Portugal entregou em Bruxelas uma primeira versão do plano nacional de implementação do Pacto Europeu de Migrações e Asilo, que será alterada de acordo com as conclusões deste plenário e da reunião do Conselho Nacional de Migrações e Asilo, que também deve decorrer este mês.
Eis algumas perguntas e respostas sobre o pacto europeu e as migrações em Portugal:
Pacto Europeu de Migrações e Asilo
Em outubro do ano passado, o ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) Manuel Jarmela Palos foi nomeado para coordenar o grupo de trabalho que tem "a missão de preparar, coordenar e assegurar a execução do Plano Nacional de Implementação do Pacto em matéria de Migração e Asilo".
Em setembro de 2020, a Comissão Europeia apresentou o Pacto de Migração e Asilo, aprovado em dezembro de 2023, e Portugal, "no âmbito de uma abordagem global, que permita gerir a migração de forma eficaz e equitativa", tem como um dos objetivos principais "criar um quadro comum que permita conciliar, harmonizar e fomentar a responsabilidade e solidariedade entre os estados-membros", pode ler-se no despacho de criação do grupo de trabalho.
O plano de execução comum do pacto "define os objetivos e capacidades que todos os estados-membros têm de desenvolver, a nível jurídico e operacional, por forma a aplicar eficazmente e na sua plenitude as novas medidas aprovadas, até 2026".
Segundo o despacho de outubro, esta solução "altera o atual paradigma da gestão das migrações, impõe sobre os estados-membros a necessidade de criar quadros jurídicos específicos, bem como o estabelecimento de novos processos administrativos e operacionais na área das migrações".
O grupo é responsável por "promover a articulação entre todas as entidades e serviços que sejam necessários" para a execução do pacto, elaborar um plano nacional de implementação, rever as "configurações organizacionais, incluindo as estruturas de coordenação nos serviços" e representar Portugal na gestão internacional do tema, entre outras matérias.
Um milhão de imigrantes em Portugal
A população estrangeira residente em Portugal aumentou 33,6% em 2023, em comparação com o ano anterior, totalizando 1.044.606 os cidadãos com Autorização de Residência, segundo o Relatório de Migração e Asilo da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), divulgado em setembro.
Em seis anos, mais do que duplicou o número de estrangeiros legais em Portugal, passando de 480.300 em 2017, para mais de um milhão no ano passado.
Além deste número, segundo as autoridades, existiam 400 mil processos pendentes nestas condições no final de 2023.
Entre as nacionalidades mais representativas, 35,3% são brasileiros (368.449 pessoas), seguindo-se 55.589 angolanos (5,3%), 48.885 cabo-verdianos (4,7%), 47.709 britânicos (4,5%), 44.051 indianos (4,2%), 36.227 italianos (3,5%), 32.535 guineenses (3,1), 29.972 nepaleses (2,9), 27.873 chineses (2,7%), 27.549 franceses (2,6%) e 26.460 são-tomenses (2,5%).
No decorrer do ano 2023 foram concedidas 2.901 Autorizações de Residência para atividade de Investimento, quase 20% de cidadãos dos Estados Unidos (567).
Já no que diz respeito aos pedidos de parecer de nacionalidade, houve uma diminuição, passando de 74.506 processos em 2022 para 66.943 em 2023, com cidadãos brasileiros em clara maioria (40%), seguidos dos israelitas (8,142 casos).
A comunidade que mais contribui para a segurança social é a brasileira (1.033 milhões de euros, 38,6% do total), seguida da indiana (8168,4), nepalesa (102,9), espanhola (102,8) e cabo-verdiana (88,8).
É na agricultura e pesca (30%) que está a maior percentagem de trabalhadores estrangeiros, seguida da construção (15%), atividades administrativas (23%) e alojamento e restauração (22%).
No que respeita à situação de pobreza, 27% estão em situação de pobreza ou exclusão social, um valor superior à percentagem de população portuguesa (19,4%).
A percentagem de estrangeiros na população em Portugal (9,8%) está abaixo de 17 países da União Europeia, que tem no Luxemburgo (quase 50%) e em Malta (25%) os casos com maior proporção.
No que respeita à demografia, Portugal teve um saldo natural negativo a partir de 2009, mas desde 2019 que o saldo populacional (inclui tanto os nascimentos e mortes, como os emigrantes e imigrantes) tem sido positivo.
Esta situação alterou o perfil dos estudantes, com um aumento de 160% do número de alunos estrangeiros. No conjunto do sistema educativo, no ano letivo 2023/2024 eram 140.000 (cerca de 14% do total de alunos matriculados), tendo 39.500 entrado no sistema educativo em 2022/2023 e 33.500 em 2023/2024.
Qual a opinião dos portugueses?
O aumento dos imigrantes e a mediatização do fenómeno em Portugal tem tido efeito na opinião dos portugueses. Segundo o barómetro da imigração, um inquérito alargado da Fundação Francisco Manuel dos Santos, cerca de dois terços dos portugueses querem menos imigrantes provenientes do subcontinente indiano, consideram a política de imigração demasiado permissiva e acusam os imigrantes de contribuírem para mais criminalidade, embora os considerem importantes para a economia.
Ao mesmo tempo, 68% concordam que os imigrantes "são fundamentais para a economia nacional".
No mesmo inquérito em que 42% dos inquiridos sobrestima o número de imigrantes em Portugal, a maioria é favorável à atribuição de direitos, como o direito de voto (58,8%), facilitação da naturalização (51,8%) ou dos processos de reagrupamento familiar (77,4%).
Este barómetro avaliou, pela primeira vez, o sentimento dos portugueses em relação aos provenientes da Índia, Nepal e Bangladesh (que representam apenas 9% do total de imigrantes), verificando-se que 63% quer uma diminuição, o que não sucede com mais nenhum grupo.
Segundo os autores, os "inquiridos parecem ter sentimentos antagónicos em relação à imigração: grande parte considera-a mais como uma ameaça do que como uma oportunidade, ao mesmo tempo que mais de dois terços dos inquiridos (68%) concordam que estes são fundamentais para a vida económica do país".
Já no que respeita aos valores e tradições portuguesas, 51% vê os imigrantes como uma ameaça, uma "percentagem que quase duplicou em comparação com 2010", refere o inquérito.
Imigrantes e insegurança
Os dados não apontam qualquer relação entre a subida do número de imigrantes e da criminalidade, mas os políticos têm insistido num aumento da perceção de insegurança por parte dos portugueses, um dado estatístico validado por vários estudos, para o qual contribui também a mediatização do fenómeno.
Em 2023, o sociólogo holandês Hein de Haas compilou uma série de estudos que demonstram consistentemente que os imigrantes, em geral, apresentam taxas de criminalidade inferiores às da população autóctone, embora isso não suceda na segunda geração, por problemas de integração, que conduzem a casos de delinquência.
Em maio, foi publicado o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referente a 2023, que indica um aumento de 5,6% da criminalidade violenta e grave, registando-se 14.022 crimes, mais 741 casos do que em 2022, o valor mais alto desde 2019, com aumentos relevantes nos crimes de extorsão (25,8%), rapto, sequestro e tomada de reféns (+22%), resistência e coação sobre funcionário (+13,2%), roubo por esticão (+7,7%) e roubo na via pública (+0,8%)
Também a criminalidade geral aumentou 8,2% em 2023, com recebido 371.995 queixas, mais 28.150 participações que no período homólogo de 2022, o valor mais elevado desde 2014.
Este mês, a Polícia Judiciária (PJ) referiu que se verificaram 112 homicídios dolosos em 2024, o número mais elevado da década, mas somente em 7,4% dos casos não havia relação entre a vítima e o autor (em 2022 tinham sido 13% e em 2022, 17%), com a maioria a ter ocorrido entre vizinhos ou na família.
Contudo, o discurso político tem estado focado na perceção de insegurança, com o primeiro-ministro, Luís Montenegro, a colocar, na sua primeira mensagem de Natal, como prioridades para o futuro a promoção de uma "imigração regulada" e o combate à criminalidade - sem ligar os dois temas.
Essa ligação tem sido feita pelo partido de extrema-direita Chega, que tem responsabilizado o aumento dos imigrantes pela subida da criminalidade, um discurso que tem tido eco mediático, apesar de Portugal continuar a figurar entre os países mais seguros do mundo.
O Governo PSD/CDS prefere insistir no sentimento de insegurança que tem estado a aumentar, como prova o recente estudo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), com 80% dos inquiridos a alegarem que aumentaram as situações de violência e crime contra pessoas idosas.
Na capital, a maioria de centro-direita que governa a autarquia tem insistido no aumento da insegurança e a Assembleia Municipal propôs a criação de um observatório de segurança da cidade, apesar de os dados do RASI indicarem uma diminuição de 9,4% na criminalidade geral em Lisboa.
Nos últimos meses, as autoridades policiais aumentaram as operações de fiscalização da documentação dos imigrantes no país, reivindicadas pelo executivo, o que tem motivado críticas de vários setores da sociedade, acusando a polícia de estar ao serviço de ações de propaganda.
Como chegam e se regularizam os imigrantes?
O fim das manifestações de interesse, a 4 de junho, suspendeu o recurso jurídico mais utilizado pelos imigrantes extracomunitários para se regularizarem em Portugal, um processo alegadamente responsável pelas 400 mil pendências na AIMA.
Bastaria chegar com visto de turismo e começar a trabalhar que um imigrante poderia iniciar o processo na AIMA. Ao fim de 12 meses de descontos para a segurança social e finanças e uma residência fixa em Portugal permitiria concluir o pedido de residência, o primeiro passo para a fixação regular no país.
Com o fim dessa figura jurídica, as soluções para chegar a Portugal, de modo regular, passam por vistos de trabalho, de procura de trabalho ou de reagrupamento familiar, que têm de ser atribuídos pelos consulados portugueses.
Os problemas no agendamento têm sido recorrentes, com acusações de açambarcamento, corrupção e dificuldades várias na marcação de reuniões para os vistos nos consulados.
O Governo concessionou a gestão dos agendamentos a uma empresa externa, que tem sido também acusada de comportamentos pouco transparentes, e, na sequência do aumento da pressão sobre os consulados, prometeu o reforço com 50 técnicos de migração.
- AIMA: cerca 15 % dos atendimentos diários para imigrantes ficam por preencher
- Imigrantes passam noites à porta da AIMA e nem assim conseguem senha
Os atrasos no agendamento da AIMA levaram também a uma judicialização do sistema, com milhares de processos nos tribunais para assegurar o cumprimento dos procedimentos administrativos.
Outra solução que tem permitido a entrada e regularização de muitos imigrantes é o regime de Autorização de Residência para Investimento (ARI), que permite uma autorização de residência temporária com a dispensa de visto para entrar em Portugal.
A autorização de residência com dispensa de visto continua a ser permitida numa série de casos excecionais, previstos no artigo 122 da Lei de Estrangeiros, abrangendo vários perfis, desde pessoas altamente qualificadas (doutorados, cientistas ou investigadores), menores, quem tenha deixado de beneficiar do direito de proteção internacional em Portugal, quem necessite de assistência médica prolongada que impeça o retorno, quem tenha permanecido no país e cujo direito de residência tenha caducado ou quem tenha filhos menores residentes, entre outras exceções.
No âmbito do artigo 123, podem estar em Portugal quem tenha requerido proteção internacional (asilo), no âmbito dos compromissos internacionais do país.
O fim abrupto das manifestações de interesse gerou polémica e o Parlamento aprovou um período transitório para quem já tivesse o tempo devido de descontos mas não tivesse iniciado o processo formal.
Contudo, ainda estão por resolver os casos de pessoas que já têm descontos feitos, embora insuficientes, ou os que chegaram com visto de turista e estão a trabalhar de facto, um limbo para o qual as associações de imigrantes alertam.
Durante este ano deverá terminar o processo de regularização dos processos pendentes que transitaram do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a AIMA.
Os 400 mil casos foram entregues à estrutura de missão que já concluiu a avaliação de metade dos processos, com cerca de 108 mil rejeitados, segundo o executivo.
O caso da CPLP
Em junho, quando anunciou o Plano de Ação para as Migrações, o Governo prometeu o alargamento da Autorização de Residência da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), tornando-o numa autorização Schengen.
Atualmente, no quadro do acordo de mobilidade CPLP, esta autorização é apenas um documento sem reconhecimento comunitário, limitando os seus beneficiários ao território português.
Este caso, segundo o Governo, motivou uma investigação da UE contra Portugal, por emitir documentos limitados às fronteiras portuguesas, o que viola a legislação comunitária.
Apesar das promessas de regulamentação, o processo está atrasado e, no site da AIMA ainda não está disponível o acesso a esse tipo de autorizações.
Dentro da CPLP há também dois pesos e duas medidas, com os brasileiros e os timorenses a terem mais facilidade de entrada em Portugal, porque estão isentos de visto de turismo.
Contudo, isso não facilita o processo de regularização, já que não têm visto de trabalho e só quando a nova autorização de residência CPLP for regulamentada é que poderão ficar com os seus processos concluídos.
Missões empresariais
As regras mais apertadas para a regularização de quem chega com vistos não laborais estão a dificultar o acesso à mão-de-obra.
Por isso, as associações empresariais foram desafiadas pelo executivo a identificarem as necessidades e a fazerem a seleção nos países de origem dos imigrantes, utilizando agências de recrutamento para identificar os candidatos a visto de trabalho.
Às empresas caberá a responsabilidade de criar condições de acolhimento, que inclui acesso à saúde ou habitação, para esses novos imigrantes, uma exigência já contestada pelas associações setoriais, que temem um aumento de custos da mão-de-obra.
As associações estimam em 130 mil o número de imigrantes necessários para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho em Portugal, tendo em vista que em 2025 está prevista a conclusão de muitas das obras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
De fora deste número estão os projetos estruturantes que o Governo quer também iniciar, como o aeroporto ou a terceira travessia sobre o Tejo.
Com Lusa