou Porto.

No último Census, em 2021, o concelho de Grândola contava com 13 822 habitantes, longe dos mais de 21 mil residentes nos anos 50 do século passado, o valor mais alto desde que existem registos da população nacional, no final do século XIX.

A apanha de resina e do pinhão, que juntamente com a sementeira e colheita do arroz davam trabalho aos residentes, são atividades que sofreram alterações e o turismo veio tomar o lugar do grande empregador do concelho. Os investidores, que encontraram um filão de ouro na inexplorada costa atlântica de 45 quilómetros de areal contínuo, querem gente, mas não têm onde alojá-la.

A corrida ao imobiliário inflacionou o preço dos terrenos e casas mais próximas do mar, mas também das localidades do interior do concelho.

Em Grândola, tudo passou a chamar-se Comporta, mesmo estando mais perto de Canal Caveira. A marca Comporta vende bem como destino turístico, mas dificulta quando o que se pretende é criar raízes.

“Comprei, por exemplo, um hotel em Grândola, que eu gostava de explorar como hotel, porque deixou de haver hotel em grândola. Era o único hotel em Grândola. Mas tenho lá 40 quartos com empregados a viver. Onde é que eu os ponho?”

Miguel Câncio Martins, proprietário do hotel Quinta da Comporta, comprou o antigo hotel Dom Jorge Lencastre, no centro de Grândola, onde tem alojados os empregados.

Gonçalo Pessoa, do hotel Sublime, comprou e alugou 30 apartamentos e casas no concelho. Uma dessas habitações é uma vivenda de três andares, com piscina, no Soltróia, o primeiro condomínio turístico a surgir naquele território nos anos 80. Cada um dos 16 trabalhadores que aí vive paga uma renda de 70 euros, dividindo o quarto com outro colega.

“Temos uma quantidade muito considerável, várias dezenas de apartamentos alugados. Grândola, Alcácer, Carvalhal, Comporta. Acima de 30. Já comprámos alguns porque às vezes aparecem alguns negócios interessantes a preço razoável e preferimos comprar, mas a esmagadora maioria é alugada”.

Seria provável que Setúbal se transformasse na maior fornecedora de mão de obra não fosse a travessia do Sado custar 96 euros por mês. Quem vai pagar tamanha quantia para passar da margem direita para a esquerda do rio em 15 minutos e depois só ter como alternativa uma carreira da Rodoviária do Alentejo que sai de Tróia às 8:45 e que não contempla os diferentes horários da restauração e hotelaria?

Pela manhã o catamarã vai meio cheio com trabalhadores do ramo imobiliário, da manutenção e limpeza. Aqueles que têm horários rotativos, como é o caso da restauração e hotelaria, são esperados em Tróia pelas carrinhas de nove lugares que os hotéis transformaram em transporte de empregados.

André Viegas e outros quatro motoristas da Quinta da Comporta começam a trazer e levar funcionários às 6:20 e acabam quando fecham os restaurantes. Cada um deles chega a fazer 300 quilómetros por turno no vaivém entre local de trabalho e os apartamentos alugados, o hotel comprado e a estação do catamarã.

“Tenho de acordar às cinco da manhã para fazer vários horários, este é o primeiro do dia, para estarmos em Grândola às 6:20 da manhã para buscar staff”.

Numa década, desde o despontar do turismo no concelho, Grândola tornou-se num dos municípios com maior independência financeira. Deixou o 33º lugar, em 20212, para ascender ao sétimo lugar, em 2022.

O Anuário Financeiro dos Municípios revela que nesse período de 10 anos passou de uma receita de dois milhões de euros em IMT para quase 33 milhões de euros em 2022. É o único município de pequena dimensão a figurar no ranking dos 10 que mais lucraram com os impostos sobre a venda de imóveis. É ainda o primeiro do país com maior equilíbrio orçamental e o quinto com maiores resultados económicos líquidos, passando de um défice de 139 mil euros em 2012 para um superavit de 27 milhões de euros em 2022.

Com tal saúde financeira, alguns criticam a falta de investimento em infraestruturas, sobretudo na habitação a preços acessíveis.


A autarquia responde por escrito à Grande Reportagem que está em marcha um pacote de medidas no valor de seis milhões de euros para facilitar o acesso à habitação. Inclui lotes para autoconstrução, cedência de terrenos para arrendamento acessível, terrenos para construção cooperativa, entre outras medidas.

O pacote anunciado tem pelo menos um ano, segundo dados do Boletim Informativo de Grândola.

A Grande Reportagem é um trabalho da jornalista Amélia Moura Ramos, com imagem de António Cunha, a edição de imagem de Rui Berton, grafismo de Nuno Gonçalves, drone de 4KFly, produção de Diana Matias, coordenação de Miriam Alves e direção de Marta Brito dos Reis e Ricardo Costa.