Três centímetros separam João Pereira de Vasco Matos, o treinador-sensação da Liga portuguesa. Três centímetros de altura (1,72 m contra 1,75 m) que valem para a vida, ao contrário dos três pontos que marcaram a distância entre os dois estabelecida sábado à noite em Alvalade.

O técnico do Santa Clara fez história ao guiar o Santa Clara na inédita vitória no terreno dos leões e assim contribuiu fortemente para o escrutínio mediático do homem que ao terceiro jogo na liderança do Sporting foi alvo das piores suspeitas.

João Pereira estreou-se com uma goleada frente ao Amarante, sofreu uma goleada diante do Arsenal e perdeu para surpresa geral, é verdade, com o emblema açoriano que subiu esta temporada ao escalão principal.

Vasco Matos
Vasco Matos Nuno Gomes/Santa Clara

De repente, o 6-0 arrancado ao vencedor do Campeonato de Portugal não representou nada, não deu sinal algum de sensatez, mandou para o lixo a tese de que o escolhido por Frederico Varandas tinha sido capaz de manter o voo em piloto automático.

De repente, o 1-5 consentido ao vice-campeão inglês representou muita coisa, deu o sinal de que tinha sido uma loucura sentar Matheus Reis, mandou para o ar a tese de que o escolhido por Frederico Varandas tinha inventado muito ao dar a titularidade a Marcus Edwards.

De repente, o 0-1 sofrido ante o vencedor da II Liga em 2023-24 representou a prova final, deu o sinal de fogo posto em todo o edifício, mandou para decreto-lei a tese de que o escolhido por Frederico Varandas se tinha despenhado antes de descolar verdadeiramente.

O que se leu e ouviu a propósito das capacidades e competência de João Pereira depois da derrota com a equipa que aparece na classificação a seguir aos três grandes seria o suficiente para trazer o Brasil inteiro para Portugal. As regras selváticas que caracterizam o futebol do país-irmão, em que qualquer treinador tem a cabeça no cepo se tiver dois resultados negativos em três, foram de forma incrivelmente gratuita importadas para a realidade nacional, com atropelo do mais elementar grau de razoabilidade.

As críticas endereçadas ao substituto de Ruben Amorim passaram por cima de circunstâncias que não podem ser ignoradas, da mesma maneira que algumas das suas ideias não podem merecer nota positiva.

Ruben Amorim
Ruben Amorim Dave Thompson/AP

Os canhões que fizeram estrondo em Lisboa mantiveram o fôlego no dérbi londrino disputado três dias depois e aos 36 minutos do West Ham-Arsenal os “hammers” já tinham levado com quatro marteladas. O ex-dragão Julen Lopetegui, alguém que não se pode acusar de falta de experiência, acabou por sofrer cinco golos do onze orientado por Mikel Arteta e de nada lhe valeu o currículo que mostra três títulos europeus pelas seleções jovens de Espanha e uma Liga Europa com as cores do Sevilha.

UM(A) QUENDA ANUNCIADA

Se Pep Guardiola fosse avaliado pelas seis derrotas (e um empate) nas últimas sete partidas, estava nos livros como o pior treinador alguma vez visto e se por cá Bruno Lage fosse avaliado pelos últimos quatro desfechos depois da pequenez de Munique estava consagrado como o único capaz de rivalizar com o compatriota que lhe “sucedeu” no Botafogo campeão da Libertadores.

Neste momento, Artur Jorge, com toda a justiça, suscita admiração mundial e desde ontem à noite, depois do triunfo sobre o Casa Pia, Vítor Bruno recuperou parte da imagem que construiu com o triunfo na final da Supertaça e que entretanto se fora evaporando devido às três derrotas e um empate nos quatro encontros que antecederam a receção aos gansos.

Para bem dos pecados de João Pereira, não foi ele que orientou os campeões nacionais nessa final (Supertaça) perdida depois de uma vantagem de três golos. No Municipal de Aveiro, ainda foi Ruben Amorim quem comandou as tropas e ainda foi sob as ordens do novo Lord de Old Trafford que certas decisões foram tomadas, inspirando quem lhe sucedeu no reino do leão.

Geovany Quenda
Geovany Quenda MIGUEL A. LOPES

Gonçalo Inácio, uma das soluções que JP mandou para o banco no duelo com o Santa Clara, já tinha experimentado a condição de suplente nos desafios realizados no Estoril (na véspera da deslocação a Eindhoven) e em Braga (depois da vitória gorda com o Manchester City), um pouco a exemplo do sucedido com Hidemasa Morita. O japonês não foi opção inicial frente a Braga, Estrela da Amadora, Casa Pia, AVS, Arouca e... Santa Clara, enquanto Geovany Quenda, sacrificado ao intervalo no sábado, repetiu aquilo que lhe tinha sido imposto nos compromissos perante Famalicão, AVS, Arouca, FC Porto e Farense.

Isto só significa que tanto o admirado Ruben como o principiante João erram e acertam também muito em função das peripécias de jogos sui generis e da (de)inspiração momentânea de atletas que têm fases de grande performance e outras de fulgor reduzido.

Viktor Gyokeres, quando tem Pedro Gonçalves ao lado, expressa-se de uma maneira que não pode ser recriada na ausência do cúmplice, e mais do que os erros (indesmentíveis) de arbitragem vistos na derrota com o Santa Clara, o que deve fazer refletir Frederico Varandas e Hugo Viana é a falta de recursos atacantes exposta no fim de semana.

Viktor Gyokeres e Pedro Gonçalves
Viktor Gyokeres e Pedro Gonçalves PAULO CUNHA / LUSA

As lesões de Pote e Nuno Santos ajudam a tornar Conrad Harder uma espécie de estrela solitária (para utilizar uma terminologia tão cara ao elogiado Artur Jorge), embora não se possa comparar a solidão do dinamarquês com aquela que abraçou o treinador vindo do Sporting B assim que terminou a batalha com Vasco Matos.

Em nome da honestidade, ninguém consegue afiançar nesta altura se João Pereira vai ser um monstro como treinador ou não passará de um delírio de outono do presidente que há quatro anos jogou uma cartada de 10 milhões na mesa de António Salvador e foi recompensado com dois campeonatos em quatro.

Frederico Varandas viu o sol com Amorim e viu as nuvens negras que assombraram um quarto lugar, o sonho (adiado) da Taça de Portugal e uma angustiante goleada de 1-4 sofrida aos pés do LASK Linz.

Até Ruben conheceu na época do título o sabor de uma derrota por três golos de diferença. E é a prova provada de que essa distância não vale para a vida. São centímetros numa carreira de milhares de quilómetros e que se faz bocadinho a bocadinho.