Foi no princípio de 2020, quando assumi a presidência da Associação Mundial de Empresários Cristãos, que me confrontei com uma opinião muito crítica de alguns empresários sobre o Papa Francisco.

Diziam-me que este Papa não gostava dos empresários.

Apesar do reconhecimento de que o Papa Francisco era um reformador da Igreja e de que tinha sido essa a incumbência que lhe foi passada pelo Papa Bento XVI que, ao abdicar, disse que o fazia porque a Igreja necessitava uma reforma profunda que ele já não teria forças para a realizar, forçando assim a eleição de um reformador, a mim não me fazia sentido essa afirmação.

De tal forma que decidi que iria visitá-lo e saber dele qual era verdadeiramente a sua opinião, de modo a entender a razão desta questão.

Na época ninguém acreditou que fosse possível conseguir uma audiência com o Santo Padre e muito menos que conseguisse trazer de lá alguma resposta que mudasse a opinião entretanto formada.

Na verdade, com a ajuda que consegui de muitos lados e com a intervenção essencial do Cardeal Tolentino, recebi uma mensagem um dia de que o Santo Padre me receberia com a condição de que fosse só, pois um encontro a dois é uma conversa e com um encontro com muitos é apenas um cumprimento.

Assim, muito entusiasmado com esta oportunidade lá me apresentei, no dia e hora marcados, para um encontro que eu esperava ter a sorte de poder demorar um mínimo de 15 minutos, para que pudesse pelo menos chegar a abordar o tema que me levava a estar ali.

Fui recebido pelo Papa, à entrada do seu gabinete, com uma enorme sessão de fotografias e filmagens, que seriam as únicas autorizadas, para depois, fechando a porta, me reunir com o Santo Padre a dois, sem mais ninguém presente na sala.

Expresso

É claro que o nervoso da oportunidade e a sensibilidade do tema não deixaram de ter o seu efeito no início da nossa conversa.

Com uma perspectiva de 15 minutos, a velocidade de exposição parecia-me fundamental e preparei-me para começar de imediato no tema.

Pois nada daquilo que eu achava que ia acontecer, aconteceu.

O Santo Padre foi directo ao assunto e disse-me que havia uns colegas meus que sistematicamente o criticavam pelas suas opiniões sobre a economia e as empresas contudo, tudo aquilo que ele dizia sobre esses temas estava sempre alinhado com aquilo que está expresso nos valores e princípios da Doutrina Social da Igreja.

Quando me preparava para contrapor, a conversa foi caminhando pela sua eleição no Conclave, pela sua convicção de que já não seria o seu tempo, pelo discurso que sentiu uma imensa necessidade de fazer quando achava que não iria participar e pela dureza das palavras que me contou ter dito nesse momento.

Pelo espanto da reação que esperava de rejeição que se transformou no resultado da sua eleição.

Falámos do Papa Bento e da sua eleição, contou-me uma anedota que corria nesse conclave com o objetivo de associar Bento XVI ao regime nazi, levantou-se para me dar um livro, contou-me a mudança profunda que iria fazer na estrutura do Vaticano, que só teria lugar seis meses depois de me ter contado todos os seus detalhes, sem medo da transparência e confiando no seu interlocutor.

E ele ouviu-me falar da Madalena, dos meus quatro filhos e dos netos, da minha empresa de 250 anos e da família que a trouxe durante todo esse tempo, ouviu o tema do livro que escrevi sobre o medo e viu os quadros que pintei.

E levantou-se para procurar um livro do fundo da estante, para me dar.

E no fim de todo este tempo, o Santo Padre parecia o meu amigo de sempre, a pessoa mais simples que conheci, um homem de bem com todo o tempo do Mundo apenas para estar comigo.

Nesse momento olhei para o tempo e já tinham passado 45 minutos.

E disse ao Santo Padre que tinha que o deixar pois a fila de gente em espera já seria imensa e que não lhe podia roubar mais do seu tempo.

Mas disse-lhe também que queria pedir-lhe dois favores, ao que me respondeu intrigado perguntando-me quais.

Queria uma mensagem para os empresários.

Achou que seria uma excelente ideia e perguntou-me como o poderíamos fazer ao que eu respondi que se me deixasse eu poderia filmá-lo com o meu telemóvel.

Respondeu-me muito divertido que achava uma ótima solução. Uma solução que estava completamente proibida pelo protocolo mas que, autorizada pelo próprio, eu achei que estava perdoado.

A mensagem foi de uma transparência e de uma força que ainda hoje, em qualquer parte do Mundo, todos se deixam encantar pelas suas palavras.

Uma mensagem que nos diz que os emprresários são a única esperança para a solução dos problemas do Mundo, que é através da criatividade dos empresários que conseguiremos ultrapassar as crises que enfrentamos.

Que de uma crise nunca saímos sós, ou saímos todos ou não sai ninguém e que de uma crise nunca se sai igual, ou saímos melhores ou saímos piores e que os empresários são quem pode ajudar a sairmos todos e melhores.

Mas diz também que os empresários têm uma vocação nobre, pois têm a extraordinária capacidade de juntar os diferentes factores para criar a riqueza, mas que a nobreza desta vocação apenas se consegue quando somos capazes de tomar essa riqueza e distribui-la pelos que dela necessitam.

Foi este o Papa que eu visitei, o amigo que nunca esqueci e que estou certo que não me esqueceu nem a nenhum dos que se cruzaram com ele.

O Papa que tomou a seu cargo reformar a Igreja através da reforma do nosso coração.