Brice Oligui Nguema, cabecilha de um golpe de Estado militar no Gabão que pôs fim a quase 56 anos de dinastia política da família Bongo, prometeu, em 2023, “entregar o poder aos civis” através de eleições livres e transparentes. O general, que é primo do chefe de Estado deposto, Ali Bongo Ondimba, não sentia urgência nessa transferência de poder. “Quem vai devagar vai com segurança”, afirmou na altura.

O prazo para a transição surgiu mais tarde, pela voz do primeiro-ministro interino. “É bom arrancar com um objetivo razoável ao dizer: o nosso desejo é que o processo acabe em 24 meses, para podermos regressar a eleições”, afirmou Raymond Ndong Sima, citado pela emissora France24. No interregno, houve tempo para as autoridades provisórias adotarem uma nova Constituição através de referendo, que permite que militares concorram à presidência. Foi o que acabou por acontecer.

A ida às urnas foi convocada meses antes de se atingirem os dois anos previstos de transição, e Oligui Nguema era um dos candidatos. Entregue o poder ao povo, o voto foi e veio, qual bumerangue, e devolveu-o ao militar.

Nguema venceu as presidenciais de sábado passado com 90,35% dos votos, noticiou a agência Reuters, com base em declarações do ministro do Interior do Gabão. O seu principal adversário era Alain Claude Bilie By Nze, que somou 3,02% dos votos, segundo os resultados preliminares.

A participação foi expressiva, tendo aumentado de 56,65% nas eleições de 2023 (em que a contestação dos resultados culminou no golpe de Estado) para 70,40%. Em entrevista ao canal Al Jazeer, após vencer as eleições, Nguema prometeu “restaurar a dignidade às pessoas do Gabão” e devolver-lhes “tudo o que lhes foi roubado”.

De pai para filho

O Gabão tem uma população de cerca de 2,3 milhões de pessoas. Situado na África Central, conquistou a independência de França em 1960. Entre esse momento e o golpe militar de há dois anos, a política foi dominada pela família Bongo. Primeiro pelo pai, Omar Bongo, e, após a sua morte, pelo filho, Ali Bongo Ondimba.

Este preparava-se para iniciar o terceiro mandato como chefe de Estado quando os militares tomaram o poder, em 2023. “O golpe de 2023 foi claramente popular. Muitos gaboneses estavam fartos da administração de Ali Bongo e queriam mudança. Apesar de Nguema ser primo do ex-Presidente, isso não lhe foi prejudicial. Muitos gaboneses esperam que, com um mandato popular, leve a cabo reformas que impulsionem a economia e criem emprego”, indica ao Expresso Alex Vines, que lidera o programa de África na Chatham House.

Visto como figura próxima de Omar Bongo, pai de Ali Bongo, Nguema era o comandante-chefe da Guarda Republicana do Gabão — entidade responsável pela segurança do Presidente — quando liderou o golpe. Como se distanciou das ligações à era Bongo?

“Não se distanciou tanto do clã Bongo quanto do ramo Valentin-Bongo”, observa o cientista político Douglas Yates, professor da American Graduate School em Paris. Refere-se à ala da mulher de Ali Bongo, Sylvie, nascida Valentin, e do filho mais velho do casal, Noureddine, outrora herdeiro aparente.

Em resposta escrita ao Expresso, Yates aponta que a pertença de Nguema ao clã dirigente no passado foi menos problemática para personalidades poderosas do que para os críticos do regime. “Recebeu o apoio do Partido Democrático Gabonês, sustento do poder dos Bongo, e negociou diplomaticamente o poder com outros homens fortes regionais, empresas francesas e outros membros do aparato de segurança”, indicou.

Sem farda é que “é bom”

Ao longo da campanha, Neguema trocou a farda por roupas civis. O seu slogan de campanha era “C’bon”, jogo entre as iniciais dos seus nomes e a sonoridade da expressão francesa “c’est bon” (é bom). A emissora britânica BBC descreve como durante a campanha chegou a subir a palco a dançar ao som da canção “(I’ve got) The Power”.

O que mudou desde que Nguema assumiu o poder? No campo económico, o Banco Mundial indica que foram realizados projetos de infraestrutura e que houve um aumento da produção de matérias-primas como petróleo, manganésio e madeira, tendo o crescimento económico do país acelerado para 2,9% em 2024.

A diferença sentiu-se também na frente estrangeira. “As suas boas relações com França foram cruciais para receber apoio externo durante a longa transição. Manteve-se como aliado do Ocidente, o que o tornou entre os líderes de juntas [militares] da África Ocidental. Todos os demais seguiram o caminho da Rússia”, aponta Yates. No ano passado, Neguma foi recebido em Paris pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, com honras militares.

Na ótica de Vines, além de manter boas relações com França, Nguema procurou assegurar que o Gabão não fosse expulso de organizações internacionais. “Nos últimos anos da administração de Ali Bongo, houve cada vez mais laços com a China. Sob Oligui Nguema, a multipolaridade é, provavelmente, o foco da política externa do Gabão", escreveu o especialista.

Por outro lado, parece existir uma relação mais próxima entre a política e a religião. O general de 50 anos é o primeiro cristão a assumir o poder desde 1973, observaram líderes religiosos, segundo o relatório de liberdade religiosa do departamento de Estado americano de 2023. “Disseram que houve um aumento significativo das referências ao cristianismo nos discursos de oficiais do Comité para a Transição e Restauração das Instituições e nos comunicados oficiais”, pode ler-se no documento.

O lado religioso também marcou presença nas declarações pós-eleitorais de Nguema. “Abre-se uma nova página. Serei o Presidente de todos os gaboneses, sem distinção. O nosso futuro não se vai construir na divisão, mas sobre a unidade, o diálogo e a ação. Que Deus abençoe o Gabão”, escreveu na rede social X.