
Cerca de quatro horas após o início do 'apagão total' no país, o Parlamento deixou de ter condições para os serviços não essenciais, levando funcionários e grupos parlamentares a deixarem o Palácio de São Bento, em Lisboa, a meio da tarde. A Iniciativa Liberal (IL), o PAN e o Livre criticam a falta de capacidade do órgão de soberania e as dificuldades de comunicação com o Governo, alertando para a necessidade de salvaguardar esta situação no futuro.
“Uma das falhas que me parece evidente do dia de ontem é que a partir das quatro, quatro e pouco da tarde na Assembleia da República (AR) também já não havia condições para trabalhar. Isso parece-me ser relevante, há outras falhas mais graves, mas que um órgão de soberania não tenha capacidade para autonomamente ter condições de trabalho é um sinal e um indicador preocupante em tudo o que aconteceu”, disse ao Expresso Rui Rocha, numa entrevista que será publicada esta sexta-feira.
Segundo o líder liberal, houve tentativas de contacto do Governo ao longo do dia, mas foram “infrutíferas”, uma vez que só voltou a ter comunicações móveis, ao final da noite, por volta das 22h. Mas não deixou de criticar a comunicação tardia por parte do executivo de Luís Montenegro, que foi “espaçada” e não no sentido de “tranquilizar os portugueses”, sem dar as “orientações básicas” sobre as atitudes a tomar durante o dia.
No Parlamento, o gabinete da secretária-geral da AR, Anabela Cabral Ferreira, informou antes das 16h os grupos parlamentares que havia necessidade de encerrar todos os serviços não urgentes, devido à interrupção de fornecimento de eletricidade, para maximizar a capacidade dos geradores do Parlamento, ao que apurou o Expresso. Meia hora depois, funcionários e grupos parlamentares já não se encontravam na AR face às perturbações evidentes.
Ao mesmo tempo, o gabinete do ministro dos Assuntos Parlamentares tentou contactar todos os partidos para uma reunião ao final da tarde com o ministro da Presidência, pelas 18h30, na residência oficial do primeiro-ministro, mas acabou por cancelá-la, visto que não conseguiu entrar em contacto com todos os partidos devido às falhas nas telecomunicações.
“Houve falhas gritantes, basta percebermos que a Assembleia da República ficou às escuras e que o próprio Governo não conseguiu comunicar com todos os partidos com representação parlamentar, porque as comunicações com os deputados também não funcionavam. Isto não pode acontecer”, atira Inês de Sousa Real.
A porta-voz do PAN defende também que seria essencial que o “Governo, mais prontamente, tivesse dado uma palavra às populações”, com dicas e orientações, sendo vital acautelar estas situações no futuro dentro e fora do Parlamento. “Os órgãos de soberania também não podem falhar”, insistiu.
Livre quer revisão de planos de contingência e telefones 'satélite'
Rui Tavares considerou, por sua vez, que este ‘apagão’ deve servir de lição e levar à revisão de planos de contingência em instituições como o Parlamento, sugerindo também que o presidente da AR e os líderes parlamentares passem a ter telefones que funcionem através de satélite para situações extremas. “Os deputados não são cidadãos comuns”, reforçou, acrescentando que o partido vai propor uma comissão parlamentar para elaborar um relatório com recomendações “claras” para estes casos.
Também o PS, Chega, PCP e Bloco apontaram o dedo à comunicação do Governo, no geral, na sequência da falha total de eletricidade no país. “Durante horas, milhões de pessoas ficaram sem acesso a informação fiável, sem orientações claras, quando o que se esperava era uma resposta célere e eficaz. Tivemos um apagão no Governo central”, atacou Pedro Nuno Santos, acusando o Executivo de ter falhado também no dever de “proteger" e “informar” os cidadãos.
“Em dias destes é preciso comunicar com as pessoas, que não podem ficar às escuras, sem saber o que está a acontecer”, criticou igualmente André Ventura. O presidente do Chega pediu também uma “auditoria completa” ao incidente, que deve ser levada a cabo por uma entidade independente , para se perceber o que falhou.
O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, sustentou que face à “dimensão” do problema exigia-se do Governo uma “informação mais rápida” e “desenvolvida, que permitisse que a tranquilização dos portugueses, enquanto a coordenadora do Bloco, Mariana Mortágua, criticou a comunicação ”tardia" do Executivo e lamentou que o ministro da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, tenha admitido a possibilidade de um ciberataque sem ter na sua posse “todas as informações que necessitava”, contribuindo para a “desinformação”.
Já o primeiro-ministro considerou que a resposta do Executivo foi "altamente positiva" apesar de reconhecer que há aspetos que podiam ter funcionado melhor: "O Governo teve uma reação muito positiva a uma situação que era muito grave, inédita e inesperada. Faremos uma avaliação muito rigorosa do que aconteceu desse ponto de vista para ultrapassarmos por uma vez os constrangimentos de comunicação que o mau funcionamento desse sistema tem trazido de forma sucessiva", garantiu Luís Montenegro.