(Este artigo é para leigos nas áreas da economia, da finança, da fiscalidade, das política orçamental, monetária e cambial. É destinado aos leitores que não dominam a linguagem utilizada nestes campos específicos nem os próprios conceitos complexos que lhes subjazem. Peço aos especialistas de todas e de cada uma das áreas que olhem mais para o sentido do conjunto do texto e menos para as eventuais imprecisões que resultem da tentativa de simplificação com o objetivo de facilitar a explicação).

Sob a cortina de fumo da grande campanha de marketing político chamada MAGA, a sigla correspondente a Make América Great Again, o Presidente dos Estados Unidos está a lançar um mega-plano de austeridade no seu país que vai atingir sobretudo os cidadãos mais pobres, mas também a classe média americana e praticamente todos os parceiros comerciais da ainda maior economia do mundo.

Este gigantesco plano de austeridade é equivalente aos que o FMI fez aplicar em muitos países do mundo nos anos 80 e 90 do século passado e aos que a Troika implementou nos países europeus com crises de dívida soberana já na segunda década deste século.

O motivo para a aplicação deste tipo de medidas nos EUA decorre de uma situação de pré bancarrota da grande economia americana como se pode ver por alguns indicadores muito simples.

O ponto de partida da nossa análise é o PIB anual dos EUA que chega aos 28 biliões (milhões de milhões) de dólares. Trata-se ainda da maior economia do mundo. Em consequência, o PIB per capita é ainda um dos mais altos do planeta, 65.500 dólares.

Por comparação, o PIB de Portugal ronda os 285 mil milhões de euros, cerca de 1 por cento do PIB dos EUA e o PIB per capita nacional ronda os 28.500 euros, menos de metade do PIB per capita americano.

Partindo de um patamar superior de desenvolvimento económico, a tendência nos Estados Unidos da América é para um abrandamento acentuado do crescimento e sobretudo para a acelerada degradação de todos os outros indicadores.

O défice público, ou o saldo negativo das contas federais, já vai em 1,8 biliões de dólares, mais de 6 por cento do PIB. Por comparação, em Portugal o saldo foi positivo em 1,2 por cento do PIB, somando 3.200 milhões de euros no ano de 2023, e deverá ter ficado positivo em 0,4 por cento do PIB no ano passado, 1.100 milhões de euros.

Aquele desacerto constante de fluxos de receita e de despesa ao nível federal nos EUA, medido em saldos negativos ou défices anuais, é todos os anos acrescentado ao stock dívida pública federal (líquida), que não para de crescer e já vai em mais de 36 biliões de dólares, mais de 120 por cento do PIB. Por comparação, a dívida pública portuguesa fechou o ano de 2024 nos 95,3 por cento do PIB, claramente abaixo do limiar psicológico de 100 por cento do PIB e em trajetória descendente a caminho dos 60 por cento definidos nas regras do Euro.

Em espelho relativamente à degradação das contas públicas americanas, o défice externo de toda a economia (famílias, empresas e estado) também não para de crescer, alimentado pela compra ao estrangeiro de bens de capital incluindo partes e acessórios de computadores, semi-condutores, máquinas e aparelhos elétricos, medicamentos e outros bens de consumo em geral.

O saldo anual negativo das balanças corrente e de capital dos EUA já vai em quase um bilião de dólares, mais do que toda a riqueza produzida pela economia portuguesa durante três anos. Por comparação, em Portugal as contas externas fecharam o ano de 2024 com um saldo positivo histórico de 9.300 milhões de euros, o equivalente a 3,3 por cento do PIB.

Já no que se refere à dívida externa, medida pela Posição de Investimento Internacional dos EUA (o saldo entre o somatório de todos os valores que os agentes económicos residentes detêm sobre o exterior em ações, títulos de dívida, etc., menos o somatório de todos os valores que os agentes económicos do resto do mundo detêm sobre a economia americana), o saldo foi negativo em mais de 25 biliões de dólares no ano passado, quase 90 por cento do PIB. Por comparação o saldo da Posição de Investimento Internacional de Portugal em 2024, equivalente à dívida externa, foi de 62 por cento do PIB no ano 2024.

A conclusão é que a situação financeira de Portugal tem vindo progressivamente a melhorar enquanto a situação financeira do estado federal e de toda a economia americana tem vindo a piorar. Estas tendências divergentes levaram as obrigações do tesouro americanas a dez anos a atingir uma taxa de juro (yield) de quase 4,8 por cento no final de janeiro, enquanto a taxa de juro das obrigações portuguesa a dez anos era de menos de 3 por cento na mesma data.

Como sabemos por experiência própria, se o mercado financeiro global exige a um determinado país que pague cerca de 7 por cento de juros anuais pelas novas emissões de dívida (para repagar o capital e os juros das emissões anteriores, ou seja para rolar a dívida, bem como financiar os novos défices) isso significa que a cada dez anos a dívida desse país duplica, levando-o para a bancarrota. O mesmo é válido para empresas e famílias. Ora é exatamente isso que pode acontecer aos Estados Unidos da América se não mudar de rumo, se não parar de se endividar cada vez mais tanto a nível público federal como de toda a economia.

Consciente do risco que representam os crescentes défices gémeos americanos, público e externo, atrás descritos, Donald Trump acaba de lançar um gigantesco plano de austeridade para os combater, embora de forma encapotada sob a designação de MAGA. Esse plano tem duas frentes, uma frente interna e outra externa.

A frente interna por sua vez subdivide-se em duas áreas distintas, o combate à despesa pública e a repressão severa do consumo nacional total. De que modo e através de que instrumentos?

Os sucessivos anúncios de Elon Musk com cortes de despesa direta da administração federal e cortes de despesa indireta feita através das agências governamentais (incluindo despesas de cooperação internacional estado a estado ou através de organizações não governamentais subsidiadas pelo tesouro americano) destinam-se a reduzir drasticamente o défice das contas públicas dos EUA e a baixar as necessidades de novas emissões de dívida. Os despedimentos em massa e as avaliações ao trabalho efetivo dos serviços públicos e agências vão no mesmo sentido.

Já os sucessivos anúncios de aplicação de novas tarifas aduaneiras ou de aumento das já existentes, incluindo a países e regiões vizinhas como Canadá, México e América Latina em geral, regiões até agora aliadas como a União Europeia, ou inimigos declarados como a China, destinam-se claramente a encarecer os bens e serviços de consumo postos pelos importadores à disposição dos cidadãos americanos e logo a baixar rápida e eficientemente as importações e a reduzir o défice das contas externas.

Donald Trump sabe perfeitamente que seria impossível à indústria americana substituir essas importações produzindo pelo mesmo baixo preço de um dia para o outro através da reindustrialização do país, que é o seu objetivo anunciado oficialmente (MAGA).

O Presidente americano sabe perfeitamente que um processo de reindustrialização de um país demora anos, senão décadas a conseguir.

Neste desacerto estudado e calculado das linhas do tempo em processos diferentes, a demorada reindustrialização e a rápida aplicação de cortes de despesa pública (menos benefícios sociais) e o rápido aumento de tarifas aduaneiras às importações (preços mais elevados), o resultado de curto e médio prazo será um brutal aperto do cinto para a maioria dos americanos da classe média e a criação de milhões de novos pobres a juntar aos que já existem no país. Na cabeça de Donald Trump e da sua equipa de jovens falcões estes serão apenas efeitos colaterais inevitáveis para atingir o grande desígnio MAGA. E neste ponto, como já percebemos, o plano Make América Great Again é realmente menos um desígnio nobre e mais um embrulho de puro marketing político para adormecer a maioria das consciências e assim impedir os americanos de ver o que lhes está a acontecer: estão a ficar cilindrados por uma austeridade pior que a que a Troika aplicou nos países periféricos da Europa do Euro há cerca de 12 anos.

Mas o plano da equipa de Donald Trump não fica por aqui

Com a limitação das importações através de mais tarifas, os preços dos bens e serviços para consumo interno vão ficar muito mais elevados o que se traduzirá em taxas de inflação cada vez mais altas. Neste ponto, ao contrário do que os ingénuos possam pensar, é exatamente isso que Donald Trump quer: obter um aumento sustentado da taxa de inflação dos EUA de modo a provocar uma desvalorização externa em duas frentes - através da desvalorização substancial de dólar face às restantes moedas para que as exportações americanas fiquem mais apetecíveis para o resto do mundo e as vendas ao exterior aumentem; e através da desvalorização do valor da colossal dívida americana atualmente nas mãos dos credores estrangeiros, nomeadamente da Europa e da China que são os principais financiadores dos EUA.

O plano não ficaria completo sem uma vertente geo-estratégica cínica e extremamente ambiciosa: ao assumir uma atitude permanentemente conflituosa e provocadora, própria de um brigão profissional dos negócios, com os vizinhos das Américas, os velhos aliados da Europa e a fragilizada Ucrânia, Trump pede o Tudo - transformar o Canadá e a Gronelândia em novos estados da União, obter as riquezas minerais ucranianas - para ir conseguindo o que lhe interessa – a gestão do Canal do Panamá acaba de passar para as mãos do fundo americano BlackRock, e as terras raras da Ucrânia serão conseguidas em breve, a troco de quase nada.

Mais sinistro ainda: Donal Trump e os rapazes que o rodeiam querem que os EUA se tornem em amigos e aliados da Rússia de Putin, não para de caminho proteger a Europa, mas com o objetivo inconfessável de em conjunto com os russos e com moderna tecnologia americana, explorarem as riquezas minerais da Sibéria e de todos os países da Ásia e África sobre os quais a Federação russa tem influência. O caso particular da Sibéria é evidente: com uma população envelhecida e sem tecnologia moderna, a Rússia terá cada vez menos capacidade relativa de explorar a região enquanto a China estará sempre à espreita de uma oportunidade para a invadir.

Por sobre todos estes interesses financeiros, económicos e geoestratégicos, paira ainda uma ambição civilizacional: uma aliança entre EUA e Rússia será uma aliança branca e cristã, a única que na cabeça de Donald Trump poderá combater a China e salvar o mundo (segundo os seus próprios valores e interesses).

Dentro da cabeça de Donald Trump, a multiplicação de pobres no seu próprio país e o fim das democracias ocidentais serão apenas efeitos colaterais inevitáveis na prossecução do grande desígnio atrás enunciado.

Pior para todos nós no resto do mundo, neste momento histórico nenhum país, potência ou região do globo, está em condições de impedir a concretização do plano de Donald Trump e da sua equipa de rapazes extremamente ambiciosos.

Mas como em tudo o que se refere à natureza humana, há sempre pontos fracos que podem derrubar os maiores planos dos maiores líderes para o domínio do mundo:

Há sinais de uma crise que se estão a acentuar nas principais bolsas de valores, a começar por Wall Street. O plano de desvalorização externa da economia americana está a fazer rebentar a bolha da especulação financeira que não parava de crescer desde 2010.

Um provável crash das bolsas americanas pode rapidamente transformar-se numa crise séria dos mercados de capitais, contaminar o sistema financeiro e provocar uma recessão nos EUA e no mundo.

Quando os eleitores americanos perceberem que foi Donald Trump que a provocou só terão uma coisa a fazer: tirar de vez o Presidente e os seus rapazes da Casa Branca.