Hoje, a confiança nas forças de segurança pela comunidade está fragilizada. A cada notícia somos confrontados com as marcas de uma sociedade desigual, que clama por mais transparência e justiça. Temos de ser claros: condenamos qualquer tipo de violência, ela é um combustível muito eficaz para os populistas, que se alimentam do caos, da desordem, dos tumultos, para promoverem as suas agendas de ódio e perpetuarem o seu poder.

Mas o que não podemos fazer é esconder ou ignorar o ressentimento de uma comunidade, que carrega os anos, décadas e séculos de marginalização estrutural. Que enfrenta a pobreza sistémica, a habitação indigna, o falhanço repetido do estado em territórios invisíveis, a sub-representação permanente e a discriminação.

É a hora de ultrapassar a barreira do silêncio e da cumplicidade e promover a discussão sobre métodos que contribuam para romper com a violência, para reforçar a confiança nas forças de segurança e garantir que as comunidades mais fragilizadas têm visibilidade.

Aqui, as bodycams, pequenas câmaras em cada agente policial, podem ser o início de uma solução. Promovem a prova fidedigna, reforçam a confiança e podem, em casos extremos, prevenir abusos. Não podemos assumi-las como se fossem suficientes para resolver problemas que têm raízes muito mais profundas, estas devem ser um primeiro passo para reconstruir a confiança entre quem serve e quem é servido, mas sem desviar o olhar das falhas estruturais que perpetuam a desigualdade.

Mas a solução não se esgota nestes pequenos aparelhos tecnológicos. Há muito a fazer. Temos, para compreender a dimensão do problema, de o conhecer, com dados e métricas. O INE necessita, urgentemente, de recolher dados de autoidentificação cultural e étnica para percebermos qual a verdadeira composição do nosso tecido social e, em detalhe, as múltiplas injustiças da sociedade.

As políticas de habitação positiva, que combatam a guetização, como o programa “Bairros Saudáveis”, a promoção do associativismo como forma de coesão social entre comunidades e o fim, imediato, do conceito de “Zonas Urbanas Sensíveis” para fins de policiamento especial são urgentes e ajudam a compor uma resposta rápida e eficaz às demandas de uma comunidade muitas vezes esquecida, sempre sub-representada e negligenciada na decisão de novas políticas públicas.

As forças de segurança desempenham um papel fundamental na segurança pública e agem, muitas vezes, em contextos difíceis e imprevisíveis. Precisam de condições, salários decentes e ferramentas adequadas para cumprir o seu dever com justiça e eficácia, no entanto, também é verdade que as comunidades mais vulneráveis enfrentam o peso acumulado de desigualdades históricas e sistémicas, que não podem ser ignoradas.

E estas não refletem apenas falhas individuais, mas falhas estruturais que, ao longo do tempo, criaram desconfiança, ressentimento, exclusão – desigualdade.

É preciso entender as necessidades e as dores de quem se sente de facto marginalizado, enquanto apoiamos e responsabilizamos quem tem a missão de garantir a segurança de todas as pessoas.

A confiança real não se constrói apenas com tecnologia, constrói-se com investimento nas comunidades; com políticas que combatam a pobreza que garantam habitação digna e promovam a igualdade e uma vida digna – de outro modo qualquer tentativa de reconstruir a confiança será superficial.

É a hora de rejeitar a violência, mas também de reconhecer as dores e os direitos de quem há muito foi esquecido. É a hora de construir uma sociedade mais justa e mais segura, com mais políticas e menos ressentimento politizado.